One Shot

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Silêncio de Estrela

Era noite mais uma vez, minha vida era sempre a mesma... Uma imensidão azul. Não conseguia ver nada além de um vale repleto de estrelas iguais a mim. Bem, talvez não tão iguais... Eu era Ava estrela de primeira grandeza. Filha de Dalfin, uma das estrelas mais antigas em toda a vastidão do espaço. Já estava cansada de viver naquele lugar sombrio, guiando viajantes que iam e vinham em suas aventuras sem nada além de viver no meu mundinho.
Não era o meu sonho viver solitária. Fazia muito olhava os humanos se amando e encontrando no outro sua metade. Senti uma enorme vontade de compartilhar, eu queria poder ver como eles viam, sentir como eles sentiam. Olhei para os lados e vi irmãos estáticos, bolas de gás sem sentimentos ou compaixão. Éramos soberanos em nosso mundo, éramos imponentes em nossa beleza.
Meu pai percebia minha indecisão. Notava minhas duvidas – Ava - ele chamou – o que te aflige? – perguntou.
Embora aqueles sentimentos desconhecidos me atormentassem, eu definitivamente não sabia expressá-los. Nunca aprendi a demonstrá-los. Fiz uma careta – nada querido pai.
– Estrela... – ele se aproximou – não minta para o seu velho pai. O que te aflige?
Olhei diretamente nos seus olhos bondosos. Meu pai era sábio e certamente entenderia as inseguranças do meu coração – veja os humanos pai, observo como se olham. Percebo como se sentem uns em relação aos outros. Os marcianos, plutanianos entre tantos outros, se sentem igual. Que sentimento é esse que une as pessoas e os faz sentir tamanha plenitude?
– Você sempre foi uma estrela muito questionadora e isso não faz muito bem para nossas irmãs. Veja. Olhe para elas Ava! Elas vivem aqui e muitas são milenares. Nenhuma nunca quis descer... Por que esse desejo agora?
– Não sei de onde vem essa sensação de que preciso conhecer muito mais do que o espaço me proporciona. Eu tenho a necessidade de entender o que se passa dentro de mim.
– A sua necessidade poderá me causar problemas. Já imaginou se todas as suas irmãs decidem que estão sentindo a mesma coisa? Como ficará o céu à noite? É nossa função orientar os viajantes. Se não estivéssemos aqui eles jamais chegariam ao seu destino.
– Entendo. Mas não consigo mais conviver com tantas incertezas. Viver aqui deixou de ser a coisa que eu mais amava.
– Ava! – ele segurou meu queixo para que pudesse me fitar melhor. – deixe isso para lá. Nós fomos criados para levar luz, orientar e apenas isso. A única coisa que espero da estrela mais radiante do universo. É voltar a ver o sorriso estampado no seu rosto.
Por mais que eu me esforçasse para tentar atender aquele pedido tão simples. Nada me fazia sentir feliz... A necessidade de conhecer, de aprender, de viver me invadia com tanta força. Eu jamais pude imaginar que em séculos de existência, eu simplesmente me veria sonhando e incapaz de ascender ao céu. Pensei em quantas noites vivenciei o amor que unia vida e salvava almas da eterna solidão.
Era assim que eu me sentia.
Solitária. Como só uma estrela poderia ser. E assim passaram-se meses, meus olhos perderam o viço. Minha luz enfraqueceu... Meu pai se mantinha preocupado, contudo, não se pronunciava. Para ele, senhor das estrelas, pai das constelações. Uma estrela com sentimentos tão mundanos poderiam desencadear sérios problemas a um mundo milenarmente coordenado e ajustado. Era meu destino ser como as outras que com o passar dos milênios se tornaram iguais.
Embora estivesse ciente de tal coisa, minha vida não voltou a ser a mesma. E assim os meses se passaram e eu permaneci inerte e completamente infeliz. Perdia-me observando aqueles aos quais eu devia guiar. Sonhava com o dia em que poderia sentir algo parecido... Mas que nome teria aquele sentimento? – Ava, não poderá passar o resto da sua existência assim – ele disse. – estrelas e humanos não podem compartilhar como você deseja.
