Eu havia perdido meu filho há cerca de dois meses e nesse tempo minha esposa havia me deixado, me culpando pela morte de nosso filho. Acabei me entregando ao álcool e isso resultou no meu desemprego, uma vez que eu nunca estava sóbrio o suficiente para ser capaz de ir trabalhar. Bem, já conseguiu ver o quão minha vida desandou e consequentemente desabou.
Agora mesmo estou admirando o vazio e o fracasso no qual minha vida se tornou em meu pequeno apartamento, que em breve não seria mais meu, uma vez que as contas básicas e aluguel não foram pagos. O ambiente bagunçado e sujo entregava a quantidade de tempo no qual aquela residência não era limpa. Tomei a garrafa de whisky já na metade e decidi olhar uma última vez o lugar no qual um dia chamei de lar, cambaleando para fora do quarto. No corredor, a bagunça se mostrava ainda mais presente e uma vez que eu não havia pagado a conta de luz dificultava minha caminhada, mas entre tropeços e goladas percorri o corredor até parar na porta do único quarto além do meu. Senti a garganta arder, não só pela bebida, mas pela forte onda de choro que me tomava. Hesitante, girei a maçaneta e abri a porta avançando um passo para dentro. Diferente de toda a casa o quarto estava impecavelmente limpo e arrumado, com exceção de alguns brinquedos no chão e cama. Meus olhos se transbordavam em lágrimas. Nada havia sido mexido desde a última vez que meu garotinho estivera ali. Olhei em volta em meio da escuridão como se tentasse memorizar cada pequeno detalhe daquele quarto até que meus olhos caíram sobre a cama... Ela estava levemente desarrumada, preparada para dormir e com ela o pijama preferido de meu filho.
Meus joelhos fraquejaram e então caí no chão à beira de cama, largando a garrafa de bebida no processo, que por sorte estava vazia. O único som presente em todo aquele apartamento era de meus soluços desesperados e choro amargo. Eu desmoronava abraçado à peça de roupa do meu menininho. Eu ainda sentir seu cheiro naquele tecido apesar da quantidade de tempo sem uso. Eu só conseguia sentir o gosto amargo da culpa se alastrar pela minha boca e meus dedos agarrarem aquele pijama com todas as forças. Eu havia perdido tudo... Eu havia perdido absolutamente tudo em minha vida e não sabia mais o que fazer além de me desesperar. Em um choro silencioso ouvi algo no canto do quarto e automaticamente ergui a cabeça, forçando a vista para conseguir ver alguma coisa em meio daquela escuridão. Foi quando percebi a criatura mascarada parada contemplando em silêncio o meu sofrimento. Eu tentei me erguer, mas isso só fez com que a criatura desse um passo à frente permitindo que a luz da janela revelasse parcialmente seu corpo. Não havia abertura de olhos em sua máscara como não havia nenhuma arma em suas mãos... Mas que tipo de invasor seria aquele? Reuni o que me restava de coragem e o alertei, mas não soou mais que um lamento.
" Leve o que quiser desta casa, eu não tenho dinheiro, eu não tenho mais nada. É um favor que você me faz."
Ri por fim, eu não estava mentindo de toda forma. Meu último dinheiro gastei naquela miserável garrafa e agora nada me sobrara. Esperei uma resposta de meu invasor, mas ele nada dissera e para meu desespero ele começou a andar lentamente em minha direção. Apesar do pânico não consegui me mover, o efeito da bebida ainda era presente em meu organismo o que deixava minhas pernas ainda mais dormentes. "Ótimo, eu não poderia ter um final melhor" Pensei em um misto de deboche em meio da terrível onda de tristeza que me envenenava o peito. A criatura por fim parou à minha frente e quando ousei erguer o olhar notei uma de suas mãos enluvadas estendida para mim. Por alguma razão eu aceitei a ajuda, meu bom senso já estava longe há muito tempo, então não me importei com o que poderia acontecer comigo dali em diante.
