Eu acordei assustada, ouvia barulhos vindo de baixo do meu quarto, infelizmente o chão de madeira deixava a voz ríspida do meu pai invadir o cômodo sempre que ele chegava bêbado. Puxei o celular e pude confirmar, eram 5 horas da manhã. Eu sabia que ia ser impossível voltar a dormir então simplesmente me rendi e pulei da cama, fui até o banheiro para a minha sessão de higiene matinal e assim que acabei desci até a cozinha.
Meu pai já estava mais calmo e comia alguma coisa feito um animal, mas o cheiro de álcool incendiava a pequena cozinha.
- Já acordou filha? - A voz dele estava embriagada. Eu apenas concordei com a cabeça. - Não sei o que acontece com as pessoas dessa casa. - Agora ele gritava e eu virei assustada. - Vocês não sabem o homem que têm, não dão valor por tudo que eu faço por vocês seu bando de m*rda. - Ele esguelava sem olhar pra mim.
Eu peguei um copo de leite enquanto o homem, que agora estava vermelho e com as veias do pescoço estufadas, ainda gritava e xingava todo universo pois na cabeça dele ele era injustiçado por uma família que na verdade ele mesmo fez questão de destruir. Subi até o meu quarto e ainda ouvia a voz do meu pai abafada pela porta fechada.
Não lembro ao certo quando foi que meu pai começou a beber, mas minha mãe morreu por causa de um câncer no útero três dias antes do meu aniversário de 15 anos, depois disso meu pai passou a beber todos os dias e pelo menos uma vez no mês ele chegava em casa fazendo um regaço como estava hoje. Meus irmãos pareciam não se importar muito, aliás a gente nunca conversava sobre isso, mas Eddie sempre que podia aparecia para me tirar de dentro de casa, ele dizia que eu devia procurar um lugar pra mim, onde eu me sentisse realmente em casa, e eu realmente queria isso mas era impossível naquele momento. Minha esperança era voltar a estudar e quem sabe conseguir uma bolsa numa faculdade longe daquela cidade e finalmente conseguir fazer meu lar.
Fiquei deitada na mesma posição durante algum tempo e quando olhei de novo no celular faltava pouco para as 7:00, levantei mais uma vez e me troquei, novamente a casa estava lotada por um silêncio ensurdecedor. Peguei as chaves da minha caminhonete vermelha e desci tentando ao máximo não fazer barulho. Assim que toquei a maçaneta da porta de entrada ouvi passos.
- Espero que eu não tenha que te lembrar dos compromisso que tem. - A voz do meu pai era firme agora, mas ainda dava pra sentir que ele não estava sóbrio.
- Nunca precisou me lembrar. - Falei ainda de costas para o homem alto antes de sair e fechar com força a porta.
Minha cabeça latejava no meu caminho até a escola, as aulas começavam às 8:00 mas o relógio marcava 7:30 e eu já estava devidamente estacionada. Eu tinha planejado passar num café pelo caminho pra comer alguma coisa, mas desisti para economizar o dinheiro do lanche. Deitei minha cabeça no volante por alguns instantes até começar a ouvir barulhos de carros, as pessoas estavam chegando devagar. A maioria chegava de bicicleta. Seria muito esquisito eu entrar na escola antes da aula começar, eu não tinha nenhum amigo que estudava ali mais, todos meus amigos da época do colégio tinham se mudado pra fazer faculdade ou estava num emprego ruim qualquer ali mesmo. Mas, Eddie prometeu que passaria ali no fim da aula pra gente ir comer alguma coisa na lanchonete onde Katy trabalhava como sempre fazíamos.
Ouvi o sinal ecoar de dentro do grande prédio e finalmente desci da minha caminhonete, joguei a mochila sobre meus ombros e andei com passos firmes até a sala que estava marcada num cronograma que me deram quando fiz minha matrícula. Quando entrei dei de cara com algumas garotas que sentavam nas duas primeiras fileiras, todas sorriram olhando pra minha cara, eu sorri de volta, definitivamente nunca tinha visto elas por aí. Continuei andando e me sentei na penúltima cadeira do lado da enorme janela. Aos poucos as pessoas iam chegando e ocupando as cadeiras azuis. Eu conhecia a maioria de vista, outros nunca tinha visto pela cidade, mas nunca tinha ao menos conversado com nenhum.
