Uma cidadezinha qualquer

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Assim que o dia amanheceu, a pequeníssima cidade se deparou com uma algo inesperado: uma árvore azul vibrante havia nascido bem no meio da única praça daquela cidadezinha. Claro que uma árvore com flores azuis chamaria a atenção de qualquer um que a olhasse mais de perto, contudo, aquela árvore não tinha apenas as folhas azuis: ela inteira era terrivelmente azul. Suas folhas, seu caule, raízes, até a seiva, tudo resplandecia de forma chamativa, em meio a um sol ardente que começava a nascer.

Houve até quem dissesse – tempos depois, quando a tempestade já havia passado - que o contraste rosado da aurora com aquele azul criara uma paisagem única, tocante. Na verdade, era como se alguma criança travessa tivesse, durante toda a noite, pintado à mão cada cantinho daquela planta mais do que exótica.

Como era típico em todas as cidades pequeninas, logo aos primeiros raios da manhã, alguns moradores saíram de suas casa, fosse porque queriam "tomar a fresca", fosse porque desejavam o quanto antes iniciar o ritual diário de varrer a calçada, ato usado como uma desculpa aceitável para se observar a vida alheia ou puxar um "dedinho de prosa" com o vizinho.

Assim, de forma totalmente inesperada, uma senhora no auge de seus 76 anos, trajando um festivo vestido floral, foi cuidar de seus afazeres diários em seu pequeno, mas pungente jardim, quando se deparou com aquela árvore mais do que vistosa. Embasbacada, mais do que depressa ela correu até a casa vizinha. Sua amiga, tão florida como ela, acudiu prontamente ao portão, afinal, já estava acordada fazendo o café. E tal como a primeira senhora, a segunda também ficou bastante impressionada, demonstrando isso com um sonoro "Minha Nossa Senhora Aparecida".

Ao mesmo tempo, alguns outros moradores da cidade já estavam parados diante da enormidade azul, com olhos arregalados e a boca escancarada. Jamais imaginaram ver algo do tipo. Em pouquíssimo tempo, o canal mais efetivo de notícias em cidades pequenas, a boca pequena, transmitia o fato absurdo que, de um dia para o outro, tinha, literalmente, brotado do chão.

Obviamente, a população se reuniu no entorno da misteriosa árvore azul. Como era possível que aquilo tivesse acontecido de um dia para o outro? Em uma cidade pequena como aquela, ninguém vira nada? Os murmúrios voavam de boca em boca e de ouvidos em ouvidos.

A população sabia muito bem sobre o que estava falando. A cidade era minúscula, incrustada entre montanhas que escondiam o vilarejo. Lá, não eram necessários telefones, porque as notícias se espalhavam com o vento. A população não via também a necessidade de relógio, porque a Igreja marcava as horas, com o badalar dos sinos.

Nada do que a sociedade considerava fundamental para a sobrevivência chegara na cidade. Ninguém tinha celular, poucos conheciam ou utilizavam a internet e todos os aparatos modernos que se viam nas casas de habitantes de grandes cidades lhes eram quase que desconhecidos.

Mas ao contrário do que se pode pensar, os habitantes da cidade não se incomodavam em viver em meio ao passado. Antes, se orgulhavam - e muito - da paz que reinava no lugar. Todos se conheciam e o sossego emanava por entre as casinhas baixas e ruas de paralelepípedos, onde os vizinhos costumavam se sentar para conversar. Não havia pressa, não havia desespero para nada.

É sabido que em lugares assim, as notícias correm como fogo em rastro de pólvora, logo, em pouquíssimo tempo, o prefeito, o qual estava tranquilamente acomodado em sua cadeira na mesa de jantar, tomando um ovo quente no café, estava sendo avisado da novidade.

O prefeito exercia aquele cargo há muito tempo, porque reelegia-se sempre e com facilidade. Contudo, muitos podem pensar que isto fazia dele um canastrão, que na verdade desejava explorar o povo que tão fielmente acreditava em sua pessoa. Longe disso, o prefeito era um homem honesto, trabalhador e, principalmente, que amava profundamente sua cidadezinha. Acima de tudo, ele era um administrador econômico e, como não havia grandes gastos, sempre havia dinheiro em caixa, algo que deve ser considerado não como economia, mas milagre.

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