Capítulo III

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(...) Posso segurar meu fôlego. Posso morder minha língua. Posso ficar acordada por dias se isso é o que você quer. Posso fingir um sorriso. Posso forçar uma risada. Posso dançar e interpretar o papel se é isso que você me pede, dou-te tudo o que sou. Posso fazer isso, mas sou apenas humana e eu sangro quando caio. Sou apenas humana, arrebento-me e me desmonto. Suas palavras em minha cabeça são facas em meu coração. Você me bota lá em cima e depois eu caio aos pedaços, pois sou apenas humana (...).

— ¡Qué rico es esa canción, mi hija! Que belo cântico que estais a cantar? Parece tão triste e ao mesmo tempo tão...

— Apaixonado? – a princesa, pergunta a mãe, a rainha Maria Luísa de Parma.

Si, si... apaixonado e melancólico. Parece-me que você gosta das maneiras dos lusitanos, aprendendo sua língua, seus cânticos.

La música me atrae, mamá. A mademoiselle Brigitte, contou-me que esse tipo de música é um lamento dos corações apaixonados. Ouve-se menestréis entoa-las sob a luz da lua e as viúvas os fazem enquanto lavam as roupas nos rios. É conhecido como fado.

Por Dios, Carlota! Estais a ofender a sua família cantando esse... isso – a rainha começa a andar de um lado para outro, falando sem parar. Carlota sempre admirou sua progenitora pela sua elegância. Ela é a prova de que graciosidade não é algo ensinado. — Não pagamos uma fortuna a mademoiselle Brigitte para que a ensine coisas tão baixas assim. Terei uma conversa com a senhorita francesa.

Mamá, é importante que eu saiba me sobressair perante os lusitanos. Caso contrário eles me odiarão mais do que já fazem.

Maria Carlota Joaquina encara sua mãe com fingida docilidade. Todos conhecem a fama da primogênita da família real. Sua personalidade forte e tão sagaz que chega a ser impróprio para uma mulher. Com insistência, aprendeu não só o básico para herdar um trono, mas dedicou-se aos estudos sobre religião, geografia e literatura. Todos os dias saia para cavalgar, o que a tornou uma excelente amazona. Muitos criticavam a liberdade que o rei e a rainha permitiam a jovem. Carlota desfrutou dos estudos tanto quanto os seus irmãos, apesar do temperamento fechado e austero da monarquia espanhola que impunha à família e à toda corte, as rígidas normas de comportamento e etiqueta.

Ela era uma moça com traços comuns, mas de grande beleza. Puxou os cabelos castanhos avermelhados de sua mãe e exigia que sua criada o escovasse várias vezes para manter o brilho. Grandes olhos verdes, nariz delicado, davam a ela a docilidade que contrapunha com a sua boca. Com o lábio superior mais fino que o inferior, sempre pintados com carmesim para salientar a parte que demonstrava que Carlota já não era mais uma menina e sim uma forte mulher.

Sempre foi consciente de sua beleza. Seus vestidos eram feitos exclusivamente para acentuar as partes que denotam sua graciosidade feminina. Espartilhos bem apertados que faziam com que seus seios fartos se sobressaíssem no decote da moda. Cintura fina e ancas de uma cortesã fazem os mais puros dos homens pecar diante de tal beleza. Mas tudo caia por terra quando a jovem abria sua boca para opinar sobre assuntos que mulheres deveriam ser ignorantes. Nenhum homem em sã consciência casaria com uma mulher com tanta inteligência, pois isso só traria problemas. Homens gostam de mulheres submissas, até porque o lugar delas é em casa cuidando dos filhos e esquentando a cama. Não em debates ou se aparecendo entre os homens.

Quando o seu pai a chamou para falar que ela estava comprometida com o príncipe José, Carlota ficou muito feliz. Ela era nova demais para contrair matrimônio, mas conhecia José e as histórias que cercavam o futuro rei de Portugal. Então, ela começou a aprender tudo o que podia sobre os portugueses. Seu casamento era uma aliança após anos de guerras e traições, Carlota sabia que sua chegada ao reino lusitano seria hostil. Mas por José, ela faria isso.

O Príncipe Regente (Série O PRINCIPADO - Livro 01) Suspensa TemporariamenteOnde histórias criam vida. Descubra agora