O autodiálogo: ferramenta para abrir a mente

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Sem o autodiálogo, nosso Eu não tem instrumento para penetrar na própria casa, nas camadas mais profundas da mente. Nesse caso, o Eu se torna um forasteiro dentro de si, vive a amarga e doentia solidão de abandonar a própria história, de não intervir de forma inteligente nos próprios conflitos. Você vive essa solidão?

A famosa inscrição da entrada do templo de Delfos - "Conhece-te a ti mesmo" -, na qual Sócrates baseou sua filosofia, só poderá tornar-se efetiva, profunda e produtiva se treinarmos a habilidade da "mesa-redonda do Eu", o fundamento do autodiálogo. 

Ferramentas fundamentais para um autodiálogo eficiente

1. Fazer frequentemente um debate lúcido, aberto e silencioso com seus paradigmas, "verdades", dogmas, preconceitos, visões de vida. Quem não realiza esse autodiálogo não corrige suas rotas, não revisa suas loucuras, não recicla suas falsas crenças, enfim, preserva suas mazelas psíquicas nos porões da mente.

2. Reunir-se inteligentemente com o passado. Resgatar os momentos mais dramáticos de nossa história é fundamental para que o Eu deixe de ser refém do passado e passe a ser líder de si mesmo. Quem evita tocar no assunto com medo da dor que ele provoca perpetua suas feridas.

3. Realizar um debate sério e contínuo com seus medos, dependência, humor depressivo, ansiedade, conflitos. Quem não debate acerca de como, quando e por que é controlado por seus fantasmas mentais vive assombrado por eles. Infelizmente, a maioria dos seres humanos é especialista em silenciar diante dos seus vampiros emocionais. Essas pessoas preferem ser sangradas por dentro a retirar os vampiros dos bastidores da mente para trazê-los à luz da razão.

4. Confrontar e impugnar cada emoção angustiante e cada pensamento perturbador como um advogado de defesa faz para proteger e inocentar um réu. Uma das tarefas mais importantes do Eu é proteger a emoção dos ataques de pensamentos e sentimentos doentios que financiam sofrimento por antecipação, ciúmes, autopunição, timidez, fobias.

5. Exercer plenamente o direito de decidir, questionar e dirigir a própria história. Vivemos em sociedades livres, mas frequentemente não somos livres no território da emoção. Por exemplo, milhões de mulheres, quando vão a uma loja de roupas, compram pensando não em si, mas nas outras. O marketing de massa gera um padrão tirânico de beleza que escraviza a autoestima.

6. Ter um caso de amor com a saúde psíquica. O autodiálogo reflete a mais forte aliança com a qualidade de vida. Quanto mais cartesiana e cognitiva a educação, mais as pessoas não desenvolvem um romance com sua saúde emocional, menos habilidade elas têm para lidar com perdas e frustrações, mais adoecem, mais importante é o papel da psiquiatria.

7. Fazer o silêncio proativo para ser líder de si nos focos de tensão. A mesa-redonda do Eu ou o autodiálogo exige sumariamente que, ao sofrer uma crítica, ofensa ou rejeição, ninguém submeta à ditadura da resposta, nem reaja pelo fenômeno bateu-levou ou ação-reação. Esse fenômeno é emocionalmente infantil, destrutivo e perpetuador da violência empresarial, social e doméstica. No primeiro estágio do foco de tensão, devemos pensar antes de reagir, ou seja, calar por fora e questionar por dentro: Quem me ofendeu? Por que me ofendeu? Devo ser escravo do meu ofensor? O que está por trás da sua agressividade? No segundo estágio, pelo fato de termos aberto a mente, acabamos por dar uma resposta inteligente que apazigua a emoção.

8. Bombardear-se de perguntas. O autodiálogo é canalizado pela arte da pergunta: Quem sou? O que sou? Construo minha história ou sou construído por meus problemas e dificuldades? Que medos me assombram e que traumas me fazem refém? Sou livre e autônomo ou escravo do que os outros falam e pensam de mim? Contribuo com os outros ou controlo-os? Liberto ou bloqueio as habilidades de meus filhos, alunos, paceiro, colaboradores? Quem não tem coragem de se bombardear de perguntas vive sempre na superfície do planeta cerebral.

Quem é sábio?

O grau de sabedoria e maturidade de uma pessoa é dado não pelo quanto ela tem de cultura acadêmica, sucesso empresarial e social, mas pela sua capacidade e frequência de fazer uma mesa-redonda com o próprio ser, de questionar seus pensamentos e emoções, de criticar suas verdades, de repensar sua vida, de refazer caminhos.