Depois daquele momento me encontro sentado na cama de meu filho com a criatura mascarada de pé ouvindo toda a minha vida, desde os tempos da faculdade, casamento e o mais importante, o nascimento de meu pequeno Lucas e o momento que eu o perdi para sempre. Eu podia me recordar de cada detalhe, de cada momento, cada minuto e segundo de quando minha felicidade se transformou em uma tristeza e angústia sem fim. Naquele instante deixei meu olhar cair para o pijama em minhas mãos, vendo que pouco a pouco este era manchado pelas pequenas gotas de lágrimas.
" Nada mais faz sentido, nada mais vale a pena. Eu não tenho mais nada além de lembranças... Eu não tenho amigos, eu não tenho esposa, não tenho mais o meu filho. Eu acabei com o meu emprego, me joguei às traças... Eu não sinto mais a vida, eu não sinto mais nada além de dor, nada além de culpa. Eu só queria que fosse eu a morrer naquele acidente, mesmo que meu garotinho sofresse de início ele ainda viveria e seria feliz num futuro, sabe? Eu poderia ter morrido em paz sabendo que meu pequeno estaria são e salvo..."
Solucei em uma nova onda de choro, me encolhendo. Eu não podia controlar meus soluços, eu nem mesmo pude parar pra pensar no motivo de me ter deixado dizer aquilo tudo para meu invasor. Não sei nem mesmo o motivo dele ter me pedido para contar, mas... De alguma forma aquilo me fez pensar, me fez refletir... Fez-me desistir. Eu voltei a erguer o olhar e como de se esperar ele estava olhando fixamente para mim, bom, não é como se eu conseguisse ver sua face realmente... Em uma ponta de coragem, ou talvez covardia, me ergui para fita-lo diretamente. A criatura era pouco mais alta que eu, mas nada realmente relevante. Reuni forças para juntar as palavras certas e por fim pedir...
" Eu não sei que tipo de ladrão é você para me pedir um histórico da minha vida, mas se for levar algo desta casa eu peço para que me leve também. Eu não irei fazer falta para ninguém, eu não irei mais sentir essa dor amarga em meu peito, eu não irei sentir mais nada. Por favor, eu sei que pra sua, sei lá... Facção é um mérito maior quando matam alguém, então eu te peço apenas isso. É o mínimo que pode fazer por mim."
Tentei dizer o mais coerente e determinado possível, apesar de suar frio em um misto de medo ou talvez ansiedade. Pude ver o meu invasor surpreendentemente acenar positivamente com a cabeça, estendendo-me a mão mais uma vez e outra vez eu aceitei. Ele me guiou outra vez até a cama, porém agora me deitei de costas para baixo. Eu sentia meu corpo tremer da cabeça aos pés e com todas as minhas forças abracei a peça de dormir de minha criança. Eu já não me importava com as lágrimas, apenas focava meu olhar no teto do cômodo quando senti algo novamente me tocar, porém em meu peito. Eu apenas senti algo se aproximar do meu rosto e uma voz abafada e mansa cortar o silêncio.
"Deixe-me por um pouco de amor em sua alma solitária."
Eu não tive tempo de digerir aquelas palavras, pois uma dor insuportável me fez arregalar os olhos antes de me engasgar violentamente com um líquido ferroso, mas não pude buscar ar já que a mão de meu invasor me tampava a boca. Debati-me em desespero levando as mãos à garganta, ao corte que jorrava meu sangue. Eu sufocava em meu próprio sangue e gradativamente minha luta por vida perdia forças. Eu podia sentir um frio reconfortante acalmar os meus músculos, eu parei de me mexer. Eu já não sentia mais dor, eu finalmente não sentia mais dor. O frio dormente pareceu ser algo maravilhoso, me dava sono, mas um sono estranhamente agradável. Senti meus olhos pesarem, mas antes de fechá-los pude ver a face rechonchuda e rosada de meu garotinho sorrindo para mim uma última vez.
Obrigado.
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Um alívio para os desesperados - Ataque 01
Mystery / Thriller"Senti meus olhos pesarem, mas antes de fechá-los pude ver a face rechonchuda e rosada de meu garotinho sorrindo para mim uma última vez..."