O primeiro gol do David Luiz na Copa

624 16 12
                                    

-Ai se a Shakira me quisesse... Eu mudava de lado. - Falo para Murilo, enquanto vemos alguns lances do último jogo da Espanha, num erro gritante do zagueiro que pega minha musa colombiana.

-Você não existe. - Murilo fala, e ri. Nós estamos nos preparando para ver a partida do Brasil contra o Chile, e eu estou ansiosa para o jogo, então me distraio com algo menos importante, para mudar o foco do nervosismo.

-Vai dizer que você não queria?

-Shakira? Quero nem pensar no que eu faria se eu tivesse uma Shakira. - Murilo murmura, perto do meu ouvido. Eu rio e o olho, mas paro quando ouço os gritos da torcida. O aquecimento provavelmente vai começar.

Vejo os jogadores correrem na direção do campo e observo quando David Luiz corre na direção do centro do gramado. Ele olha à sua volta, e aplaude a torcida. Sorri. Nem parece sentir dor. Ele transpira confiança e saúde. Mordo o lábio inferior e me pergunto se, em meia hora, a dor passou. Nunca quis tanto que um Atroveran aliviasse uma dor. Thiago o ajuda a se aquecer e, por vezes, alguns movimentos sutis me mostram que ele não está totalmente recuperado. Uma vez ele toca a região das costas, perto da lombar, e olha em volta, coça a região e dá alguns pulos.

O aquecimento não dura muito tempo, e eles saem do campo ovacionados, como entraram. Eu olho Murilo novamente e vejo que ele anota cada mínimo detalhe que acontece durante o aquecimento. Eu lanço um olhar longo para as anotações, e me sinto uma idiota incompetente. Eu devia fazer meu trabalho assim como ele, e não ficar olhando e suspirando preocupada. A culpa atinge minha agitação e a diminui. E eu suspiro.

-Me empresta suas anotações pra eu ver o que aconteceu no treino?

-O que? - O barulho dentro do estádio atrapalha minha voz, e eu falo mais alto e mais perto dele.

-Suas anotações! Você me empresta?!

-Sim! - Ele grita em resposta, e eu fico um pouco aliviada. Se ele vai me emprestar, eu vou poder saber o que aconteceu.

-Você acha que o Brasil ganha?! - Eu grito, e três jornalistas ao lado dele dizem que não. Eu arregalo os olhos para os jornalistas e eles respondem com sorrisos. Eu sorrio amarelo. - Por que?!

-O time do Chile é mais forte! - Um deles diz. Eu meneio a cabeça e passo a mão pela testa.

-Eu acho que o Brasil ganha!

-Então torça bastante! - O último deles, um baixinho loiro. Eu faço um sinal com a mão de que vou torcer, e penso que realmente o time do Chile é forte, e lembro que o próprio técnico do Brasil já havia dito uma vez que sentia medo de pegar o Chile. Na ocasião ele dizia preferir enfrentar a Holanda.

Mais um motivo para me deixar apreensiva.

***

O primeiro tempo está rolando no Mineirão e, enquanto eu vejo o jogo, recebo mensagens da minha mãe. Ela manda um número recorde de mensagens de texto e eu sinto medo do que pode vir depois. Deixo algumas acumularem, e observo o jogo. Como o Brasil toca bola no campo de defesa, o que para uns é valorização da posse de bola, e o que para outros é mera fragilidade de passe entre defesa e meio campo, eu pego o celular e abro o WhatsApp. Vejo as mensagens que minha mãe mandou.

"Filha, está no estádio? Estou te esperando em casa." "Filha, você almoçou?" "Filha, como estão as coisas aí no campo?" "Eu queria estar aí." "FILHA, VOCÊ APARECEU NO TELÃO!!!" "Ai que orgulho"

Rio um pouco e respondo as mensagens, com um sorriso.

"Eu vou dormir em casa, certo? Eu almocei sim. As coisas estão barulhentas aqui e eu queria que a senhora estivesse aqui também."

Ainda rindo, ouço Murilo gritar algo como "Olha lá! Escanteio! David Luiz está correndo pro outro lado!" E arregalo os olhos. Ergo os olhos para o campo e vejo o David correr depressa até a área do Chile, e Neymar se encaminha à bandeira de escanteio. Mordo o lábio e guardo o celular e levanto do lugar onde estou sentada. pego a câmera e espero, porque esse momento pode ser importante. Caso aconteça um gol, quero registrar a comemoração, que pode acontecer bem pertinho de nós, já que estamos perto do campo.