– Pai... Não sei do que está falando, nem imagino o que seja compartilhar. Entretanto, preciso conhecer. Saber que sentimento é esse dentro de mim.
– Filha. Dentre todas as suas irmãs, és a mais bela e brilhante. Sua luz é intensa e será vista mesmo que o céu esteja encoberto por nuvens. Mas não posso permitir que por minha causa permaneça infeliz. Permitirei que caminhe entre os humanos. Contudo eu tenho uma condição... - olhei para ele. Quase pude sentir meus olhos lacrimejarem – não poderá se entregar a um humano. Não poderá dar a ele o seu amor.
– Por que?
– Somos seres celestiais, não nos é permitido amar. Não podemos entregar nossa divindade mesmo que seja por amor... Há um castigo para quem desobedece tal lei.
– Castigo? Que tipo de castigo poderia ser pior do que viver essa vida eternamente vazia de todo tipo de afeição? Não estou buscando nada além da minha felicidade.
–Você não sabe do que está falando... Eles amam, mas se traem e se ferem. São capazes de maldades inimagináveis... Minha filha mais amada. Perder você num mundo desses me faria sofrer demais...
– Não estará me perdendo pai, amo-o e a minhas irmãs. Só gostaria de alguns instantes ao lado deles... Preciso entender meus sentimentos.
– Permitirei que vá – ele acariciou meu rosto – viaje entre os mundos e veja com seus próprios olhos as atrocidades que esse povo tão bárbaro pratica contra o seu próximo – visualizei aquela figura masculina alta e de barbas brancas e longas. Com olhos grandes e azuis. Seus lábios rosados e a pele branca lhe davam um ar jovial... – filha. És a minha preferida dentre todas. Sua luz azulada é aquilo que te difere das tuas irmãs. Seu sentimento influencia na intensidade do seu brilho. Vai e vivencia aquilo que desejas, estarei aqui te esperando. Promete-me apenas que não te entregarás a nenhum humano. Não serei capaz de te perder... Amo-a.
– Eu também o amo, e não farei nada que ponha em risco esse sentimento tão bonito. – naquela mesma noite tornei-me uma estrela cadente capaz de me locomover pelo espaço infinito. Visitando mundos, conhecendo pessoas... Passei por planetas, conheci novas constelações.
Os anos eram longos e a espera interminável, vi planetas em guerra. Mundos em completa paz, mas não encontrei em nenhum deles aquilo que eu buscava. Foi quando ao longe avistei novamente aquele planeta azul, ele era vasto e lindo quando visto de cima... Nunca havia visto nada igual, jamais havia me aproximado tanto para perceber o quanto era peculiar. Decidi que o conheceria, alguma coisa me chamava e me dizia que talvez ali eu encontrasse minhas respostas.
Era noite, o céu estava encoberto pelas densas nuvens cinza num país chamado Brasil. Passei por muitos continentes até decidir que ali seria minha primeira parada. Observei os hábitos dos povos daquele lugar. Durante dias e noites percebi que era um mar de infinitas possibilidades. Corri pelos outros lugares, vi outras pessoas. Algumas admiravam meu brilho e faziam pedidos. Outras apenas observavam...
Percorri mares, rios e terras. Cidades, países, montanhas e lagos. Passei pelo frio e pelo calor. Por fim, num determinado ponto daquele primeiro país que passei. Algo me chamou a atenção. Eu já me preparava para ir embora quando o vi.
Ele tinha a pele morena e os olhos castanhos escuros quase negros, os cabelos pretos e um sorriso encantador. Sua estatura era alta e o físico atlético. Meus olhos não conseguiram se desvencilhar. Ele olhou para o alto, diretamente para mim, no entanto, para ele. Eu era apenas uma estrela. Em meu peito senti algo crescer... Batidas fortes vindas de dentro do meu coração... O que era aquilo?Naquele instante, a partir daquele olhar simplesmente não consegui mais partir.
