PRÓLOGO

1.5K 245 81
                                    




"E no brilho de uma pedra falsa
Dei amor a quem não merecia
Eu pensei que era uma joia rara, era bijuteria"
Bijuteria – Bruno e Marrone



Já passava da meia noite quando Analu sentiu sua menininha chutar sua barriga.

Ela cochilava na pequena poltrona, enquanto aguardava Douglas chegar de mais um dia de trabalho árduo. Ele era veterinário, recém-formado e fora efetivado recentemente na fazenda onde fizeram estágio, fora lá que  se conheceram, há algum tempo atrás.

Conferiu novamente seu relógio de pulso e enquanto passava a mão em sua barriga, dirigia um olhar tristonho para a mesa que havia posto com tanto carinho. Aquela era uma data especial para ela, completariam dois anos de namoro, por isso caprichara, fizera seu prato predileto, colocara sua melhor roupa dentre aquelas que ainda lhe serviam, não estavam em condições em esbanjar dinheiro com roupas que ela não usaria após a gravidez. Engoliu o soluço, limpou as lágrimas e foi se deitar. Desde que as suspeitas do médico se confirmaram, isso passou a ser uma constante em suas vidas.

Analu nem se dera ao trabalho de se despir, deitou em sua cama do jeito que estava retirando somente suas sandálias, abraçou sua barriga enquanto falava baixinho:

− Papai só está confuso e com medo Nina, mas ele vai entender e vai te amar assim como eu já te amo minha pequena!

Deixou-se acalmar pelas vibrações que Nina emitia conforme se mexia dento de sua barriga e com isso adormeceu de tal maneira que nem sentira quando Douglas se deitou na cama cheirando a álcool e a perfume barato.

Ele estava acostumado com a rotina que levava, então apesar do adiantado da hora em que chegara, levantou-se cedo, esperava que Analu ainda estivesse dormindo, podendo assim sair sem dar maiores esclarecimentos, mas ela já não estava mais na cama.

Levantou-se, fez sua higiene pessoal e seguiu o cheiro de café que vinha da cozinha e mesmo  sem muita vontade, resolveu encarar aquela que há alguns meses se mudara de vez para sua casa — embora soubesse que o que sentia por ela não era amor, não era justo deixá-la quando souberam da gravidez — hoje já não tinha mais certeza se o que fizera foi o certo e agora tentava ao máximo evitá-la.

O barulho da porta do armário se fechando, após Douglas retirar de lá a caixa de comprimidos, tirou Analu de seus pensamentos.

— Bom dia amor! — saudou ela, sem lhe dirigir o olhar.

— Bom dia Analu. — sua resposta era mecânica.

Analu levantou-se antes dele, tinha quase que certeza que pelo cheiro que sentiu nele ao acordar, fora direto para a cama, então nem notara a mesa disposta ao canto da sala, podendo assim, desfazer-se de tudo para que ele não  visse pela manhã.

— Não vi você chegar esta noite.

— Tivemos que fazer um parto difícil em uma égua e isso demorou mais do que prevíamos. — mais uma mentira para suas escapadas.

— Preciso do carro hoje, posso te deixar na fazenda e ficar com ele? — continuou o que fazia sem olhá-lo.

— E como acha que voltarei para casa?

— Acredito que algum desses seus amigos que passam as noites na farra com você não se oporá a lhe dar uma carona! — a resposta que queria dar não era exatamente esta, mas se conteve.

— Está bem, eu me viro. Posso saber onde vai? — ela queria saber de onde surgira esse interesse repentino.

— Tenho pré-natal hoje! — respondeu já saindo da cozinha, não queria que ele visse que estava a ponto de chorar novamente. — Vou só me trocar, pegar a minha bolsa e já saímos.

Douglas ouviu quando ela tentava abafar os soluços, já não podia mais suportar. Jurava para si mesmo que estava tentando lidar com tudo isso. Não fosse o resultado dos exames, ele ainda teria Analu, mesmo grávida, só para si, teriam um filho e seguiriam o curso natural de suas vidas, seriam uma família feliz, mas as coisas como estavam, ele não sabia mais como lidar.

O silêncio dentro do carro durante o percurso até a fazenda só não era maior porque o rádio estava ligado e as músicas que tocavam a remetiam a um passado não muito distante, quando se conheceram.

Analu era estudante de Agronomia e conseguira um estágio na fazenda Paraíso, onde poderia colocar em prática sua pesquisa em controle de pragas e doenças na agropecuária, porém ao se descobrir grávida, perdeu o estágio e a moradia que possuía e de comum acordo com Douglas, resolvera trancar a faculdade e se dedicar somente a gravidez.

