Cap 1

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Eu aprendi muito com os jogos, a passar confiança, a não confiar no outro, apostar quando tinha a certeza da vitória e principalmente a não envolver meu coração na mesa onde um baralho pudesse ser exposto. Aprendi a olhar nos olhos do adversário e conhecer até o seu íntimo. O medo sempre se estampa antes do final da jogada.

"Nataly, cartas para Susan, Londres 1803

Nataly

A casa estava cheia. Era a última noite naquele salão. Depois ficaríamos fechamos por alguns meses e reabriríamos no novo local que já estava sendo preparo para receber a Spret House.
Eu terminava de escrever uma carta para minha mãe, mesmo sabendo que ela nunca as leria.
Dom Carlo também se aposentaria. Estava cansado de ficar por trás daquela vida agitada, das cobranças, de cuidas dos credores, das minhas meninas problemáticas, dos bebados, dos jogadores....e das minhas vinganças. Estava cansado de tudo e eu não o julgava. Desde que comecei aquele negócio, Dom Carlos começou como um comerciante que fornecia lenhas, depois me o velho senhor me protegeu de homens que queriam nos fazer mal e quando as coisas começaram a melhorar, sempre esteve ao meu lado, e se tinha uma coroa que eu sabia reconhecer, era lealdade.
Estava deixando ele partir, mas a casa de jogos precisava de alguém que ficasse a frente. Estávamos em 1803, e não se aceitavam mulheres a frente de nada. Quando o sol se punha, a Spret recebia duques, condes, marqueses, comerciantes, barões e tudos os homens ricos e importantes da cidade. Éramos o clube mais famosos de jogos e prostituição. Lá as deixavam suas fortunas e seus segredos e em troca eu lhes dava diversão. Mas precisava de um homem e meu segredo ficaria mantido até a minha morte. Aqueles homens não poderiam saber que tinha uma mulher que comandava aquele império ou então, tudo ruía.
Naquele mundo eu era Nataly, uma prostituta, uma lenda. Ninguém saberia dizer quantos homens já tinham passado na minha cama ou não. Muitos diziam que sim, contam histórias para os seus amigos, inventavam fantasias e aquilo fazia de Nataly a deusa do amor. O que era verdade ou mentira, ficaria comigo até a morte, assim como meus segredos da Spret House.
O maior dilema da minha vida eu enfrentava naquele momento: substituir Dom Carlos. Eu não confiaria em mais ninguém. É só tinha uma forma de garantir que não fosse traída. Eu precisava encontrar um marido. Um que tivesse cérebro suficiente para controlar meus negócios, dívidas exorbitantes para poder ser comprado, nenhum coração para se colocar na bandeja e escrúpulo algum para aceitar fazer parte deste contrato.
- tem certeza de que vai se expor está noite?- Dom Carlos perguntou preocupado.
Eu sempre ficava à espreita. Minhas aparições eram raras. Como toda lenda, eu pouco era vista.
- preciso estar atenta e só eu para identificá-lo. Conheço todas as fichas, sei de cada dívida que eles têm, as terras que tomei de cada um, seus segredos...mas os conheço por nome. Preciso vê-los jogando, ver suas habilidades. Preciso conhecê-los pessoalmente, se dão ardilosos, se em boa presença. Sabe que preciso de alguém que faça a diferença.
Ele sorriu em compreensão.
Eu tinha investido quase toda a minha fortuna no novo clube, porque queria fazer a maior fortuna já vista com ele. E não era por dinheiro. Era por vingança! E não era para uma pessoa. Eu odiava a sociedade como um todo e queria destruir um por um que pisasse dentro daquele lugar. Eu ia arrancar os seus segredos, seus dinheiros e deixar Os burgueses de Londres na ruínas, como tinham feito com a minha mãe pensei, sorrindo, enquanto meu coração sangrava.
- está noite deixe todas as mesas livres para as apostas. Quero quer todos se endividem. Não coloque limites. Preciso que todos os cavaleiros de Londres fiquem à beira da ruína. Vou estar de olho em cada mesa. Dobre, triplique as apostas! Coloque prostitutas servindo bebidas por conta da casa. Quando eu der a ordem para encerrar você é os credores farão as negociações com todos, menos com o que eu der sinal. A este, será o escolhido, aquele que será o meu marido. Está noite Dom Carlos, eu o escolherei. Não tenho outra opção.
Ele assentiu, me deixando sozinha no escritório.
Retoquei meu batom, coloquei uma mascara para disfarça e não chamar muito a atenção, respirei fundo e pensei nela mais uma vez. Ela nunca me disse o nome da sua família, daqueles que a deixaram em ruína e foram responsáveis por tudo que ela passou. Mas eu era Nataly e em breve seria dona de metade de Londres, pensei com um sorriso no rosto, não só só bens, mas os segredos seriam meus.