Acompanhei seus passos seguindo-o silenciosamente, do alto. Olhei-o por dias intermináveis, percebi que era querido pelos amigos, mas havia algo... Algo que fugia a minha compreensão. Diferente dos outros humanos, ele estava sozinho, assim como eu. Depois de algumas semanas, olhar de longe não pareceu mais o suficiente. Eu queria vê-lo, tocá-lo. Admirá-lo. Pensei na única regra imposta pelo meu pai, lembrei-me do castigo que ele citou. Um medo intenso me dominou e mais uma noite chegou.
Vi quando ele chegou a sua casa como fazia toda noite, trazia consigo um cansaço evidente. Percebi seu rosto abatido e os olhos pesados. Os passos se arrastavam e o corpo parecia esgotado. Ele entrou no seu lar, poucos segundos depois eu o vi ascendera luz do seu quarto. Mudei minha posição de uma forma que pudesse observá-lo. Ele se aproximou da janela com o peito nu. Olhou para o alto e fechou os olhos. O vento soprou seus cabelos fazendo com que do alto de onde eu o observava pudesse sentir seu cheiro.
Nunca havia sentido um aroma tão maravilhoso antes, era um cheiro de lavanda como nos campos que havia conhecido durante minhas viagens. Meu corpo estremeceu, minha luz ascendeu brilhando com mais intensidade. Quando seu olhar se voltou para mim mais uma vez, era quase como se ele pudesse ouvir meu grito para que finalmente me notasse. Para que percebesse que há dias eu o observava. Era uma regra, eu nunca poderia me aproximar. Embora aquele humano parecesse diferente dos tantos outros que vi. Ainda sim, algo nele diferia. Fazia com que me sentisse atraída.
Ainda com os olhos fixos em mim, ele dirigiu um pedido silencioso. Eu o ouvi, mentalmente ele pediu que alguém pudesse amá-lo. E que em troca, ele também a amaria, pois estava cansado de viver sozinho. Aquela roga me deixou ainda mais certa de que aquele humano era diferente. Eu não sabia seu nome, não conhecia seu mundo, mas daria tudo para conhecer. Durante a noite, enquanto seu corpo repousava adormecido em sua cama decidi quebrar as regras e as leis celestiais que me impediriam de descer e tomar uma forma. Diminuí e entrei pela janela no intuito de apreciá-lo mais de perto.
Foi à sensação mais estranha que já tive. Em meu peito uma luz diferente ascendeu, levei as mãos até o peito e senti as batidas descompassadas. Olhei para o corpo que adormecido parecia quase sem vida, exceto pelo movimento uniforme da sua respiração. Aproximei-me para vê-lo de perto. Ajoelhei-me no chão ao lado da sua cama toquei seu rosto delicadamente. Ele ressonou soltando um breve suspiro. Assustei-me, o humano não poderia acordar e me ver ali.
Revirando-se na cama ele continuou adormecido. Movi meus dedos entre sua testa e as bochechas aveludadas. Senti o calor da sua pele quente em contato com a minha fria. Fiquei ali ainda algumas horas vendo-o dormir. Observando-o ali, entre o sono e o incônscio. Atrevi-me a olhá-lo um pouco mais. Ver sua respiração tranquila, sua mente calma... Me fez esquecer de que os primeiros raios solares começaram a despontar no horizonte, era chegada a minha hora de partir. Mesmo estando apagada pelo brilho do astro rei, observei-o em sua caminhada diária. Sabia que era errado sentir tal emoção por um humano.
Fui advertida quanto ao que minha jornada poderia acarretar, muitas estrelas se perderam nessa marcha incessante. Nessa busca incansável por algo maior, um sentimento que pudesse nos fazer crer que ninguém merecia a solidão eterna. Que um dia, tudo aquilo que fizemos seria recompensado. Nada no mundo era mais importante do que acreditar que essa recompensa se chamava amor.
Mais um dia passou e assim como ele foram-se as semanas. Todas as noites enquanto ele dormia eu me aproximava. Nas ultimas noites, entretanto, percebi que ele já não dormia tanto, às vezes eu esperava horas para me aproximar. Já corriam os rumores sobre minhas constantes visitas ao humano. Eu nem ao menos sabia seu nome, mas lá no fundo da minha alma eu compreendia. Eu já o amava.