Neymar se prepara para cobrar o escanteio, e eu sinto uma vontade súbita de roer as unhas, correr, gritar, pular e morrer. Seguro a câmera posicionada na direção do gol, e foco em David. Por instinto, mas não me importo, porque as comemorações dele sempre são memoráveis. Vai que ele faz um gol? Apito e chute. Eu observo a bola fazer um caminho no ar e bater em alguém, e depois em dois joelhos. Tiro uma foto, e a bola entra no gol. Gol de David Luiz. Eu arregalo os olhos, e grito, e tiro mais fotos, até ver ele correr na nossa direção. Ele dá umas paradinhas no meio da corrida, como se estivesse desviando o corpo de algo.

Então ele cai de joelhos no chão, e ergue os dedos indicadores para o céu. Eu só vejo suas costas, mas percebo que ele fala porque seus cabelos se mexem e ele balança um pouco a cabeça. Então todos os companheiros de time se jogam sobre ele e eu não o vejo mais. Tiro algumas fotos do montinho que eles formam no canto do campo e rio um pouco. Quando eles se solta de todos, ergue o corpo, agradece mais uma vez aos céus e se vira. Ele olha para todos os fotógrafos e jornalistas, e aponta para algum lugar. Para mim. Ele grita algo para mim, mas eu não consigo ouvir. Tento ler seus lábios, e tudo o que eu consigo entender é "Você".

O mundo para. Eu tento racionalizar o que ele me diz. Ele por acaso está dedicando um gol de copa do mundo... A mim? É o que parece. A mim. Alguém me dedicou um gol. Um gol de copa do mundo. Dedicado à mim. E foi o David Luiz que fez o gol. Um gol de copa do mundo. Ele dedicou a alguém, e esse alguém sou eu. Eu. Copa do mundo. Gol. David Luiz. Ele dedicou à mim.

-AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHH!!!! - É a única reação que eu consigo esboçar. Eu grito com tanta força que sinto a garganta arranhar, e esqueço de tirar fotos desse momento. Sinto os flashs ao meu lado, mas não me importo. - AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHH!! - Meu grito é o mais alto dentro do estádio. Eu posso morrer feliz. Teve um gol na copa das copas que foi dedicado à mim, pelo David Luiz. O primeiro gol de David Luiz na seleção brasileira foi dedicado a mim. - AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHH! - Continuo a gritar enlouquecida e ele começa a correr de volta. Mas o êxtase e a adrenalina ainda percorrem meu corpo com tanta força que eu não consigo parar de me mexer. Sinto alguns flashs em minha direção, e quando a comoção começa a cessar, eu escuto um dos jornalistas que disse que o Chile ganharia gritar para Murilo:

-Por acaso o David Luiz estava dedicando o gol a essa menina? - Ele aponta para mim. "Foi, porra! Ele dedicou a mim! Chupa essa, seu idiota! É Hexa! Viva com isso! Uhuuul!" É o que eu tenho vontade de responder. Queria sambar na cara dele, porém, me contenho e finjo que não ouvi. Nem o jornalista, nem a resposta de Murilo.

-É o que parece, não é? Eles são amigos. - É o que ele responde. E eu realizo. Sou mesmo amiga de David Luiz? Nos falamos algumas vezes, não posso dizer que sou amiga dele. E ele só me dedicou o gol porque... Porque...

Porque eu pedi. Não foi assim tão por livre e espontânea vontade. Talvez ele tenha sido apenas educado. É meu lado pessimista travestido de Mr. Bean dizendo que as coisas sempre dão errado, até quando dão certo. Respiro fundo e engulo seco demais. Minha garganta arde, mas eu não me importo. De qualquer forma, o primeiro gol dele na seleção, foi dedicado a mim. Minhas pernas tremem, e a possibilidade de ser mesmo verdade que ele fez isso por mim porque queria fazer me dá vontade de escalar o Cristo redentor e cantar uma música do Roupa Nova lá em cima.


Diário de uma Iniciante em Copa do MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora