São sete da manhã, o sol ilumina intensamente mas não aquece; o bastante para cerrar os olhos mas não abrir mão de uma camada de roupas e um café quente e amargo, indispensável para equilibrar sensações com um cenário tão doce.
O límpido azul propõe sua beleza a quem não tem mar, então mergulha no céu; Brasília costuma ser um caos, mas hoje não.
A imagem de seu corpo apoiado no batente parece ter sido cuidadosamente projetada para compor o feed de alguma rede social e o som distante do trânsito e das máquinas compõe um hip hop lo-fi especial para essa ocasião.
O cheiro do café é quase tão bom quanto o de sua pele recém banhada; lá fora Brasília é dos maus, mas aqui não.
É muito para assimilar em um golpe de vista (e outros sentidos), e eu sei que é profano descrever sensações a quem não as sente, como um sommelier detalha um vinho, então traduza tudo o que eu disse em seu melhor conceito de felicidade.
A escrita costuma ser mais uma dentre muitas formas sinceras de se expressar, mas em Brasília é só Diário Oficial da União.
Os problemas são personalíssimos, e entre nós sequer importam, o espaço vazio entre os corpos é a melhor desculpa para sua junção. Esta manhã transcende os compassos ao fundo e assume seu trono perpétuo, transcende o tempo da música e da civilização.
Eu estranho essa percepção atemporal; em Brasília até a praça é do relógio, que dirá a paixão.
Parece até um sonho — e é — em um breve momento devo despertar do sono de completa sinestesia, e não há problemas pois a memória que levo comigo é eterna e vai dar propósito à existência e à relação; por um instante elástico eu amei mais que o tempo, o bom senso e a canção.
E não será preciso escrever sobre a saudade, pois o sentimento não é matéria do meu concurso, e não é relevante para a aprovação; a vida costuma ser levada em ritmo, poema, conto, prosa e romance. Em Brasília é dissertação.
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Maior que o tempo
Short StoryViver em Brasília é o sonho de uns, castigo de outros e sorte de poucos . No entanto - com todas as sua malícias - essa bela senhora nos ensina a amar, e, quiçá, sorrir.