Devemos falar não apenas sobre nossos medos, mas com nossos medos, criticando-os. Devemos dialogar não apenas sobre nossos conflitos, mas com nossos conflitos, mau humor, intolerância, insegurança, reciclando-os.

Cada ser humano deve ter seus momentos particulares consigo mesmo. Deve exercitar ser seu grande amigo. Deve aprender a se interiorizar, caminhar nas trajetórias de seu ser e ter prazer de ter um autodiálogo aberto, uma conversa íntima, uma reflexão existencial. Muitas pessoas, em particular os jovens, deprimem-se quando estão sozinhas, não sabem ser companheiras de si mesmas.

O desrespeito a essa ferramenta da qualidade de vida tem sido uma das mais importantes causas do adoecimento coletivo das sociedades modernas. Refiro-me não às doenças clássicas catalogadas pela Psiquiatria, mas ao estresse social, à SPA, à falta de proteção emocional, à solidão, à crise do diálogo. Não é possível sermos autores da nossa história, gerenciarmos nossos pensamentos e administrarmos nossa emoção, se não temos coragem e a capacidade para fazer uma mesa-redonda em nosso interior para debater com inteligência nossos próprios problemas e revisar nossos caminhos.

A mesa-redonda do Eu é um passo além da técnica do DCD (Duvidar, Criticar, Determinar). É mais profunda, serena, penetrante, prolongada.

A mais grave solidão não é aquela em que a sociedade nos abandona, mas é aquela em que nós mesmos nos abandonamos. Muitos passam anos sem dialogar de maneira aberta, sincera e agradável consigo mesmos. Alguns nascem, crescem e morrem sem nunca ter tido um encontro marcante com a própria história. Viveram sem ter um romance com a vida. Você tem esse romance?

Uma espécie que não se respeita

Muitos cientistas não têm percebido que as crianças e os jovens passam mais de dez anos aprendendo a falar a língua materna, mas não aprendem a falar de si e muito menos consigo mesmos.

Que tipo de educação estamos propondo e que tipo de juventude estamos formando? Como prevenir depressão, farmacodependência e violência entre os jovens se eles não conhecem a si mesmos, se ficam na superfície da própria personalidade, não conseguem se interiorizar e penetrar nas camadas mais profundas do próprio ser?

Como eu digo no livro O colecionador de lágrimas - holocausto nunca mais, se na Segunda Guerra Mundial os soldados nazistas tivessem viajado para dentro da própria mente, tivessem feito uma mesa-redonda do Eu capaz de questionar as falsas verdades do nazismo, certamente jamais teriam aceitado que um estrangeiro tosco, rude, inculto e radical como Hitler os dominasse e fosse o maestro da maior orquestra de exterminação em massa da História. Compreenderiam que uma criança judia que morria nos campos de concentração era mais importante que todo o ouro e poder do mundo. Infelizmente, mais de um milhão de crianças e adolescentes morreram nos campos de concentração. Fui às lágrimas ao escrever esse livro.

Se a Alemanha, que era berço de um dos mais ricos conhecimentos filosóficos e acadêmicos da História, a maior vencedora em prêmios Nobel nos primeiros trinta anos do século XX, foi seduzida, pelo menos parte de sua população, pelas ideias de um psicopata, quem garante que outros povos não serão seduzidos pelas ideias de outros "Hitlers"?

O conhecimento acadêmico atual não se constitui em vacina para os universitários, pois não estimula a interiorização e a consciência crítica. Somente o aprendizado coletivo da mesa-redonda do Eu pode evitar novos desastres. Somente um Eu crítico, que aprende a se questionar, a se repensar, a debater consigo mesmo, pode não ser frágil nos momentos de tensão interna e social.

Em quase todos os países, fala-se muito dos direitos humanos, mas o grau de tolerância das pessoas é baixo nos focos de tensão. Por exemplo, quando você erra no trânsito, algumas pessoas mostram uma agressividade súbita, buzinam, fazem gestos obscenos.

Há uma bomba emocional por trás da nossa aparente gentileza. Essa bomba emocional pode implodir, gerando sintomas psicossomáticos, ou explodir acarretando transtornos sociais. A grande causa é que não temos vivido as ferramentas fundamentais e universais da qualidade de vida.

O alto índice de violência, de ataques terroristas, de jovens se suicidando, de crianças atirando em colegas representa o grito de uma espécie em crise, mas ele é inaudível para quem não tem sensibilidade.

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⏰ Última atualização: Sep 26, 2018 ⏰

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