Naquele dia em especial o rapaz de olhos castanhos que aprendi a admirar parecia um pouco mais esgotado do que o normal, sua vida diária era cansativa eu podia ver. Todas as noites ele chegava da janela do seu quarto e olhava para o céu, suspirava inalando a brisa suave da noite. Olhava-me e fazia o mesmo pedido. Um amor!
Eu queria gritar, queria dizer para ele que estava ali, que no meu imenso mundo haveria lugar para ele se assim desejasse. Mas eu não podia, ele nunca saberia. Pelo menos assim tinha que ser.
Éramos estranhos de mundos diferentes, de raças que jamais poderiam se cruzar. Embora eu não acreditasse em coincidências nos últimos meses desde que eu havia saído de casa tudo que aconteceu, a minha rota e o meu destino me levaram até ali. Talvez para conhecê-lo. Talvez quando ele olhasse para o céu e me pedisse um amor acreditando que como estrela atenderia seu pedido, ele estivesse me vendo e pudesse quem sabe um dia me amar.
Senti a profunda necessidade de tocá-lo mais uma vez, conceder-me a graça de estar tão perto de alguém tão solitário quanto eu. Esperei que adormecesse e me aproximei, ele não parecia estar tranquilo naquela noite. Seu sono era agitado, sua pele transpirava deixando no ar um perfume impar. Completamente entorpecida, não pude vê-lo tão incomodado e permitir aquela situação.
Planei minha mão sobre sua testa e deixei que minha energia fluísse trazendo-lhe um pouco de paz. Em meu coração eu sentia os sinais e os alertas de perigo emitidos pelas outras estrelas. Meu coração estava tão acelerado que mal percebi quando ele abriu os olhos. Sua iris verde me fitou confusa. Senti meu corpo enrijecer, eu havia sido descoberta. Preparei-me instintivamente para fugir quando senti sua mão se prender ao meu pulso.
– Solte-me, por favor, preciso ir – supliquei.
– Quem é você? – ele perguntou confuso – o que faz aqui?
– Eu preciso ir... Eu não deveria ter vindo. – o desespero ficou evidente na minha voz.
– Diga-me quem é e prometo que a deixarei partir. – ele me soltou e esperou.
Senti um impulso desesperado para ir, mas uma voz dentro de mim gritava que eu não podia deixar de conhecer aquele humano. Tantos sentimentos contraditórios dentro de mim e uma única certeza. Eu aprendi a amá-lo a distancia. E agora estava ali, tão perto. – eu sou Ava, apenas Ava - disse. Agora tenho que ir.
– Ava... Quem ou o que é você? – ele sorriu – quer que eu acredite que você é apenas uma mulher comum?
- Sou uma estrela! – vociferei. Ele sorriu mostrando os belos dentes brancos.
- Uma estrela? Como conseguiu entrar no meu quarto?
- Sim, sou uma estrela e como um ser celestial, entrei pela janela – expliquei.
- Espera mesmo que eu acredite na sua historia?
– Não quero que acredite em nada, eu nem deveria estar aqui. O sol nascerá em pouco mais de uma hora. Não posso estar aqui quando isso acontecer. – expliquei.
– Tudo bem 'estrela', se o sol nasce em pouco mais de uma hora, poderíamos nos conhecer um pouco mais. Não acha?
– Talvez essa não seja uma boa ideia. Você não entende? Eu não deveria estar falando com um humano. Você não sabe no que isso poderá acarretar.
– Então me explique – ele se sentou na cama indicando com a mão o local onde eu poderia me abancar. Ele vestia apenas uma calça de um pijama listrado, o dorso nu me chamou a atenção. Eu já havia visto outros, sendo que os marinheiros se banhavam as margens das praias das nossas ilhas. Mas ele era diferente. Olhei para o chão e senti meu rosto corar.
– Meu pai é responsável pela organização das estrelas que você vê todas as noites no céu. Eu vim do espaço, de um espaço distante e repleto de outras estrelas iguais a mim. Passei por mundos, visitei cidades, conheci países. – pausei. Ele me olhava fixo – e eu não deveria estar aqui.
– Mas está. Não sei se consigo acreditar nessa sua historia louca... É muito surreal crer que você possa ser, de fato, uma estrela.
