Arpoador

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"Arpoador"

Julho, 2018

Carolina, eu gostava de ir até Ipanema, mas percebi depois de muito tempo, talvez apenas este ano, que você me concedia o prazer de gostar bem mais. "Carolina Yamamoto"... talvez você nem use mais esse nome, não sei nem mesmo se você ainda gosta de verde, não sei ao menos o porquê de ter me lembrado de você agora, depois de tanto tempo. Se passaram uns trinta anos desde a última vez que pude te observar com calma. Eu gostaria de saber por onde você anda agora se ainda anda por toda parte ou se só anda pela casa.

Eu sempre pensei que o Arpoador deveria ter seu nome, fazia sol todo dia por sua causa, acho que só faz 40° graus aqui no Rio de Janeiro pelo calor que você transmite. O Arpoador sorria quando eu chegava com o fusca verde de meu pai para te buscar, eu me sentia incrível dirigindo aos dezesseis anos, me sentia um adulto. Mesmo que ao seu lado eu parecesse uma criança. E eu também ficava feliz como aquela praia, assim como o Arpoador, eu sorria quando você entrava no carro. Ipanema toda esperava por você todas as tardes. O Rio de Janeiro inteirinho deveria ter seu nome, Carolina. Você deveria ser a rainha da Mocidade todo carnaval. Você era o carnaval do grupo, Carolina.

Fevereiro, 1980

Sempre que eu e Beto percebemos que o carnaval havia queimado nosso corpo inteiro, normalmente nas terças-feiras de carnaval, vamos até o Arpoador. Na verdade vamos até lá quase todo dia. Nunca vimos muita gente por ali durante a semana, mas naquela terça havia muita gente. Havia cangas coloridas esticadas na areia, e afinal, era carnaval, e o Rio é de todos. Assim como as cangas, as pessoas eram todas coloridas, as energias deste lugar sempre foram boas, e nesse dia ainda mais.

Nas quartas depois do carnaval eu percebia que a agenda telefônica de casa se enchia com mais 10 números, e eu adorava ter com quem sair sempre. A coincidência é que depois de dois minutos pensando nisso Beto diz "Oi" para uma menina que eu nunca tinha visto, e que seria um novo contato na agenda telefônica. Menina com cara de ter o sobrenome difícil, notando apenas os olhinhos puxados da mesma eu pude palpitar sobre isso.

"Carolina! Já que você não perguntou como eu me chamo ainda", diz ela animada com um sorriso largo no rosto; é claro que eu não pude deixar de sorrir, ela acabou de deixar a praia com uma energia melhor ainda. "Francisco, e já que você foi simpática, só Chico", digo eu, e agora me lembro vagamente de Beto conversando comigo sobre ter ficado com uma menina com características similares às dela. Carolina se senta junto à nós e fica olhando para a água como se fosse um garoto bonito. Eu não sabia se era certo permanecer ali enquanto eles eram uma espécie de casal que não era um casal - eu saí dali com minha Marta e deixei o sal do mar molhar meu corpo quente e cansado. Por hoje decidi não surfar, só me sentei na prancha e olhei para o horizonte.

Os relacionamentos casuais de Beto me confundiam, ele nunca me falou sobre se apaixonar de verdade por alguém, na verdade nenhum de nós dois costumávamos falar sobre paixão. Acho que nenhum de nós pensávamos em nos apaixonar, com dezesseis anos, só queríamos ser livres.

Julho, 2018

Me lembro de você achando fofo toda vez que eu chamava Marta de Marta, dar nome a coisas inanimadas era meu forte "Ela é loira com mechas vermelhas", dizia você sobre a cor da prancha. Eu me lembro muito desse dia, Carolina, quando eu cheguei em casa anotei seu número na agendinha marrom que ficava em meu criado mudo. Beto e você... no começo eu pensava que depois de uma semana vocês estariam juntos como um casal de verdade, mas eu acho que vocês nunca nem chegaram a se apaixonar um pelo outro.

Beto era o mais engraçado de nosso grupo, ele nunca deixava nossas expressões ficarem tediosas, e você, Carolina, era a responsável pelos assuntos mais tediosos, nós tínhamos dezesseis anos e você vivia falando sobre revolução - para jovens que só queriam ir à matinês e fugir de casa - você era a mais inteligente, a única que lia Balzac e falava sobre a luta das minorias. Eu admiro muito isso, Carolina, mas eu não sei nem onde você mora mais, ou se envelheceu como eu, se continua com a mesma essência.

Fevereiro, 1980

Carolina chamou todo mundo para ir em Copacabana de noite, porque estaria vazio. Levei Beto de carona, mas quando me dei conta, um carro minúsculo como o meu, no qual cinco lugares ficava apertado para quatro pessoas, couberam sete. Nunca imaginei que seria tão quente, mas não poderia esperar menos de um fevereiro no Rio, nunca imaginei que Copacabana pudesse ser tão longe como foi nesse percurso. A cada curva eu recebia um chute dado pelo banco de trás, a cada quebra-mola eu levava um tapinha no rosto. Depois que eu desci do carro e senti o mínimo de um vento fiquei aliviado. Não era certo ficar na rua até tarde, mas Carolina é a menina mais louca que eu já conheci. Ela diz que fevereiro é como a vida, curto demais para aproveitar o carnaval e ter tempo de descansar depois.

Carolina tinha um maiô verde que parecia feito para ela, enquanto ela desfilava pela areia procurando conchas, eu e os meninos ficamos decidindo se entrar no mar com a maré alta e com tanta agitação seria uma boa, e por fim decidimos que era melhor esperar até amanhã. "O mar vai sempre esperar por nós", diz Carolina com os olhos brilhando com as conchas nas mãos; ela se sentou na areia e ficou calada, com jeito de quem queria falar alguma coisa. "O que você quer?" - Beto diz quebrando todo o clima dramático que ela provavelmente programava fazer. Ela não responde, mas de repente os dois se levantam e vão para um lugar não tão distante. Todos sabíamos que eles só queriam ficar juntos sozinhos.

Depois das 22 horas não se podia ter gente na rua, então às 21 horas Beto e Carolina chegaram para podermos ir embora. Deixei todo mundo em casa e a última foi ela, e eu tinha certeza que queria falar sobre o que aconteceu mais cedo, por mais que todos nós tivéssemos visto eles apenas conversando.

-- O Beto é legal, não é? - ela começa a falar e eu sabia que não iria parar mais. Concordo porém não digo mais nada - ele me trata bem. Chico, eu pareço estar gostando dele? Porque eu não quero que ele se sinta obrigado a sentir alguma coisa por mim, porque eu também não sinto

Ela parecia depositar confiança demais em mim, e eu gostava disso. Carolina era sempre muito sincera.

-- Ele não vai, Carolina, além do mais, Beto é lerdo demais para perceber sentimentos, se você diz que não os sente, ele vai perceber menos ainda - mas eu sou um péssimo conselheiro, sei apenas ouvir muito bem.

Deixei ela em casa e com toda simpatia do mundo ela me beija na bochecha e agradece por tê-la escutado e trazido em casa.

Carolina era demais para Beto, mas Beto era um garoto bacana e muito bom para Carolina.

Flores de Julho em Seu CabeloOnde histórias criam vida. Descubra agora