Um homem gordo e com a barba por fazer entrou na sala e colocou o computador na mesa grande que ficava na frente de todas aquelas carteiras, ele já tinha me dado aula mas eu não lembrava o nome dele, eu odiava aquela matéria, química não fazia o menor sentido pra mim. Ele começou a falar e toda a ansiedade que antes eu sentia agora se diluía em tédio. "Eu preciso sair dessa cidade" a frase voltou pra minha cabeça e eu puxei da mochila um caderno azul e comecei a anotar tudo que aquele homem dizia. Eu estava indo pra quarta linha de anotação quando o professor simplesmente parou, levantei a cabeça pra ver se algo tinha acontecido e dei de cara com a garota que empurrou o carro outro dia. Senti minha boca secar quando os olhos dela pararam nos meus. Ela realmente era muito bonita.
- Srta. Cabello? - O professor falou alto chamando a atenção dela de volta para ele. - Chegou cedo... Para a aula da semana que vem. - A sala soltou um riso controlado. Eu seguia tentando acalmar meu coração que batia mais rápido.
- Hum... - A menina torceu os lábios com uma expressão de piedade. - Posso me sentar?
- Não sei porque ainda está em pé. - O homem retrucou e logo voltou ao assunto que estava minutos atrás.
A garota vestia uma calça jeans com alguns rasgos pelo seu comprimento e uma camiseta vermelha sem nenhuma estampa, por alguns instantes a encarei andando e pensando em como era possível alguém ficar tão bonita numa roupa tão simples.
Ela sentou quase do outro lado da sala em que eu estava, mas depois que ela entrou naquele lugar por mais que eu me esforçasse ao máximo pra prestar atenção e anotar alguma coisa eu só conseguia olhar pra ela.
-
O dia passou mais rápido do que eu esperava, Camila seguiu sentada do outro lado da sala e eu a perdi de vista no intervalo. Eu consegui anotar algumas coisas na aula de literatura, aliás eu amava essa aula. E logo bateu o sinal anunciando o fim do dia letivo. As pessoas deixaram a sala muito mais rápido do que chegaram, eu fiquei algum tempo enfiando meus livros dentro da mochila e quando saí eu era a última dentro da sala vazia. A rapidez que eles saíam da sala era a lentidão que andavam até o estacionamento, os corredores ficavam lotados assim como a frente do colégio. Depois de muita paciência consegui chegar até minha caminhonete. Sentei no banco do motorista e fiquei ali algum tempo observando as pessoas. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa senti meu celular vibrar, era Eddie.
- E ai.
- Quanta animação meu bem! - A voz do garoto na linha era entusiasmada.
- Quantos dias faltam pra essa tortura acabar? - Ouvi ele rindo alto.
- Foi tão ruim assim?
- To brincando, podia ter sido pior. - Ri também. - Bom, fiz um total de 0 amigos, então podemos dizer que está tudo dentro dos conformes.
- Ai Lauren, você me decepciona. - Ele falava sério agora. - Estou te esperando aqui na lanchonete, não demora.
A ligação foi finalizada antes que eu pudesse ao menos responder. Guardei o celular de volta no bolso e coloquei a chave na ignição quando dei um pulo com batidas no vidro do meu lado.
- Por Deus, garota! - A repreendi enquanto abaixava o vidro. Era Camila.
- Desculpa... - Ela me olhava confusa. - Eu... Bem... Você estava ajudando aquela garota aquele outro dia e... - Eu só queria que ela falasse logo. - Eu... Estou com um problema ali no meu carro...
- Você quer o número do mecânico? - Falei séria.
- Hum... Sim... Pode ser. - Eu ri alto. - O que? - Ela sorria sem entender.
- É brincadeira, eu vou dar uma olhada.
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XXVII
Fanfiction"Eu ainda não sei bem qual é o nome disso, seja sorte ou destino, eu só sei que sou grata. Sempre fui, mesmo naquela época eu sabia que a gente era algo importante, eu sabia que não ia ser tão simples assim. As pessoas as vezes passam a vida toda pr...