Com daqueles pensamentos, desci as escadas para o barulho infernal que estava lá em baixo e comecei a analizar, mesa por mesa.
Dava para ver os tolos que perdiam com facilidade, aqueles que ganhavam por sorte, aqueles que tinham habilidades mas eu sabia que eram casados, outros que não tinham aparência....até que um me chamou a atenção.
Primeiro por sua beleza. Eu sabia identificar um homem bonito de longe, afinal, esse era o meu mundo.
Jogado de forma despojada na cadeira, diferente de todos os outros cavalheiros do salão, ele não usava gravata por baixo do colete e do termo de corte impecável, o que demonstrava que tinha bom gosto, mas era um libertino nato. Sua camisa tinha dois botões abertos, o que era quase uma afronta para uma dama, não para mim obviamente. O cavalheiro olhava atentamente para as cartas dispostas na mesa e mantinha as sobrancelhas arqueadas, em atenção ao jogo. Notei quando ele disfarçadamente olhou rapidamente para todos os rostos dos seus adversários que estavam com os rostos cavados na mesa. Isso era um bom sinal; ele analisava seus concorrentes. Na sequência voltou a olhar suas cartas, sem demonstrar qualquer sinal em sua face do que tinha nas mãos.
Me afastei, quando percebi que ele me olhou, paralisando seu olhar por alguns instantes. Não queria chamar suas atenção. E não queria perder o foco é se tinha algo que faria uma mulher perder o foco era o olhar daquele homem. Era penetrante. Seus olhos eram verdes escuros, quase pretos, pude reparar.
De longe continuei o observando durante toda a noite. Pude ver quando blefou, ver como era mais esperto que os outros jogadores e quando no final lamentou todas as apostas na certeza de iria ganhar e nesta hora eu precisava que ele perdesse e foi assim que também pude perceber que acima de tudo, aquele homem era muito esperto, mas tudo se perdia quando ele via um par de peitos.
- ma cherrie- chamei Laura, uma das minhas meninas. Era assim que chamava todas as minhas protegidas, as cortesãs que ficavam sobre minha responsabilidade é que se tornaram minha família- está vendo aquele lond?- apontei- sirva bebidas e ele é o distraia do jogo. Preciso que ele perca a rodada de poker. Faça o que for necessário. Não se preocupe, eu pagarei sua noite, petite.
Fiquei olhando então ela cumpriu seu papel e pisquei para que dom Carlos que estava próximo se aproximasse.
- quem é o cavalheiro?- preguei fazendo sinal com o olhar.
Ele gargalhou como gostava de fazer sempre que eu estava me envolvendo em encrencas.
- Pietro Caster Fiester Goestela Vandick, sexto barao de Goestela. Perdeu os pais os dois irmão em um acidente suspeito e silencioso na infância, herdou uma fortuna que destruiu ao longo dos anos em sua vida boêmia e libertina. Hoje acumula dívidas e credores em sua sola do sapato que se somássemos chegaríamos até outros continentes. Se está vivo é por sua infirmara bondade a alteza o conde de misternham que vive lhe emprestando dinheiro e remendando suas machucados e por sua lábia que não tem fim. Coleciona amantes, disputa duelos como passatempo e neste momento- e apontou para mesa, onde Pietro colocava a mão na testa como eu previa- acabou de perder uma fortuna na mesa de jogos,acrescentando mais uma dívida as que já são imensas ao clube.
Sorri, imensamente. Ele era tudo que eu precisava.
Sem família, sem passado, sem dinheiro, ardiloso, sem coração, sem escrúpulos, de boa aparência e precisando ser comprado.
- mande o subir ao meu escritório. Está noite, vamos acertar suas dívidas.
Dom Carlos me olhou incrédulo, mas não ouviu discutir. Ninguém ousava!
Eu já tinha feito a minha escolha. Estava indo fechar meu contrato, fazer minha negociação. A minha vida era sempre um negócio, em busca de uma grande justiça. Não tinha especai para sentimentos no meu mundo.
Caminhei lentamente subindo as escadas, olhando para trás, aquele clube que me dava o poder de tudo, daqueles homens que achavam que tinham tanto que no final da noite deixavam tudo nas minhas mãos. Seus dinheiros, suas posses, terras, seus segredos e eu os guardava para o dia da minha vingança.
Faltava descobrir tudo sobre Susan, tudo sobre minha mãe e aí sim, eu começaria a detonar todas as bombas, como em uma guerra.
No momento, eu precisava me concentrar no meu futuro marido, pensei sorrindo. Pobre homem! Se ele não imaginava na guerra que estava entrando e também que não tinha escolha. Eu o tinha escolhido e quando Nataly escolhia, você estava marcado, com fogo!

O dia em que te toquei Onde histórias criam vida. Descubra agora