Prólogo

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Caminhando por quase quinze minutos com o olhar fixo ao chão, as mãos dentro do casaco que usava e em passos vagarosos, Harry fazia o mesmo caminho de sempre para retornar do trabalho e chegar em casa. Apesar de o cansaço estar o abatendo esse não era o principal motivo de sua melancolia. Se havia uma coisa que ele não gostava, era de ficar sozinho com seus pensamentos. Por que geralmente eles acabavam o levando a uma serie de questionamentos sobre sua vida e seu futuro, nada que ele pudesse responder bem ou tivesse uma resposta satisfatória.

Pensar em sua atual condição o deixava assim, à beira de um precipício. Trabalhando de segunda a sábado em um restaurante para a classe média com uma carga horária de dez horas diárias e não ganhando mais que um salário mínimo para se sustentar e mandar uma boa quantia ao fim do mês para ajudar sua família, Harry não gostava realmente de pensar em todo o esforço que teria até alcançar o ápice de sua vida. Se é que um dia  ele alcançaria esse ponto extremo de felicidade... Não é nada garantido. Nem viver em Londres com um salário mínimo é uma garantia.

Não á quase ninguém na rua, era uma noite longa e apenas alguns homens estranhos vagavam nas esquinas

As pessoas estão provavelmente com seus híbridos. Eles não saem de seu mundo colorido onde vivem trancafiados com seus humanos geneticamente modificados. Gastam um tempo absurdo com eles, gastar muito com híbridos é bom pra eles. Eles fazem qualquer coisa pra tê-los. Afinal, por híbridos não serem totalmente humanos, se tornaram o sonho de consumo de qualquer um que tenha uma boa condição financeira. Isso é algo que Harry sabe muito bem.

Harry foi retirado à força de seus pensamentos em um leve susto ao perceber um peso extra fazendo contato com o tecido de sua camisa branca de manga longa. Em seu ombro, ele sentiu dedos leves se contraírem ao tocar sua camisa, lhe causando arrepios. Em um reflexo lógico, Harry imaginou que alguém não muito certo estaria lhe chamando para "Brincar" áquela hora da noite. Alguém que certamente não o deixaria reagir á abordagem se tivesse chance.

Se guiando em seu reflexo, Harry virou-se na direção da pessoa em seu abrupto, sentindo seus olhos se espremerem ao máximo para enxergar algo naquela escuridão. Ele só viu um vulto bem atrás de si, uma silhueta de alguém. E certamente era um homem que não teria boas intenções.

Cego pela adrenalina e instinto de sobrevivência, Harry lançou seu corpo para frente, deixando seu peso cair sobre o corpo do outro rapaz.

Soltou um murmúrio baixo de dor ao sentir seu ombro se chocando com o ombro do rapaz a frente, fazendo com que ele o empurrasse para trás, tomando o equilíbrio de seu corpo novamente e fazendo, consequentemente, com o que o rapaz suspeito caísse sentado desajeitado no asfalto riscador de giz.

Com uma expressão intimidadora no rosto, os lábios contraídos e em posição de defesa, Harry poderia até imaginar que o próximo barulho que ouviria seria de uma arma sendo disparada. Era só o que rondava sua cabeça. Apesar de querer pensar o melhor da situação e que aquilo tudo fosse um terrível engano, sua mente o obrigava a pensar somente o pior.

Ele se assustou ainda mais com o que realmente veio a seguir.

Não houve arma sendo disparada, não houve um barulho estridente, não houve dor insuportável no peito e a mão suja de sangue.

Apenas um rapaz maltrapilho sentado ao asfalto gélido sendo iluminado pela luz alaranjada de um poste próximo ao local onde se encontrava. Vestido apenas um short branco tecido poliéster que parecia menor do que deveria ser, já que o rapaz tinha suas pernas contraídas de certa forma que mostrava como estava desconfortável o tecido e o frio da noite, além de estar sujo de resquício de terra e alguns rasgos eram visíveis. Sem poder deixar de perceber, Harry encarou o corpo magro, porém firme. O rosto contraído em dor, medo e angústia. As maças do seu rosto fizeram Harry lembrar com o de uma menina. Com o cabelo castanho e molhado de suor e grudado á testa, Harry só pode dar uma olhada melhor no rosto quando o moreno levantou o olhar para ele, abaixando segundos depois, tempo suficiente para Harry perceber que seus olhos eram um misto de verde e azul que dependiam da forma com que a luz lhes iluminava.

- O que você é ? – Harry questionou em curiosidade, apesar de saber que talvez não gostasse da possível resposta. Temendo algo, o rapaz até antes suspeito encolheu-se ainda mais no chão frio ao perceber o porte físico do moreno. Estava assustado, óbvio.

Mas talvez a expressão estática de Harry fosse mais assustadora. Principalmente depois que ouviu uma voz angelical, em sofrimento quase lírico, miar em resposta como "miaow" Aquilo respondia sua pergunta?

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