Prólogo

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O som de gotas pesadas se chocando contra o chão, antes singelo e abafado, tornou-se mais frequente com o passar de segundos. Nesse mesmo momento, quando um raio tocou o chão a alguns quilômetros dali, um estrondo pôde ser ouvido, e não era o de um trovão. Junto a toda essa sinfonia desajeitada e emaranhada, vinham passos apressados e ansiosos, uma corrida ligeira que foi cortada por uma fala rouca e baixa por baixo da máscara esverdeada.

- Full cowl: cem por cento! - a voz de Deku, o herói que há pouco atingira o marco no ranking como número um e então novo Símbolo da Paz, ecoava pelas estruturas daquele beco. Uma centelha esmeralda percorreu todo o corpo do rapaz, disparando a luz por todo o local estreito. Izuku Midoriya não hesitou em dobrar os joelhos por fim, lançando-se contra as paredes que o cercavam, tomando impulso para então começar a esgueirar-se discretamente pela cidade de Musutafu, no Japão.

Não muito longe dali, uma figura lupina, de garras tão compridas e afiadas quanto as do Wolverine, parecia dilacerar até mesmo carros, lançando os detritos contra os civis, repórteres e heróis que ousavam se aproximar. Sem dúvidas uma força sobre-humana instalava-se no gene de sua individualidade. Ou seriam duas distintas, como Todoroki-kun?

Mas por que tanta relutância? Todos os profissionais tinham treinado arduamente, isso era fato, mas como não derrotavam um mero vilão?, Deku pensou. Porém, ao equilibrar-se no capô de um carro destruído, as íris verdes tomaram um brilho irado. Havia reféns ali, e o sucessor de All Might, o qual salvava as pessoas com um sorriso e sempre vencia no final, não queria nem imaginar o que viria a seguir, quando uma daquelas lâminas poderosas fosse ao encontro de um inocente.

- Deku... - o nariz enegrecido da criatura vilanesca antropomorfa balançou devagar, como se captasse o cheiro de uma presa. Até então adotava uma postura quadrúpede, mas quando quem mais ele esperava chegou... pôs-se de pé a fim de aplaudir a estrela do show. - DEKU!! - um rosnado seco e rouco foi lançado ao ar, vindo de um focinho completamente ofegante e que salivava feito uma besta. Izuku descreveria isso como um dos famosos lobisomens. - Eu estava te esperando, Deku!~

Nesse momento, todas as pessoas ali perto olharam ao redor. Umas maravilhadas, outras determinadas e agora esperançosas. Assim como o vilão Le Loup, ansiavam pela chegada do tão renomado herói número um. O público sem demora o aplaudiu, sem nem mesmo vê-lo. Urros e gritos se dirigiam ao esverdeado, coberto pela glória. O lobo, por sua vez, chiou para o barulho e gritou por seu fim, colocando as patas nos ouvidos.

Foi aí que as solas de ferro fizeram-se presentes. O portador do One for All, com o semblante impassível, ficou cara a cara com seu inimigo. A "plateia" foi à loucura, flashes de câmeras e fangirls desesperadas eram inevitáveis. A cabeça antes baixa, com as "orelhas" de seu uniforme balançando-se a favor da brisa gélida e noturna que passara a formar-se desde então, se levantou num solavanco. Na face do protetor dos cidadãos abria-se um enorme sorriso, que só não era tão visível por conta da máscara. E ele riu com vontade.

- Está tudo bem agora, porque eu cheguei! - o guerreiro brada, como se provocasse aos telespectadores que, como previsto, reagiram positivamente. Era de todo esse encorajamento que Deku precisava. Naquele momento os corações de todos batiam como um, e isso foi necessário para levá-lo ao primeiro ataque e roubar completamente a cena, se é que não já havia roubado. Impulsionando-se contra o chão e rachando o asfalto, foi sem demora a encontro do lobo vilanesco, deixando-se tomar conta de todo o campo de visão + uma ameaça eminente. As vítimas e os reféns, devia encontrá-los durante a luta, era essencial e não queria perder tempo procurando depois, afinal, o tempo era precioso e poderia haver algum ferido por ali. De todo modo, não precisava fazer tudo aquilo sozinho, haviam outros profissionais aqui que poderiam ajudá-lo enquanto distraía a fera.

Le Loup estava preparado para aquele ataque óbvio, e sem demora cruzou as garras na frente de seu torso para formar um escudo e se defender de Deku, que instantaneamente mudou sua rota, sentindo o corpo piscar em adrenalina. "Justamente como previ...", o de cabelos ondulados pensou, tentando captar uma fraqueza no lupino. Se expor daquela maneira e só proteger a frente de seu corpo parecia burrice, mas talvez logicamente fosse aquela a parte mais sensível do vilão. Izuku podia não ter sido o melhor aluno da U.A. no começo, mas agora como herói número um não deixava de gabar-se por sua excelente capacidade estrategista e seu pensamento rápido.

