demons

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As luzes me cegavam e a música alta estava prestes a me deixar surda. As várias pessoas que ali estavam me expremiam e me deixavam mais suada do que eu já estava - como se isso fosse possível - eu não curto muito sair para esse tipo de balada, mas, afinal a "Lavo Nightclub" parecia uma boa opção para comemorar meus 19 anos.

Não sei quanto eu bebi, nem quantos garotos eu já beijei ou dei um fora. Só por essa noite eu irei mudar, só por essa noite eu não vou ser a mesma Kimberly que todos conhecem. Eu já tinha bebido muito mais do que meu corpo aguenta, mas, quando o telão daquela maldita balada se acendeu, eu tive certeza que já estava sóbria. No momento em que a voz da repórter soou pelas grandes caixas de som daquele lugar, eu senti minha pressão cair e meu mundo parar novamente.

"Repórter: [...] Kalel e seus companheiros foram mortos a tiros nessa tarde, pela gangue mais procurada de NY. O sargento Kalel comandava a operação a dois meses com seus seis companheiros"

A voz da mulher foi se esvaindo assim como as forças que eu possuía, com o resto de forças que me sobraram, fui abrindo espaço pelas pessoas até o banheiro. Ao me olhar no espelho, vi a mesma garotinha de 8 anos atrás, esperando meu pai chegar em casa com um sorriso cansado e uma grande caixa vermelha em mãos, mas meu "presente" aquele dia foi diferente, meu presente foi um abraço de minha mãe aos prantos, eu não estava entendendo mais nada e meu único desejo era sentar em frente da porta, junto com meu irmãozinho, e esperar pelo homem que ao meu ver, era meu herói. Mas ele não chegou, e nunca mais vai chegar, tiraram um pedaço de mim no meu dia. Antes de conseguir quebrar o espelho eu acordo.

Olho ao redor e vejo no meu relógio que chegou o dia que eu mais odeio no ano. 15 de abril, meu aniversário e o aniversário de morte do meu pai.
Minha mãe entra no meu quarto, como todos os dias, porém hoje ela possui um pequeno bolo de caneca em mãos e um sorriso triste nos lábios, ela faz de tudo para me arrancar um sorriso ou que meu dia possua um pouco de felicidade, por isso, todo dia 15 de abril eu não saio de casa. Eu fico praticamente o dia todo na cama, até dar o horário do meu irmão chegar da escola. Mas hoje eu terei que levantar e arrumar o resto das minhas coisas porque amanhã vamos para Londres para começarmos de novo, e para que eu finalmente comece minha faculdade de fotografia e filmagem.

- Parabéns querida - minha mãe disse me dando um beijo na testa
- Obrigada mãe - respondi pegando a caneca de sua mão.

Minha mãe me deixou sozinha e eu levantei para ir ao banheiro. Soltei meus longos cabelos loiros e me olhei no espelho, as olheiras, logo abaixo de meus olhos verdes, retratavam a péssima noite que tive. Jogo água no rosto, faço minhas necessidades e tomo meu banho, saio do banheiro enrolada na toalha e encontro meu irmão sentado em minha cama olhando para o nosso porta retrato. Seus olhos azuis focados na foto em sua frente, e seus cabelos extremamente pretos espetados. Quando nosso pai faleceu John tinha apenas 2 anos, e me ver sentada das 22:00 a 00:00 em frente a porta, esperando alguém que não apareceria, pareceu divertido para ele. Então ele veio até mim se sentou do meu lado e ficou comigo, isso acontece ate hoje. Se tornou uma espécie de tradição tóxica, eu quero mudar, eu não quero mais sentar em frente aquela porta e ficar esperando meu pai, não quero mais ter que chorar porque eu sei que isso é ridículo, e principalmente não quero mais arrastar John para isso. Mas eu não consigo, é como se minhas pernas andassem sozinha e me arrastasse para frente daquela maldita porta. Parei de pensar nisso e chamei sua atenção pra mim

- John?
- Sim? - quando ele me olha vejo que sua noite também não foi das melhores
- O que está fazendo?
- Pensando Kim. Pensando em como nossa vida vai mudar quando formos para Londres, eu estou com medo Kim.
- Eu também meu amor - falei me aproximando dele - Mas isso vai ser bom, pensa que pelo menos vocês não vão ficar longe de mim, porque em setembro às aulas na faculdade começam, e você sabe que fica em Londres - Ele não fala nada, simplesmente sorri para mim e sai do meu quarto para que eu me troque. Visto uma calça rasgada um moletom velho e minhas meias favoritas. Enquanto descia para a cozinha senti falta de Nane minha mini porquinha (exatamente igual o do filme "A menina e o porquinho)

- Mãe! Cadê a Nane?
- Eu mandei ela pro banho querida, quero que ela vá bonita pra Londres
- Mãe, ela é um porco porque raios um porco tem que ir viajar bonito? - minha mãe revirou os olhos e virou a panqueca que estava fazendo
- Senta aí e come vai Kimberly - dei risada e sentei para tomar café.

Depois de uma hora colocando tudo o que eu precisaria levar para Londres em trocentas malas, eu sento no sofá e espero até que meus demônios ataquem e eu tenha que repetir meu processo anual.

Meu celular marcava 23:00, a exatamente uma hora eu estou sentada nesse chão duro, com dor nas costas e na bunda, e por mais uma longa hora eu vou permanecer aqui. John já está dormindo e minha mãe subiu com Nane.

Os poucos amigos que tenho me chamam de louca, e eu meio que concordo com eles, afinal isso acontece desde quando eu tenho 11 e como eu já disse eu não consigo mudar. Meus olhos começaram a se encher eu comecei um choro baixo que não acordaria ninguém. Tudo o que eu mais quero é parar com isso, eu quero sair e comemorar meu aniversário como uma pessoa normal. Mas a merda do meu subconsciente não deixa que isso aconteça, então eu fico aqui até virar a noite, com dores físicas e psicológicas

★00:00★

Meu celular brilha informando que já não é mais meu aniversário, com dificuldade e cuidado levanto tentando não acordar John, quando consigo ficar de pé, pego ele no colo e subo ate seu quarto, o deixo na cama e dou um beijo em sua testa, saindo logo em seguida e indo para o meu quarto. Coloco meu pijama e escovo meus dentes, olhando para o espelho vi que o dia só me deixou mais destruída jogo uma água no rosto e vou deitar. Em minha cama pensamentos de como irá ser em Londres começam a rondar na minha cabeça e eu pego no sono, querendo que tudo isso mude quando eu me mudar.

You belong to meOnde histórias criam vida. Descubra agora