Precisamos Conversar

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"Não nos vemos faz tempo, não é?"

"É, já faz um bom tempo mesmo..." respondeu sentando-se à mesa.

Foi assim que aquela longa tarde começou. Precisavam resolver pendências, enfrentar tudo aquilo de cabeça erguida como gente grande. Sequer se lembraram de quem foi que começou, mas ao menos um fim precisavam dar àquilo sem culpar ninguém. Afinal, a relação deles era como uma faca de dois gumes e soltá-la ao mesmo tempo foi a melhor opção, além de darem tempo para as feridas se fecharem a ponto de conseguirem tocá-las sem chorar.

Mas por que era tão difícil se lembrar daquele tempo sem cair num eterno abismo de más lembranças?

Lembrou-se da escola e de quando costumavam a andar juntos. Muitos diziam que eram opostos atraídos pelo destino convivendo harmoniosamente até o surgimento da primeira piada vinda por parte da turma, transformando-se na primeira piada vinda por parte de seu melhor amigo depois de um tempo. Cada um tinha seu talento, não havia porquê um tentar diminuir o outro para pessoas que sequer se importavam consigo. Começar a ser comparado lhe faz ter um sentimento de perda de identidade; você nunca é ninguém, você nunca é você, você sempre é alguém que nunca vai ser você. E se isso já machucava seu coração, imagine ser inferiorizado, rebaixado, jogado no fundo do poço até por quem você mais confiava? Foi o que começou a acontecer quando o outro começou a concordar e rir das brincadeiras de mal gosto feitas pelos colegas de classe.

Isso machucou tanto seu peito que começou a pensar se era realmente assim. Foi ficando pequeno, miúdo, minúsculo, insignificante... Até descobrir o poder de sua reação.

Por que não? Se ele podia lhe achar inferior, por que não poderia achá-lo idiota por não conseguir fazer nada sozinho? Começou a revidar, finalmente estava crescendo. Afinal, quem gosta de gente sensível? Ficaram por anos brincando nessa gangorra emocional, um deixando o outro para baixo até ficar lá em cima, tocando os céus para depois ser obrigado a descer e se esforçar para subir de novo.

Até que alguém caiu.

E a gangorra parou.

A brincadeira acabou.

O machucado foi feio.

Foi ao médico,

E depois nunca mais brincaram novamente.

Algumas vezes se lembravam de como era bom ficar juntos, como era bom rir com seu amigo e ter alguém para conversar. Seus novos problemas começaram ali: com quem iria rir? Com quem iria conversar? Com quem iria ficar junto feito carne e unha?

Precisavam voltar a se falar urgentemente.

Mas se lembrou que ele feriu seus sentimentos várias vezes.

Não iria voltar nunca mais.

Depois disso, o resíduo tóxico daquela relação continuou percorrendo seus corpos, atormentando suas cabeças com péssimas lembranças. Sempre estava lá no chat alheio, pronto para mandar uma mensagem de "bom dia", "boa tarde", "boa noite", "boa madrugada", "sinto sua falta"... Mas apagava depois de retomar a consciência. Salvavam fotos para mostrar um ao outro no dia seguinte, como sempre faziam, porém se lembraram que não tinham o outro para ver a mensagem. Com quem iria fazer o trabalho em dupla agora?

Até mesmo quando conseguiram novas amizades tentavam voltar atrás ao pensar em como seus amigos eram diferentes dele. "Ele fazia isso desse jeito, não daquele." "Você gosta de café? Ele não gostava tanto, só se fosse com bastante açúcar..." Como iria dar um passo à frente com os pés se sua mente só andava para trás?

A Conta, Por FavorWhere stories live. Discover now