Mas mesmo que focasse naquela área frágil, ambos sabiam que um ataque direto de nada adiantaria enquanto o lupino se protegesse. Podia não parecer, mas nem todos os vilões eram tão burros assim... Midoriya conhecia muito bem esse fato por pura experiência própria em sua adolescência como herói. Porém... naquele momento não conseguiu pensar numa solução com precisão. De fato, desde que notara a estranha sensação de estar sendo observado - não pelo vilão ou o público - passou a sentir um incômodo no estômago, que o desconcentrava.

Era algo extremamente familiar, o deixava literalmente em pânico, como se a ansiedade de quando tinha quinze anos de idade tivesse voltado. Toda essa confusão mental pareceu apagar o herói por alguns segundos. Nesse meio-tempo, tudo ficou em câmera lenta e só voltou ao normal quando algo grande e pesado veio na direção do esverdeado: um carro. Sentiu o metal acertar-lhe de raspão quando uma explosão poderosa o tirou dali. Quando voltou em si, sentiu uma mão robusta segurar-lhe pelo ombro e arrastá-lo; os reforços haviam chegado.

- Kacch-... - se conteve em chamar o amigo de infância e até então herói número dois pelo apelido, afinal, todos prezavam por suas identidades naquele momento por mais que alguns se lembrassem delas de acordo com os torneios e enrascadas onde se metiam quando alunos na U.A. - Ground Zero!* - Deku fez então uma rápida correção, sorrindo para o outro.

- Deku... deveria prestar mais atenção ao seu inimigo, idiota. - o loiro trincou os dentes num sorriso presunçoso, continuava com a mesma alma selvagem e determinada, conduzido pela vitória, por mais que agora fosse mais maduro e as ofensas não passassem de apenas brincadeiras bobas. - Você vai ficar aí parado esperando eu fazer todo o trabalho sozinho...? - as pupilas negras e penetrantes se estreitaram contra o par de olhos carmesim.

A única coisa que Izuku pôde fazer naquele momento foi assentir rapidamente, pois o vilão não esperaria os dois terminarem o papo. Firmando o pé no chão, o garoto de cabelos enrolados apenas ergueu os punhos na altura do peito. De soslaio, fitou o parceiro e deu o sinal; Katsuki Bakugou era suficientemente inteligente, e o número um sabia que não precisaria dizer o plano porque o amigo de infância com certeza já tinha lido seus pensamentos. Para o garoto explosivo, Midoriya sempre foi e sempre seria muito lerdo e com movimentos óbvios. Felizmente, só ele conseguia lê-los. Pobre Deku... o que seria desse nerd maldito se os vilões fossem igualmente espertos...?

Como se cada movimento tivesse sido combinado e, agora, fosse realizado com perfeição, os dois seguiram em direções opostas. Kacchan foi por trás, gritando e provocando o lobo como plena distração, e assim que a atenção deste se fora para o explosivo, Izuku sentiu que era a hora de brilhar.

- Shoot Style! - erguendo a perna esquerda enquanto mantinha a direita apoiada ao chão, inclinou e girou o tronco na direção do rosto do lobo. Um chute certeiro atingiu-lhe a cabeça, fazendo com que este, com a guarda baixa, fosse impulsionado a longos metros de distância, imobilizado pelo ataque repentino. Suas costas se chocaram contra um muro, e só isso o fez parar. Katsuki não ficou atrás, pois logo que viu o vilão ser arremessado, usou suas mãos para explodir uma trilha até o inimigo. Àquele ponto, outros profissionais já emergiam dos escombros com dezenas de civis e reféns sendo carregados, estes não estando feridos em sua maioria. Midoriya foi logo atrás do amigo de infância a fim de certificar o estado de Le Loup.

- Hum? Tão fácil assim? - erguendo a sobrancelha, Ground Zero pensou alto, suspirando enquanto se agachava a fim de imobilizar o inimigo. As sirenes da polícia já podiam ser ouvidas assim que o público deu a luta como encerrada e convocou os agentes para deterem o vilão.

- Sinto que tem alguma coisa errada acontecendo. - Deku murmurou enquanto os olhos verdes iam de encontro com as íris carmesim do amigo enquanto posicionava as mãos na cintura. - Meu sexto sentido me diz sobre um mau pressentimento...

- Fique atento, então. - aconselhou, desviando o olhar para o vilão desacordado.

Tainted LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora