Apenas um presente

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Durante aquele demorado beijo apaixonado, enquanto sentados no banco da praça na região sul da cidade, esqueci-me de todos os problemas que tinha e aproveitei cada instante de forma reconfortante, até nos afastarmos um do outro novamente. Um beijo em uma praça ao pôr do sol provavelmente seria a coisa mais clichê que poderia acontecer, no entanto, Julie não parecia se importar; na verdade ela demonstrava estar agradecida por eu tê-la levado até lá. Eu sabia que ela preferia ficar em um lugar como aquele. "Todo esse movimento estressante da cidade deixa qualquer um a um passo da loucura", disse ela uma vez.

Algo nela me atraía de uma maneira muito singular. Muito além de seu exterior jovial, que demonstrava traços de delicadeza e, ao mesmo tempo, um ar de maturescência em suas ações. Talvez fossem as palavras proferidas pelo encantador som de sua voz, ou a configuração perfeitamente sensual de seu corpo. Talvez fosse o ar de mistério que a rodeava e, ao mesmo tempo, instigava a minha curiosidade em tentar desvendar seus segredos.

A primeira vez que a vi foi em um lugar pouco movimentado chamado Souzel onde, na minha opinião era lá onde se fazia os mais deliciosos tipos de pães, bolos e tortas. Certamente eu era o cliente de maior frequência, isso porque um rápido gesto com a cabeça para o balconista já o fazia ter a noção exata de qual seria o meu pedido. Era três ou quatro vezes por semana a minha visita ao estabelecimento, sendo assim, conhecia todos os funcionários e a maioria dos poucos fregueses; mesmo trocando apensas algumas palavras com cada um deles. No entanto, houve um dia em que todo o padrão monótono se quebrou. O dia em que vi pela primeira vez a pessoa que mudaria, literalmente, toda a minha concepção de vida, e a real compreensão do que existe escondido por debaixo dos panos da percepção humana.

A princípio ela era só mais uma mulher atraente que passaria por mim com um mero "boa tarde" como várias outras que vi ao longo de minha vida. Contudo, ela se portou de uma maneira inesperada quando, em um instante, mantendo contato visual de poucos segundos um com o outro, ela sorriu para mim. Um belo sorriso de lábios unidos, foi o suficiente para fazer com que eu direcionasse meus pensamentos àquela moça durante o resto do dia. Fiquei me perguntando quando a veria novamente. Para minha felicidade, no dia seguinte ela estava lá. Estava sentada a uma mesa próxima à janela e comendo o que julguei ser um pedaço de torta de maçã com muito gosto e graciosidade. 

Dirigi-me para a mesma janela, porém, sentando num lugar mais afastado que permitia que eu pudesse ter a perfeita visão da bela moça que admirava. Foi um ato inconsciente. Eu gostaria de ter me sentado mais perto, no entanto meu nervosismo prejudicava minhas ações. Imaginava e visualizava a mim mesmo me aproximando dela e me apresentando da mesma forma em que os personagens de filmes faziam, usando frases prontas com expressões de confiança estampadas em seus rostos. 

Um grande dilema eu sentia. Não me dava bem com as mulheres. No que parecia um pesadelo rapidamente se transformou em um sonho, quando ela chegou ao lado da minha mesa e falou: "Oi, você está sozinho?". 

O que foi aquilo? Não podia ser real?

Ela dizia estar interessada em mim. Com todo o calor e o nervosismo percorrendo meu corpo apresentei-me, e em seguida ela fez o mesmo com muita simpatia dizendo que seu nome era Julie. Desta forma começamos a conversar, sendo que no início era uma simples conversa tímida, logo se tornou um bate-papo mais confortável e descontraído.

A partir daí passamos a nos encontrar mais vezes. Levei-a para diversos outros lugares na cidade.

Ela era diferente das outras mulheres. Além de sua beleza incomum, Julie também demonstrava ter um conhecimento e uma visão sobre o mundo como eu nunca vi. Sua voz me acalmava, ao mesmo tempo em que me hipnotizava. Sua presença fazia-me esquecer de todos os problemas da minha vida. 

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