Está deitado, olhando para o teto, com somente a luz da janela entreaberta, com os sons dos carros e a congelante madrugada. Com a exclusividade de si só, com a dor pesada no peito e a confusão de não entendê la.-O que é?
O que pode ser?
-molhado?
Não, viscoso, quente, parece tomar conta de todo quarto, deixando ele inundado e escorregadio.
Levanta, cai.
Se apoia nos móveis,mas está tudo sendo derrubado.
-hã?
Uma faca grande, uma daquelas que o açougueiro usa para cortar a carne ensanguentada, nojenta no balcão que um dia talvez fosse branco.
Se vê no espelho.
(Desespero)
-n-nã…
Esfaqueado!
Bem no coração, parece atravessar o peito, abre a boca mas sem som para sair.
O que diria?
O que poderia fazer?
Escuta uma voz, doce, amargamente doce, delicada e específica demais.
Estirado no chão olha para a parede, onde só vê a silhueta de um homem, aquele homem.
O homem jujuba, com aquela pele grudenta, com os cabelos melecados, com aquele sorriso aberto até as orelhas, com a sua voz grave e doce, sinistramente doce.
-com licença, mas acho que tem um peito na minha faca!
Se aproxima, ele quer sua faca de volta.
Mas e se tirar? Você morre?!
Você não queria isso? Não era isso que desejava a madrugada? NÃO ERA ISSO?
Pois bem!
Aí está ele, doce, lindo, delicado, do jeito que sempre desejou!
Puxa sua faca do seu peito, e sente cada centímetro dela saindo bem devagar, ardendo, rasgando ainda mais a sua pele.
-o que foi meu bem? Não gosta do meu carinho?
Oooo, me desculpa, pensei que te agradava todo esse meu doce.
Desesperado ainda mais, tenta se arrastar de volta para a cama.
-deixa que eu te ajudo nisso, meu querido!
É puxado pela camiseta, jogado contra a parede, o homem jujuba aperta sua ferida com o dedo indicador e ao poucos vai enfiando mais.
Onde você sente a dor mais agonizante que um ser humano pode sentir e continuar vivo, onde olha bem nos olhos brilhantes e fofos do homem jujuba, onde você sente o desejo dele de matá lo, onde fica bem claro que sua noite não passará dessa.