– Mas sou... – levantei-me ofendida – e agora preciso ir – caminhei em direção à janela. Senti uma mão forte segurar meu braço. Ele era mais alto e mais perfeito quando visto de perto e sob os primeiros raios da manhã. – solte-me não compreende? Se minhas irmãs souberem que estive aqui e contarem ao meu pai. Serei castigada.
– Você irá voltar? – seus olhos penetraram os meus – por favor, volta... – ele mantinha os dedos quentes na minha pele.
– Eu não devia...
– Mas volta? – me interrompeu.
– Me chame à noite – não consegui negar. – eu virei ao seu encontro... Mas por favor, eu preciso ir agora. O sol está chegando. – com a outra mão ele tocou a pele do meu rosto. Senti meu corpo estremecer com aquele toque suave e gentil.
– Irei te esperar – no instante que seus dedos me soltaram, meu corpo acendeu e voltei a ser a estrela que sempre deveria ter sido. Sai pela janela e sumi no céu. – a surpresa em seus olhos, bem como seu sorriso cativante me iluminaram ainda mais.
Não sabia o que fazer quando o dia chegou. Notei quando ao sair de casa pela manhã ele me procurou, mas, não poderia me ver. Não com a luz do sol iluminando o céu. Os segundos tornaram-se minutos e os minutos horas. Ele olhava o relógio impaciente, eu podia ver sua ansiedade. Era quase tão grande quanto a minha.
Aquela noite demorou a chegar e tão logo ele adentrou sua casa, em poucos segundos se aproximou da janela. À noite nublada não o permitiu me ver, contudo o grito desesperado do meu coração fez com que ele olhasse em minha direção "Ava, venha. Por favor, venha" ele chamou mentalmente. Uma profunda alegria me dominou e embora soubesse que estava errado. Eu simplesmente desci.
Cheguei à frente da sua janela e vi seu olhar estarrecido enquanto o corpo se afastava dela para me dar passagem. – que bom que veio –pareceu aliviado.
– Você me chamou...
– Não acreditei que voltaria – ele se aproximou e eu recuei – é difícil crer que não estou sonhando.
– As estrelas não mentem. Não sou exceção...
– Não quis ofendê-la.
– Não ofendeu... Só tenho medo do que esta minha visita poderá ocasionar...
–O que pode acontecer?
– Se meu pai descobrir, nossas leis são supremas. Posso perder meu poder de estrela e ter que viver como humana para sempre.
– Isso é ruim? Quer dizer, achei que talvez essa pudesse ser sua vontade – ele se aproximou mais uma vez. Dessa eu não me movi, ele estendeu a mão e tocou meu rosto. Fechei os olhos e suspirei. Aos poucos a sanidade voltou a mim.
– Não posso... – me afastei abruptamente cruzando os braços na frente do corpo.
– Não precisa ficar na defensiva, não irei te machucar. Ava... – ele suspirou – quando te vi no céu pela primeira vez, não imaginava quem era. Mas ouvi uma voz dizendo dentro de mim que você acabaria com a minha solidão.
– Eu? Mas eu não posso realizar o seu desejo.
– Você é o meu desejo realizado. Eu sinto sua energia e sabia que a conhecia de algum lugar. Desde o dia em que entrou no meu quarto pela primeira vez. Naquele dia eu soube... Era você quem eu estava esperando.
– Você sabia? O tempo todo você sabia que eu estava aqui? Por que não me disse nada? – perguntei aborrecida.
– Porque eu sabia, que se eu dissesse você não voltaria. Eu nunca mais te veria... E eu não queria deixar de te ver.
– O que eu fiz? Isso não pode ser...
– Sei que sente algo por mim como eu sinto por você... – olhei para ele com os olhos cheios de lagrimas.
– Eu não posso ficar... Nunca poderei – ele me segurou pelos braços diminuindo a distancia entre nós. Seus dedos me puxaram para perto, eu não consegui negar o que meu coração tanto desejava. Senti-lo.
