Lucinha não tinha sorte. Aquilo que ela tocava dava errado. Parecia uma maldição. Mas ela já tinha se acostumado com isso. Desde criança seus pais notavam que a pequena tinha aquilo que eles chamavam de "zica".
Antes mesmo do nascimento, sua mãe escorregou no piso molhado e caiu com a barriga no chão. A garota nasceu prematura e precisou ficar um mês internada no hospital. Levada para casa, os pais haviam preparado um berço branco novinho no quarto mais claro e arejado da casa. Não adiantou! Em três dias os pernilongos tinham manchado toda a pele da garotinha. E o mais interessante é que ela era protegida por um cortinado, antiga proteção feita de véu, que permitia uma boa ventilação e barrava os insetos. Mas, de alguma forma, os pernilongos venciam a proteção.
Aos dez anos de idade, ela contabilizava fatos muito incomuns em sua biografia "azarística": era, incrivelmente, a única criança conhecida a ser acometida pela quinta vez por sarampo e pela sétima vez por caxumba. Além disso, mesmo vacinada, a garota sofreu com uma meningite meningocócica.
Na adolescência, outro trauma: enquanto os corpos de suas amigas se desenvolviam, o dela permaneceu esguio e sem curvas até que ela completou dezessete anos. Na escola, só passava de ano depois que sua mãe abria um processo na justiça contra os professores: apesar de sua inteligência incomum, os educadores sempre colocavam suas notas para outro aluno e a premiavam com baixíssimas avaliações. Nem sequer namorado a garota teve.
O que salvava a vida de Lucinha era, mesmo, a sua inteligência. Aos 27 anos, era formada em Biologia. Os pais fizeram questão de pagar todo o seu curso, pois até eles tinham dó da coitada.
Apesar da formação, Lucinha não conseguia um emprego à sua altura. Tentou um concurso e errou apenas três questões em toda a prova. Ao olhar a lista de aprovados, em seu nome constava a contundente mensagem: "Não compareceu". De alguma forma sua prova havia sido extraviada e, para piorar, o aplicador não colocara presença para a moça. Trabalhava, assim, como ajudante de seu tio, coveiro do cemitério do bairro, e vivia com seus pais, que a ajudavam muito, já que há quatro meses ela estava sem dinheiro, pois, por quatro vezes consecutivas, havia sido assaltada logo após receber seu pagamento.
Entretanto, como toda mulher inteligente, Lucinha não perdia as esperanças: duas vezes por semana arriscava e fazia uma fezinha na loteria mais popular do país. Honesta, ela pegava dinheiro com seu pai e anotava tudo, para, assim que possível, quitar a dívida. Todavia, generosa que era, ela já sabia que, se fosse premiada, dividiria o dinheiro com seus aqueles que a criaram com tanto carinho.
Mostrando ainda mais sua inteligência, ela não arriscava a aposta mínima de seis números. Preferia tentar com sete, pois achava que aquele era seu número de sorte, ou melhor, de menos azar. Ainda assim, desde sua primeira aposta, seis anos atrás, nunca acertara um número que fosse.
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A Azarada
Short StorySerá que alguém pode ter azar por toda a vida? Ou será que algum dia as mesas viram e o jogo muda?