O conto se passa num futuro remoto, a cerca de vinte e cinco milhões de anos, num outro período da era cenozóica. A paisagem do planeta está bem diferente do tempo do Homo sapiens, habitado por novas espécies de animais e vegetais. Montanhas estão despontando, e as que existiam, ou estão um pouco mais altas ou bem menores, devido à erosão. Eras glaciais esculpiram novos vales. Os continentes estão em posições diferentes – a América do Sul está mais para o sul; a Austrália, um pouco mais para o norte; a Califórnia e o nordeste da África viraram ilhas; a América Central se despedaçara, e se tornou um arquipélago e etc.
Novas civilizações também fazem parte da paisagem; civilizações estas formadas por dois gêneros de hominídeos que de tão diferentes não seriam classificados no gênero Homo, caso o latim ainda existisse.
Dois hominídeos pálidos, com o uso de suas mentes, levitavam sobre o que outrora fora a costa brasileira. Como esse gênero possui escrita diferente e comunica-se por sinais telepáticos, não há como traduzir os nomes dos personagens, que serão denominados de X e Z, para que os leitores possam melhor identificá-los. Avistaram um morro e foram pousar para descansarem as mentes, pois estão levitando desde a África, com paragens em algumas ilhas oceânicas. Pousaram no Corcovado já com a metade da altitude que tinha, no tempo do Homo sapiens. No pouso, ocasionaram uma revoada de pássaros descendentes do urubu, cujas asas tinham, em média, três metros de envergadura. X e Z permaneceram estáticos – as pernas semi-atrofiadas servem apenas para que os hominídeos do gênero se apóiem no chão.
Como eles, milhares de peregrinos de todas as partes do planeta estão indo a uma cidade, para virem um grande líder espiritual. De onde estavam, dava para ver a parte de cima da estrutura que cobre a cidade; não se via a parte inferior, por estar além da linha do horizonte. Após descansarem, resolveram, antes de irem à cidade, dar uma volta por uma mata próxima, com o intuito de virem como é a fauna e a flora local. Logo estavam levitando num bosque de bananeiras gigantes, com árvores de quinze metros, em média. Pelo chão, havia dezenas de bananas amassadas; umas maduras, ainda vermelhas e outras já enegrecidas pela podridão.
Pararam de repente – um bando de símios estava devorando algumas bananas. Apesar de evoluírem do sagüi, assemelhavam-se mais com os extintos chimpanzés. Foram exibindo carrancas e fazendo gestos como que dizendo: “Caiam fora ou se arrependerão”. Os hominídeos se retiraram. Divisaram uma mata colorida – um mosaico nas cores branco, rosa e amarelo, formado basicamente por novas espécies de ipês e imbiúbas. Por precaução, os hominídeos levitavam um pouco acima das copas. Logo se assomou, entre os troncos, um animal semelhante ao urso, mas é um felídeo convergentemente evoluído. Funfucou o ar, sentindo o cheiro de um animal ou dos hominídeos. Visou um grupo que, apesar de evoluírem da ratazana, assemelhavam-se com os didelfídeos (família do gambá). X e Z aproximaram-se para vi-los mais de perto. Os animais, ao avistarem os hominídeos, emitiram sons estridentes; X e Z puseram as mãos nas orelhas e se afastaram céleres. X comunicou-se com Z, sugerindo que fossem logo à cidade. Não demorou e já estavam a quilômetros de altura. Não muito longe deles, havia centenas de quirópteros de hábitos diurnos que costumam voar a grandes altitudes. À medida que iam à cidade, a parte inferior da construção despontava da linha do horizonte, e logo os viajantes estavam diante de uma grande construção, já vendo milhares de hominídeos entrando nela ou saindo.
Os hominídeos do gênero a que pertencem X e Z não possuem países, mas sim cidades-estado espalhadas por todos os continentes.
A construção em que irão ingressar possui três pavimentos: no primeiro pavimento, fica o centro da cidade e alguns bairros; no segundo, fica um outro bairro e no último, alguns templos, incluindo residências de hominídeos mais espiritualizados.
Assim que os viajantes entraram, tiveram a visão de que se tem de todas as cidades: milhares de hominídeos levitando em meio às construções. O hominídeo Z enviou uma mensagem, em código universal, solicitando um guia. Um grupo foi atendê-los, e Z enviou uma mensagem em seu dialeto. Alguém do grupo foi em direção a X e Z, e os demais se retiraram. O anfitrião enviou uma mensagem pedindo que os visitantes o seguissem. Logo os três estavam levitando entre as construções, a centenas de metros do primeiro piso. Abaixo estavam algumas praças arborizadas. Não se via ruas, mas havia alguns largos para quem quisesse pousar. Logo, o anfitrião foi descendo indo a um terraço repleto de hominídeos em pé ou sentados ou vagando a alguns centímetros do chão. Os três chegaram ao chão, e o anfitrião logo enviou uma mensagem de que o local é para os peregrinos, onde eles podiam escolher um chalé, para ficarem durante a estadia na cidade. Após quinze minutos, X abria a porta de um chalé, com uma chave. Entraram, levitando a poucos centímetros do chão. No pequeno imóvel, havia duas camas, um armário, uma pequena geladeira e um sanitário. Os hominídeos tiraram suas mochilas e as colocaram no chão. Deitaram nas camas, com as mesmas roupas da viagem e adormeceram.
No dia seguinte, a grande praça da cidade estava repleta de peregrinos. Se um Homo sapiens estivesse presente, ouviria até zunidos, devido ao grande silêncio, mas os milhares de presentes se comunicavam. Os que participavam de uma mesma conversa ficavam a menos de um metro um do outro, para que as mensagens chegassem mais fortes aos respectivos cérebros. As mensagens oriundas de conversas de grupos que estavam um pouco afastados chegavam tênues.
Após três horas, X e Z chegaram a uma área com dezenas de aparelhos em forma de barras repletos de botões e sinais. Os dois peregrinos foram à frente do único aparelho não ocupado. X digitou algumas teclas, e surgiram alguns sinais no visor. No continente africano, uma família estava sentada a uma mesa, almoçando. Um aparelho emitiu sons, e uma fêmea foi a ele. Esta teclou em algumas teclas, e apareceram no visor sinais que traduzindo diziam: “Querida, como estão as coisas aí? A cidade em que estamos é linda e tem arquitetura diferente da nossa. Antes de chegarmos à cidade, resolvemos fazer uma excursão por uma mata. Nós vimos animais e vegetais bem diferentes dos que existem em nosso continente. Acabamos de ver o líder espiritual; após duas horas de mensagens, ele emitiu uma aura, que fluiu para todos, ocasionando uma imensa sensação de paz e prazer”.
Após a mensagem, a fêmea digitou alguns códigos, e, no aparelho da antiga América do Sul, apareceram códigos que traduzindo fica: “Querido, ontem o nosso filho deu suas primeiras levitações. Não sei se foi impressão minha, mas o meu cérebro captou sinais que pareciam como “mãe”. Será que ele está já começando a emitir mensagens? Minha irmã veio me visitar, e emanou de suas entranhas uma aura que não foi ela que emitiu. Ela está grávida”.
Logo depois, Z estava enviando mensagem para o seu lar.
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Hominídeos do Amanhã
Short StoryConto cujos personagens são descendentes do Homo sapiens num futuro bem remoto.