– Não tenha medo. Eu não irei te machucar... Nunca. - sua testa tocou a minha – a respiração dele estava alterada igual às batidas do seu coração. – embora não soubesse quem você era, embora nunca a tivesse visto... Naquele dia em que brilhou no céu... Eu a amei. – ele me fitou.
– Eu nem sei seu nome... – o rosto dele estava muito próximo ao meu. As pontas dos nossos narizes se tocaram, não consegui me mover...
– Eu me chamo Eduardo – ele me beijou. O toque suave dos seus lábios no meu despertaram em mim uma corrente de emoções que mais pareciam um vulcão prestes a explodir. Ele soltou meus braços e envolveu minha cintura em seu abraço reduzindo a nada a pequena fenda que havia entre nós. Instintivamente envolvi seu pescoço com meus braços colando meu corpo ao dele.
Suas mãos passearam pelas minhas costas e me apertaram enquanto o beijo se tornava mais intenso. Não sei precisar quanto tempo durou. Mas aquela foi à melhor sensação que já tinha sentido em milhares de anos de existência. Afastamo-nos sem perder o contato visual – eu não sei o que vou fazer agora- confessei.
– Ficará comigo e eu prometo que jamais te farei sofrer.
– Minha vida não é uma questão de escolha... Trata-se de algo maior.
– O seu castigo? Serei castigado junto a você... Só não me deixe. Eu não quero mais viver tão sozinho – sua testa tocou a minha mais uma vez. – sei que sente algo por mim... Caso contrário não teria voltado.
– Não posso sentir – afastei-me – não posso – segui em direção à janela.
– Ava não vá – ele pediu num tom de suplica – fique. – vi seus olhos tão intensos e simplesmente não consegui partir. Embora fosse difícil admitir o que eu já sabia. Nada poderia ser feito para que ficássemos juntos.
– Você não entende? Eu sou imortal, não vou envelhecer. Não quero te ver morrer enquanto eu ainda permaneço jovem. Agora entendo ao que meu pai se referiu quando falou do castigo... Ver quem amamos definhar e não poder fazer nada para impedir o progresso do tempo.
– Não me importo em morrer se tiver tido a oportunidade de dividir a minha vida inteira com você. Você é que não entende.
– Nossos sentimentos são plenos, eu não poderia me entregar parcialmente a você.
– Eu não quero que o faça. Lutarei contra tudo e contra todos para que possamos ficar juntos. – uma luz intensa brilhou no céu. Os olhos dele voltaram-se para ela no mesmo instante em que tomei sua frente fazendo com que ficasse atrás de mim.
– Pai! – os olhos furiosos dele me encaravam entre a raiva e a incredulidade.
– Ava... Eu te dei uma ordem, não deveria ter se aproximado do humano. – ele gritou. – então era verdade?
– Eu posso explicar – justifiquei. Eduardo permaneceu imóvel atrás de mim. Se fosse da minha vontade, meu pai não tocaria nele.
– Você não vê o que acabou de fazer? – ele gritou.
– Deixe-me explicar – roguei. Eu sabia aonde a fúria dele poderia nos levar.
– Não há explicação para tamanha desobediência. Essa é a nossa única lei imutável.
– Mas pai... Eu o amo... – as palavras saíram da minha boca tão facilmente como jamais poderia imaginar. – eu quero ficar aqui com ele.
– Não vê que os humanos mentem. Que nada farão para mudar sua natureza destrutiva.
– Eu não sou assim – ele se defendeu – eu a amo e a quero do meu lado. Espero que permita.
– Humano tolo... Não há como isso acontecer. Não há como conceber. Ava venha... – ele segurou meu braço puxando-me para a janela. Minha mão tocou a de Eduardo antes que meu pai nos fizesse desaparecer dali.
Os dias passaram, assim como os meses... Em nenhum dia eu consegui parar de pensar nele, nos seus olhos e naquele beijo. Chorei, chorei por dias e noites sem cessar. Minhas irmãs sussurravam e cochichavam a minha desobediência. Eu já não brilhava mais... Minha luz não era mais vista pelos navegantes. Minha vida era uma eterna espera por um fim que eu sabia bem não chegaria nunca.
