|| Prólogo ||

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Todos os dias o mesmo sonho. 

O mesmo pesadelo. 

A mesma dor. 

O vejo em diferentes formas, em diferentes corpos. 

Às vezes rodeado por sangue e tripas, por rosas e borboletas. 

Às vezes ele é ela. 

Às vezes sequer é feérico.

Um humano. Uma besta. Um fantasma.

Mas ainda é a mesma pessoa. 

O mesmo macho — fêmea? — que pensei ter amado tão enlouquecidamente durante tantos séculos. 

Mas eu estava errada. Tão absolutamente errada

Não estava louca pelo amor. 

Na verdade, jamais estive tão sã quanto nos dias em que o tive para mim. 

Sequer consigo lembrar seu rosto. Não quero me lembrar. 

Se não morri no dia que aquela parte de mim se foi, então morrerei no dia em que perceber o que perdi. O que deixei ser arrancado tão brutalmente de mim. 

Um pedaço de mim. 

Meu coração. Minha alma. Minha vida. 

Minha parceria. 

***

Acordo com as costas ensopadas de suor.

Encaro o teto através do tecido semitransparente do dossel. Me mantenho assim. Parada, tremendo e piscando para o nada. Meu coração bate como as asas de um beija-flor enquanto agarro os lençóis com toda a força. Sinto o estofado gemer enquanto é rasgado pelas minhas unhas. Quero gritar. Quero vomitar. Quero acreditar que estou louca novamente.

Mas, não, eu não estou louca. Eu vi. Pela primeira vez em cinquenta e sete anos, eu pude enxergar com lucidez novamente. Eu vi. Eu vi. Eu a vi.

Ele ou ela ou seja o que for. Está vivo. Está respirando. Está me chamando novamente.

Minha parceria. 



Corte de Cinzas e Destruição || ACOTAR AUOnde histórias criam vida. Descubra agora