Quando há três meses me ofereceram aquela vaga em Londres o meu mundo caiu, inesperadamente, ao mais recondito buraco existente. Parte da minha vida caiu. Fiquei simultaneamente feliz e assustado. Num ápice só consegui responder:
- Sim!
Depois de o meu chefe ter deixado o meu escritório fiz o favor a mim mesmo de saborear café. Forte. Doce. Quente. Tinha acabado de decidir o futuro da minha vida nem há cinco minutos atrás e a única coisa que consegui fazer foi tomar café.
Quando o horário de serviço terminou desliguei o computador, peguei no casaco e saí para a rua. Chovia e foi naquele momento que me arrependi por não ter trazido o guarda-chuva de manhã.
Hoje não era, definitivamente, dia para jantar em casa. Liguei ao meu grande amigo Márcio que, ao que parece, decidiu não me atender. Ou estava realmente ocupado... com alguém. E quando digo alguém refiro-me a alguém do sexo feminino. O Márcio tem esse feitio mulherengo de atrair com o olhar qualquer uma que lhe passe à frente. Diferimos nisso. Ele era capaz de levar uma mulher para a cama na noite em que a conheceu ao contrário de mim que, nesse campo, sou uma autêntica nódoa. O último caso amoroso de que me lembro é distante e um completo erro. Namorar com alguém do mesmo local de emprego não foi uma boa ideia e, ainda hoje, a informação para o departamento de Recursos Humanos passa diretamente por um estafeta porque eu recuso-me a levar qualquer tipo de documento àquela pessoa. Com o Máricio, no entanto, a divergência de opiniões fica-se por aí.
Conheci o Márcio no meu segundo ano da universidade quando este veio transferido de um instituto privado. Os pais faleceram cedo, tal como os meus, e as únicas pessoas que lhe deram apoio foram os avós paternos. Eu ainda tinha a Gabriela, a minha irmã, com agora trinta e sete anos, mais velha que eu sete anos e que tinha uma vida estabilizada. É casada e tem um filho, o meu sobrinho Guilherme a quem todos chamam de Gui.
O trabalho na empresa começou logo após a licenciatura. A ECOnomics estava em fase de recrutamento e quer eu, quer o Márcio, fomos candidatos. Infelizmente o Márcio não ficou colocado, razão pela qual sinto ainda, algumas vezes, rancor da parte dele. Não o culpo, afinal de contas a indecisão na escolha para o lugar foi entre os dois.
A vaga para o cargo de diretor financeiro da sucursal de Londres surgiu agora, num concurso aberto a todos os acessores e na qual fui colocado. Decidi contar primeiro ao Márcio que, além de tudo, seria quem mais me felicitaria mas dado que o infeliz não me atende decido ligar à minha irmã. Desta vez alguém atende. O meu pequeno sobrinho.
Depois de receber com alguma tristeza as felicitações da minha irmã dirigi-me à pizzaria que ficava no fundo da rua onde morava.
Chegado a casa, molhado, tirei a roupa e deitei-me na cama. Depois de ver o que os canais por cabo tinham para me oferecer e de me fartar, literalmente, de fazer zapping, desliguei a televisão. Continuava a chover. Conseguia ouvir-se a trovoada, ainda longe, que fazia avistar uma noite longa e invernosa... até que acordo. Sobressaltado.