Agora percebera o erro que havia cometido, financeiramente falando, estava totalmente dependente dele, parte do dinheiro que recebia pelo estágio era enviado para ajudar os pais e a outra parte, como não tinha muitos gastos, era guardada, porém após as suspeitas que o médico levantou depois que viu o resultado do ultrassom, fora gasto com os outros exames que confirmaram a suspeita.

Só se dera conta que haviam chegado a fazenda, quando Douglas a chamou:

— Analu, ei, tá pensando na morte da bezerra é? — sacudiu delicadamente seu ombro.

— Não tava aqui só pensando se você não quer mesmo ir comigo à consulta.

Douglas coçou a cabeça com uma mão, enquanto com a outra acarinhava seu rosto.

— Ei, deixa disso, sabe que tenho muito trabalho aqui por esses dias, se pudesse eu iria. — soou mais falso que nota de três reais e ela percebera.

— Tudo bem Doug, na próxima você vai. — falou resignada.

Mesmo com tudo isso que vinha acontecendo em sua vida, não perdera as esperanças que seria só uma fase, afinal homens são mais durões mesmo e levam mais tempo para se acostumarem com essas coisas.

Recebeu o selinho que ele lhe dera, pulou para o banco do condutor e fez a manobra que a levaria para fora da fazenda.

         *******

Estava entrando no quinto mês de gravidez e embora o choque da descoberta tenha acontecido há dois meses, não demorou muito para assimilar as coisas e acreditava que Deus tinha um propósito maior em sua vida, pois destinara Nina à ela.

O ultrassom morfológico fora uma opção e um pedido de Douglas, que queria saber o sexo do bebê, embora a gravidez fosse como ele mesmo disse "um acidente de percurso", logo se animou sonhando com um menino que ele pudesse carregar fazenda a dentro para que quando aprendesse a andar, já o ensinasse a montar.

Talvez sua distância se devesse a uma dupla decepção.

Meu Deus, embora vivêssemos em uma cidade pequena do interior, ele era um cara formado, instruído e inteligente. Como seria possível não saber lidar com isso?

Logo após isso, a amniocentese fora feita, um exame onde através das imagens do ultrassom, o médico localizou um bolsão de líquido amniótico a uma boa distância da placenta e do bebê, introduziu uma agulha comprida e retirou o líquido para análise.  Pediu que mantivesse pelo menos 24 horas de repouso, pois cólicas poderiam surgir.

Exame feito, resultado entregue, chegara a tão temida hora do retorno médico. Suas suspeitas foram confirmadas.

Medo, decepção, desespero, indignação. Foi tudo isso que vira em Douglas, quando buscou seus olhos, já com seu próprios transbordando em lágrimas.

E fora assim que começara a ouvir todas as explicações médicas, de que era uma má formação genética, que embora fosse incomum acontecer com mulheres jovens, acontecera com ela, discursou sobre as várias estatísticas, sobre os vários estudos e embora não fossem leigos nas questões biológicas e científicas, nada haviam lhes preparado para passarem por isso em suas vidas. Sua filha era portadora da Síndrome de Down.

Por dias permaneceram em estado de negação, aos poucos Analu foi caindo em si e sabia que toda aquela angústia, todo aquele sentimento ruim que tentavam se instalar dentro dela seriam muito prejudiciais para a sua bebê e mesmo vendo que o mesmo não acontecia com Douglas, resolvera que lutaria por sua filha, pelo seu bem estar e para lhe proporcionar tudo o que pudesse, além do amor incondicional que já sentia por ela.

Mas o tempo não fizera o mesmo com Douglas, cada dia se mostrava mais frio e distante. Ele já não passava mais as noites com ela, chegava do trabalho cada vez mais tarde, não a procurava mais na cama e sentia a falsidade e a frieza em cada desculpa que lhe dava.

Estava sentindo-se cada vez mais sozinha e nem as  conversas que mantinha com a irmã pelo telefone frequentemente a animavam mais. Havia contado tanto para ela quanto para seus pais, o que acontecera e o que vinha acontecendo desde o diagnóstico final.

Sua irmã por diversas vezes sugerira que fosse para casa, que eles dariam total apoio à ela e a ajudariam a cuidar da sua filha, mas tinha esperanças que Douglas caísse em si.

Uma manhã, antes que ele saísse para o trabalho, Analu insistira muito para que ele voltasse cedo para casa e pela primeira vez em semanas ele falara a verdade.

— Hoje eu consigo, o gado já foi todo vacinado e só preciso vistoriar os cavalos que a peãozada usa.

Naquela noite Douglas realmente chegara cedo, jantaram juntos, assistiram um filme e foram para a cama.

Douglas a amou como há muito tempo não fazia.

Pela manhã ele recebeu um telefonema.

— Analu, preciso ir para a fazenda, surgiu um imprevisto, não me espere pra jantar! — levantou-se, tomou um banho, foi até a cozinha e se despediu dela.

