Capítulo 1/2

285 12 222
                                    


TW: Violência, tentativa de suicídio e termos homofóbicos

-
Era mais um dia de trabalho naquele bordel fedorento, de uma noite pouco dormida e que já tinha que limpar o local para que de noite estivesse o mais apresentável para os mesmos clientes. Madame Julieta era muito rígida e queria que até a hora do almoço o salão já estivesse varrido, limpado as bebidas e vômitos, além de móveis lustrados, pratos e copos lavados para mais tarde. Não era o ambiente mais bonito e luminoso de São Paulo, mas era um dos poucos na Augusta que faziam tudo o que seus clientes quisessem. "Se tem frescura, caçe em outra rua", era o lema de Madame Julieta.

Luccino intercalava movimentos da vassoura e fumar, seu rosto expressava o estupor que estava experienciando, e olhava para Mariana e Lídia conversando animadas sobre algo que ouviram no rádio, e como a ditadura militar tinha aumentado a procura dos militares pelos seus serviços, Lídia relembrando da vez que a esposa de um tenente brigou com ela naquele mesmo salão e que a moça, apesar de franzina e baixa, quebrara dois dentes da chifruda. Eram histórias comuns por ali: todos os rapazes e moças que trabalhavam ali sabiam a vida que teriam, e as possíveis consequências de se envolverem, mesmo que só sexualmente, com pessoas importantes e comprometidas.

Talvez Luccino tenha escolhido essa vida por querer ser quem era; preferiu viver no único lugar onde militar algum entraria para prender alguém (só se fosse algum fetiche dentro do quarto) do que se obrigar a fingir uma performance mais masculina ou se casar com uma mulher e ter que cumprir todos os ritos nupciais, inclusive transar excessivamente para que sua tola esposa tivesse o milagre de engravidar. O pouco de decência que existia dentro dele não o deixou enganar moça alguma em detrimento da sua liberdade, pois se assim fosse, ele se juntaria a horda de maridos enjaulados no armário que vinham escondidos no meio da noite para satisfazer seus reais desejos.

A noite chegou com tanta demora que todos agradeceram pela escuridão. Durante o dia, o bordel era sem graça, todos estavam cansados e as bebidas só estavam liberadas pela noite, o que era chatíssimo, pois a única maneira que conseguiam esquecer a vida de merda que tinham era quando estavam bêbados. Mas já era noite, então...

-Mãos a obra, meninos e meninas! – exclamou Madame Julieta. – Temos corpos para satisfazer e dinheiro para pôr no caixa!

-Ela fala assim porque ela só precisa se deitar com o Doutor Aurélio, e isso por vontade própria. – comentou Camilo, com desprezo, após sua chefe sair do quarto onde todos se arrumavam. – Ontem tive que me deitar com uma mulher. – Camilo fez uma expressão de profundo nojo e colocou a língua pra fora. – Foi um nojo. Pensei em você o tempo todo, Ernesto.

-Eu não me importo de dormir com mulheres, inclusive ontem veio uma princesinha chamada Ema aqui... – Ernesto mordeu os lábios. – Pediu para que eu lhe chamasse de "baronesa" durante o sexo. Não entendi, mas tudo bem. – ele nem notou a cara de ultraje que Camilo fez ao ouvir o relato, mas este virou-se para Luccino, com uma expressão mais amena.

-Luccino, você está realmente delicioso hoje. – Camilo disse para o rapaz que estava sentado ao seu lado, e Camilo pegou um pouco de glitter que tinha na penteadeira a frente, colocou em sua mão e passou no peitoral de Luccino, que riu.

-Camilo, já te disse para não dar em cima de Luccino, oras!

Camilo e Ernesto trabalhavam no bordel, mas mantinham um relacionamento entre eles. Bem que tentavam não serem ciumentos um com o outro, mas a infantilidade de Camilo e o temperamento explosivo de Ernesto faziam com que isso fosse quase impossível. Mas eles eram um modelo para alguns, inclusive para Luccino, pois ele não conseguiria namorar alguém e estar nessa profissão.

-Ontem aquele esquisitão veio de novo, e ficou me vendo trocar de roupa e dormir. – sorriu debochada Mariana, tampando seus seios com um colante apertado e brilhoso.

Alma Sebosa {song fic}Where stories live. Discover now