A imortalidade era um castigo afinal. Um dentre tantos que me estava sendo imposto... E assim o que era luz virou escuridão dentro de mim. Sem ele, sem seu amor e seu sorriso eu não mais poderia viver. Toda vez que seu rosto visitava minha mente, as lagrimas brotavam e não pareciam querer secar. Sentimentos tão humanos para um astro imortal.
– Filha. Não é da minha vontade que permaneça assim. – meu pai se aproximou.
– Desculpe-me pai. É involuntário... Não consigo mandar no meu coração. Não é algo que possa ser controlado.
– Venha, preciso te contar algo. – ele me guiou até a praia da ilha do fim do mundo. Lá, longe das minhas irmãs ele confessou – Filha, conheço seus sentimentos e entendo sua dor.
– Será que entende? Será que sabe mesmo o que sinto?
– Sim eu sei. Ava sua mãe era humana. Um dia eu tive o mesmo sonho que você tem agora. Cansei desse vazio eterno, da eterna solidão. De guiar os viajantes, de ser solitário e imortal. Quando conheci sua mãe ela era a mais bela dentre as filhas da terra, eu a havia conhecido entre meus passeios pelas noites terrestres. Como todos, ela se encantou pela nossa beleza. Somos seres celestiais filha... Sempre nos amarão e morrerão.
– Ainda que ele morra pai, eu posso dizer que tive muito mais do que esperei por tanto tempo. Séculos. Infinitos séculos vivendo entre as inertes estrelas incapazes de sentir. Eu não sou assim.
– Fomos castigados pela minha desobediência. Hoje não posso permitir que cometa o mesmo erro que eu cometi. Eu tive que fazer uma escolha e escolhi você.
– Que escolha?
– Eu desci do céu quando conheci sua mãe neste mesmo lugar em que estamos agora. Aqui concebemos você. Naquele tempo ainda nos era permitido compartilhar com os filhos da terra. Humanos no mundo em que você esteve.
– O que aconteceu?
– Ela envelheceu com o passar dos anos. Você era ainda muito pequena para se lembrar, mas, ela não suportou me ver jovem enquanto ela envelhecia. Foi-me dada à oportunidade de decidir entre minha imortalidade e uma vida humana.
– Não entendo...
– Eu poderia dar a ela minha imortalidade a fim de que ela pudesse assumir sua juventude e se juntar a mim no mundo humano. Mas você Ava, era um ser celestial. Não poderia aprender sozinha. E foi assim que juntos, eu e sua mãe decidimos que eu ficaria com você. Filha, meu maior tesouro. Entenda que não quero o mesmo destino que o meu. Perceba que não poderei viver sem você, já perdi a sua mãe.
– Pai - acariciei seu rosto – não viverá sem mim. Saberá sempre onde me encontrar... – ele parou e olhou o horizonte por longos minutos.
– Está bem. – disse por fim - Eu irei vê-la toda noite... Para ter certeza de que está bem.
– Eu ficarei. – sorri – obrigada pai. – eu o abracei.
– Posso acompanhá-la? – sinalizei que sim com a cabeça. Subimos e rapidamente viajamos entre os mundos como cometas rasgando o céu.
Visualizei a janela que ainda estava aberta. O céu estava claro e coberto pelas minhas irmãs que sorriam para mim. Desci até seu quarto e entrei sem me dar conta de que estava vazio. Quanto tempo havia se passado? A porta estava aberta e pude ouvir sons no andar debaixo. Ainda assustada segui na direção daquele barulho.
A casa parecia à mesma, porém envelhecida. Desci as escadas e me deparei som uma figura idosa. Ele não havia perdido sua estatura, nem sua beleza. Somente sua juventude. Meu coração acelerou... Senti meu corpo tremer, se eu tivesse demorado algum tempo mais. Talvez nunca mais o tivesse encontrado.
– Eduardo? – chamei. Ele olhou em minha direção e paralisou. Vi uma luz brilhar em seus olhos.
– Ava. Você voltou... – e olhou para o chão. – vivi o suficiente para vê-la voltar.
– O que houve? Não vai me abraçar?
