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Era uma vez este livro...
Este livro é um conto verdadeiro contado e cantado em poesia. Nasceu em Abril de 2003 dos seios de uma mulher, colega de trabalho, e considerei-o concluído em Janeiro de 2004. Independentemente da evolução da doença, cancro na mama, procurei olhar sempre esta mulher, e em simultâneo toda a mulher nesta situação, através da beleza, da vida, da dor e, inevitavelmente, da morte. E também, por mal que vos pareça, com um pouco de erotismo, mas não tenho a certeza de o ter conseguido. Tudo parecia correr bem na altura da conclusão deste livro, contudo, em Outubro 2004, a doença reapareceu e, esta mulher, voltou novamente à quimioterapia. Deixou-nos, definitivamente, em meados de Fevereiro 2005. Eu não queria, nunca esteve nos meus planos que fosse este livro o meu primeiro livro editado, mas, em resultado do agravamento da doença e este fim trágico, decidi que assim fosse. Eu também não deveria dizer isto, provavelmente não me ficará bem, mas este livro só foi possível devido ao drama desta mulher por isso a considero também co-autora. Ela, felizmente, teve conhecimento de todos estes versos desde o início até ao fim. Propus-lhe por várias vezes que escrevesse uns versos seus para juntar a estes meus, mas sempre, delicadamente, o recusou. E um dia sugeri-lhe que me dissesse três palavras que, de alguma maneira, pudessem identificar um pouco o drama que estava vivendo. Saíram quase instantaneamente da sua boca: «repulsa», «solidariedade», «egoísmo». Com estas três palavras escrevi então três poemas com um único titulo: «Três palavras somente». Por isto e por todas as razões óbvias, considero-a coautora. E a publicação deste livro não é somente uma homenagem a esta mulher mas a todas as outras mulheres que foram e são duramente atingidas por este drama: àquelas que resistiram ou ainda resistem e àquelas que, como esta, infelizmente não conseguiram resistir. Um beijo para todas elas. Recordo aqui também, num único poema e de uma forma muito breve, um outro colega de trabalho e amigo de alguns anos que, a meio deste espaço de tempo, foi atingido e ferido de morte por esta terrível doença: inesperadamente, sem aviso prévio, sem dó nem piedade, sem apelo nem agravo. Apesar do drama, apesar da dificuldade em escrever sobre este tema, este livro contém poemas extraordinariamente belos. Destaco aqui “Violação”, “Um olhar pelo coração da noite” , “Paragem imprevista”, “Sempre bela e bonita”, “Noticias breves”... e “Por um momento de saudade”. Mas isto é apenas a minha opinião, a opinião de quem os escreveu. Não serei eu o juiz, e se tu não gostares, se tu, mesmo assim, não os conseguires comer, temperaos primeiro com o sal da tua boca.
Carapinheira 15 de Fevereiro 2005
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Um corpo uma vida
Isto é um cancro da mama. Isto é poesia. Isto é quimioterapia. E isto é uma palavra. E isto é um poema. E isto é uma mulher. Mas isto... isto é um corpo, uma vida.
4
Violação
Secaram-se os beijos no meu peito, roubaram-me a única janela com vistas para a cidade. O meu rosto é agora uma cara despregada. Mataram as rolas no ninho, de nada valem os gritos do meu corpo.
5
Olhar para a vida
A vida é um momento de silêncio à procura da solidão. E a morte é um pedaço desse momento tombado no chão.
6
Uma orgia de palavras
É uma orgia de palavras num corpo frágil de mulher. É o medo é o cansaço, é o desejo é a vontade, é o corpo é a dor... é uma vida breve a longo prazo.
7
O principio do poema
Trocámos hoje estas palavras. Mas não trocámos a casa, não trocámos o tempo, não trocámos o corpo nem a vida. Foi apenas o principio deste poema.