Justiça

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O que seria a justiça? Qual é a melhor definição do certo e do errado? Algo tão simples, mas ao mesmo tempo tão complexo, tal como o sentido da vida, ou a existência de uma entidade superior. Vários podem tentar definir, mas nunca chegarão em um conceito, somente em uma opinião - muitas vezes uma opinião supérflua.

Me chamo Asteu, sou o que vos escreve. Deixo aqui minhas palavras nesta carta pois entendo que é necessário haver um registro do que aconteceu por aqui. Pois a justiça é difícil de se definir, mas não a injustiça.

Já é noite por aqui, a noite que encerra um dos piores dias da minha vida, graças a injustiça. Vou contar o que ocorreu. Acordei cedo como sempre, era o primeiro dia do solstício de inverno. Abro os olhos e vejo um dos mais belos sorrisos que os meus olhos tiveram a chance de apreciar. Era a minha esposa, com seus cabelos cacheados e vermelhos da cor da mais poderosa brasa. Tinha os olhos verdes tal como duas pedras de esmeralda. Algumas sardas em seu nariz dava um toque a mais em sua beleza. As vezes eu me perguntava como aquela bela mulher amava um ogro como eu. Um cara grande, bruto e que carregava pecados inimagináveis nas costas. Eu amava aquela mulher.

Troquei algumas palavras de carinho com ela e me vesti. Enquanto o fazia, pude ao longe escutar a voz de um anjo. Mas não era um anjo qualquer, eu o conhecia. Na verdade, eu a conhecia. Era minha filha. Minha menininha. Tinha apenas 8 anos, e graças a todos os deuses – se eles existirem – puxou a mãe. Ela era uma criaturinha pequena, com cabelos e olhos que faziam dela a imagem de minha amada. Porém, ela tinha a minha personalidade. Não sei se isso é algo bom, mas sei que eu amava demais aquela garota.

Eu era – sou – um homem feliz. Poderia ser mais, mas meus pecados sussurram nos meus ouvidos, todos os dias, o que eu fiz. Sou um monstro. Na verdade, eu era. Isso acaba hoje. Hoje foi a gota d’água. Estou fugindo com minha família para bem longe em busca de paz e justiça ou pelo menos um pouco menos de injustiça.

Após eu brincar com minha filha, me preparei para ir trabalhar. Teria que estar na praça pública às 12h em ponto, ali haveria um serviço para eu fazer. Me despedi dela e de minha esposa e fui para o estábulo, que ficava a alguns metros ao fundo de nossa casa. Lá eu guardava meu machado.

Peguei-o e amolei mais uma vez. Era uma bela arma. Tinha 2 metros de cabo, e 45 quilos de metal, feito por encomenda pelo melhor ferreiro da região. A arma perfeita para se decepar cabeças. Peguei meu capuz preto e o vesti. Um detalhe que deixei passar: eu sou carrasco.

Caminhei pelas ruas com o machado nas costas, pronto para ser utilizado. Finalmente cheguei na praça, onde o povo estava reunido. Ao perceberem minha chegada gritavam de alegria e felicidade. Para eles era um evento, o entretenimento deles. Para mim um trabalho que covardes me ordenavam fazer. Odiava aquele trabalho, mas aquelas cabeças cortadas é que garantiam casa e comida para a minha família. Era um trabalho sujo, mas alguém tinha que fazer. E esse alguém era eu. Sim, era.

Subi no “palco” e lá estavam eles. O Juiz, o tal covarde que me ordenava as mortes, e o pobre homem que iria morrer em instantes. Sim, pobre homem. Não era assassino, não era violador, não era ladrão... Era um pobre homem que foi contra a injustiça daquele governo corrupto, e pela sua coragem, iria perder a vida pelas minhas mãos. Mãos de uma pessoa que era tão contra a injustiça quanto ele.

O Juiz, por coincidência, também era o Imperador daquela cidade. Este me olhou e apenas disse com uma voz fria e cortante:

-Faça!

Relutei. Longos três segundos se passaram sem que eu movesse ao menos um músculo. O povo bradava e gritava sedentos por sangue derramado. Estes eram a favor do atual governo, pois os outros estavam em suas casas se negando a ver mais uma alma partindo em vão.

Acordei dos meus pensamentos com o Juiz dizendo em voz baixa, baixa o suficiente para somente eu ouvir:

-Faça, ou sua família irá pagar pelos seus pecados.

Então o respondi:

-Eu mesmo pagarei pelos meus pecados!

Dito isso, tirei meu machado das costas, o réu fechou os olhos esperando o golpe fatal. Em um só movimento separei a cabeça do corpo. Sangue jorrou daquele pescoço nojento.

Seus olhos estavam vidrados, abertos em expressão de pura agonia e dor. Seu sangue rubro banhava o chão envelhecido de madeira, enquanto respingava em direção ao povo aturdido. Suas narinas infladas pareciam sentir a aproximação do Anjo da Morte. Seus lábios, entreabertos, seguravam um grito que sua garganta já não era mais capaz de produzir.

Uma degola com machado sempre será mais fácil se feito de cima para baixo, mas, movido pela adrenalina, um golpe lateral era relativamente fácil para realizar naquele instante. O Juiz não teve a mínima chance contra a minha lâmina.

O que aconteceu a seguir foi somente a morte de alguns soldados e a minha fuga para casa. Estou partindo agora com a minha família para bem longe desses ratos imundos. Algumas pessoas irão me ajudar a sair da cidade, mas o mais importante é eu saber que finalmente nunca mais vou cometer atos de injustiça por meio da ordem de corruptos. Além do que, minha família estará segura.

Termino essa carta deixando ciente a todos que a lerem o seguinte: a injustiça é imortal, perdurará por anos e mais anos, porém para o azar dela, a justiça, esperança e coragem são igualmente eternas. Sempre existirão pessoas que a combaterão, assim como eu o fiz.

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