Ao fechar a porta, recostou-se nela, sentiu uma pontinha de remorso. Sacudiu a cabeça afastando-o e a passos apressados se dirigiu para seu carro.

Dirigiu em sentido a fazenda com uma calma que não possuía naquele momento e na bifurcação existente nos limites da cidade, tomou sentido contrário.

         ********

Como ele dissera para Analu que talvez chegasse tarde, ela nem se preocupara, seguiu sua rotina costumeira de fim de dia e se recolheu feliz da vida, ele havia ao menos lhe proporcionado uma noite feliz, um recomeço talvez. Ao acordar percebeu que o seu lado da cama não estava nem mexido, isso costumava acontecer, seria cedo demais para achar que ele estava se emendando.

Tentara de um tudo para se distrair, mas nada conseguira reter sua concentração. O sol quente do verão interiorano já se punha quando resolveu ligar para Douglas. Tocou uma, duas, três vezes, até cair na caixa postal.  Sentiu que Nina começava a se agitar em seu ventre.

— Calma filhinha, daqui a pouco papai chega! — quem sabe se repetisse essas palavras em voz alta, a porta se abriria e Douglas entraria por ela.

Tentou o celular dele de novo. Mais uma vez, nada.

Como se sentisse que sua mãe precisava de calma, a bebê se aquietou.

Um arrepio lhe percorreu o corpo, como se um vento frio soprasse pela janela aberta. Sem sair do lugar, percorreu com o olhar a janela da sala e a cortina permanecia imóvel.

O celular tocou em sua mão, assustando-a, era Luciana, sua irmã. Sabia que sua voz denunciaria o desespero que já se instalara em seu ser. Colocou-o na mesinha de centro e deixou-o tocar até que caísse na caixa postal. Logo em seguida ouviu-se o soar da campainha que anunciava que uma mensagem chegara. Não leria agora, sabia que sua irmã saberia que lera e não quisera responder.

Resolvera então ligar na administração da fazenda.

— Oi Carla! — saudou a secretária da administração.

— Analu..., hum, é... tem algum problema, tá faltando alguma coisa?

Alguma coisa se revirou dentro dela, um pressentimento ruim apareceu novamente.

— Como assim faltando alguma coisa? — um misto de entendimento, raiva e dor, era o que sentira naquele momento. — O Douglas tá aí por perto?

— Que conversa é essa mulher? — Carla estava sem saber o que dizer.

— Não me responda uma pergunta com outra, quero saber de Douglas! — perdera a paciência e gritara com a outra que não tinha na a ver com a situação.

— Peraí Analu, eu não tenho culpa das safadezas do seu homem não, ademais ele me falou que quem quis ir embora foi você!

Nesse momento, parecia que o sangue que corria em suas veias se transformara em água e de tão gelada que estava, era capaz de congelar seu coração. Seria desnecessário convencer a moça do contrário então resolveu dar corda para descobrir o que acontecera.

— O que ele te contou? — questionou com a maior firmeza que conseguiu expressar com a sua voz.

— Que você descobriu o caso dele com a princesinha da Paraíso e que por isso você o deixou.

— Foi isso mesmo que aconteceu, mas preciso acertar algumas questões com ele antes de ir embora.

— Ele já se foi. Tem dois dias que fez um acordo com o patrão e mandou que eu transferisse o dinheiro desse acordo para sua conta.

—Era isso mesmo que eu queria saber, se ele já havia cumprido o combinado. Obrigada Carla.

Desligou o telefone e deixou-se escorregar pela parede da sala, até que estivesse em posição fetal no chão e aos prantos.

Mais uma vez sentiu Nina se remexer em seu ventre como se dissesse "calma mamãe, estou aqui.” Isso foi mais que o suficiente para que suas forças fossem renovadas. Pegou seu celular, abriu o aplicativo do banco e conferiu sua conta. Ligou para a rodoviária à fim de se inteirar sobre os horários de saída do ônibus que a levaria para casa.

Em seu quarto, juntou o que julgou o necessário para ela, arrumou uma outra mala com o que já havia comprado para o enxoval de Nina e mais nada.

Daquela casa e principalmente dele não queria mais nada, nenhuma lembrança.

Enviou uma mensagem para a irmã avisando que no dia seguinte estaria em casa.


******
Boa noite galera!
Setembro chegou e com ele Naqueles Olhos!
Estou postando hojr a sinopse e o prólogo, porém os capítulos serão sempre postados à quinta-feiras.
Espero que embarquem comigo em mais essa viagem e espero que se encantem pelos persinagens!
Não esqueçam de comentarem, deixarem suas estrelinhas, compartilharem e indicarem para os amigos!

Um grande beijo a todos!

02.09.18

18

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.










Naqueles Olhos ( DEGUSTAÇÃO  )Onde histórias criam vida. Descubra agora