– Não posso, envelheci... Você ainda permanece jovem e bonita. Não me caberia amá-la sabendo que estou perto da morte. Não poderia fazê-la sofrer. Esperei-te por tantos anos. – ele disse sentando-se numa poltrona que ficava no canto da sala.
– Somente sua ausência me fez sofrer. A falta que senti de você... Para mim foram apenas alguns meses.
– Para mim foi uma vida inteira. Não amei mais ninguém, esperei que voltasse e você finalmente voltou. Agora poderei morrer...
– Não morra – corri ao encontro dele ajoelhando-me aos seus pés. Abracei sua perna e senti sua mão pousar em minha cabeça.
– É assim que os humanos são. Nós envelhecemos e morremos, nada pode ser feito.
As palavras dele se misturaram as do meu pai. – há algo que eu posso fazer – senti a presença do meu pai ao meu lado. Os olhos deles se encontraram mais uma vez. No entanto agora meu pai estava mais complacente.
– Filha. Espero que esteja certa daquilo que está prestes a fazer.
– Eu estou certa pai... Ele é o que eu quero. É quem eu sempre procurei. É quem eu busquei.
– Não entregue sua imortalidade a quem não seja capaz de merecer o seu amor.
– Eu te amo pai. Mas ele merece minha imortalidade, e eu lhe darei o meu amor... – virei-me para a figura envelhecida a minha frente e o abracei – o meu amor é seu, minha vida é sua... Tome-a e viva por mim.
Um clarão iluminou a sala e se expandiu por todos os cômodos. Senti meu corpo crescer e diminuir sem me dar conta de quão mágico era aquele momento. O medo, a incerteza, a tristeza, todos aqueles sentimentos foram banidos de mim no instante em que deixei meu amor fluir. Depois disso veio à escuridão.
O sol me acordou cedo batendo diretamente no meu rosto. Senti meu corpo aquecer pelo seu toque em minha pele. Sorri por poder sentir. Aspirei o ar e notei o cheiro que pouco havia sentido, mas que conhecia tão bem. Observei seu braço descansando sobre minha cintura e virei-me para olhá-lo. Sua juventude estava lá. Observei-o por longos minutos e um sorriso se estampou no meu rosto.
Ainda com os olhos fechados ele me sorriu e perguntou – o que te deixa tão feliz?
– Estar aqui com você. Saber que voltar valeu à pena.
– Do que você está falando?
– Eu fui embora... Você não lembra?
– Minha estrela – ele se apoiou no cotovelo ficando de frente para mim – você nunca saiu daqui, deve ter sonhado isso. Ontem ficamos conversando e você adormeceu no meu colo. Estava tão aflita para ir embora. Acreditei por um minuto que viraria pó se o sol te tocasse. No entanto vejo que me enganei. Você está ainda mais linda. – um sorriso alvo se estampou no seu rosto.
– Prometa que não irá me deixar.
– Não poderia. Não poderia existir sem você... Sem você não vivo – ele jogou seu corpo sobre o meu e me beijou com ardor. Senti um enorme torpor me invadir, deixei que ele se acomodasse sobre mim. Nada poderia ser mais perfeito do que aquele momento. Ali, naquela cama com a luz do sol entrando pela janela eu me entreguei plenamente ao meu amor.
Alguns anos se passaram e tivemos nosso primeiro bebê. Mariah nasceu com o brilho da estrela e eu sabia que um dia ela viveria o mesmo que eu vivi. Minha imortalidade estava ali e habitaria em minha filha até que ela decidisse dá-la por amor como eu havia feito. Nunca me arrependi. Jamais deixei de amá-lo. E em nenhum dia se quer, esqueci de dizer tais palavras.
Aprendi com meus séculos de existência e à medida que agora envelhecia que o silencio das estrelas não significava que elas não amem. Que não invejem os sentimentos que podemos despertar. Descobri que no espaço há muito amor e muita luz. Meu pai nos visitava toda noite e um dia nossa filha partiria com ele. E o amor iria sempre florescer mesmo que não permitíssemos, pois o amor de todos é o maior sentimento que poderá haver. E por isso eu jamais perderia a oportunidade de dizer – EU TE AMO!

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⏰ Last updated: Oct 08, 2018 ⏰

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