Cereais coloridos e leite.
Não havia nada melhor que cereal, leite e fotografias para uma madrugada de outono.
Uma coisa boa em meio aquele mundaréu de negatividades que explicavam a insônia, era a brisa da madrugada isolada, surrupiando o calor do quarto, assim que a janela era aberta em um ímpeto de impaciência; sempre me considerei uma pessoa tranquila, mas naquelas circunstâncias, não havia métodos eficazes para manter a calma, principalmente quando tudo que deveria ser feito, como deitar e fechar os olhos, estava sendo coagido por diversos pensamentos e ideias.
Não é justo que no meio da noite, eu tenha ideia para composições, estórias, pensamentos sobre meus micos em 1999, músicas que o nome me era vago, e uma vontade incontrolável de brincar com lego. Meu Deus, por quê? Sequer tenho lego, aquelas peças de plástico colorido me traumatizaram ao prender em meu calcanhar.
Em noites como essas, eu correria para buscar abrigo entre os braços de uma certa pessoa, em específico, uma levemente menor que eu, com tatuagens nada discretas em sua pele alva, e uma risada resplandecente. Contudo, onde estava a minha coragem? Aquela que me fazia andar pela casa sem acender as luzes, não servia para balançar levemente o ombro de YoungJae e despertá-lo do encanto de Morfeu, eu sabia que poderia fazê-lo, que ele não ficaria chateado, e que, na verdade, daria um sorriso retangular aceitando a labuta que era namorar com um morcego.
Choi YoungJae não se caracterizava com qualquer outra pessoa que deva existir, não há palavras que pudessem descrevê-lo, pois como eu disse, nada era igual. Ninguém conseguiria ter uma risada tão contagiante e histérica, daquelas que se unem a um agrupamento de tapas em meu ombro; ou uma voz macia que conseguia ir do grave, ao mais aveludado dos tenores, suas manias e seus trejeitos construíam uma imagem controversa e bonita que todos poderiam ver, se tivessem esforço, é claro. Ninguém pode olhar as estrelas, sem esperar o anoitecer, né? Ou o nascer do sol, sem perder uma noite de sono. Sejamos coerentes.
A noite soava muito melancólica, os barulhos do canto das cigarras, o ventoral estava úmido pela chuva outonal, trazendo consigo o clima agradável e confortável. Eu poderia dormir, se a minha mente não estivesse alarmada.
Em busca do que fazer, passei a mexer em minha mochila largada no tapete, encontrei papéis de anotações, cartuchos usados e minha câmera Polaroid; fotografias tiradas em momentos diferentes, simples paisagens do amanhecer, daqueles dias que o lábaro me presenteava com uma visão tão bela, como recompensa pelas horas acordado. Eu gostava de fazer aquilo, ajustar a lente e capturar um cenário eternamente, mesmo que nem todos conseguissem sentir o sentimento por trás de cada click, valia a pena, se tornava meu pequeno e valioso tesouro, assim como algumas que revelavam ângulos diferentes de YoungJae.
Pois é, meu universo rodeava envolta daquele procedente de mokpo, que porventura, tinha uma áurea gostosa de registrar; sua pintinha debaixo do olho era charmosa ao meu ver, principalmente naquela última foto da pilha de cartuchos, uma onde, distraidamente, o Choi sorria com sua cadelinha de estimação – uma bolinha de pêlos macios e brancos feito... coco. Sua silhueta fotogênica era iluminada pelo final da tarde, e, mesmo com seu rosto avermelhado pelo tempo que ficamos passeando com a maltês, era lindo, remetia tantas emoções calorosas e familiares.
E eu? Bem, eu gosto mais de gatos, mas adorava o estilo de vida boêmia que levávamos em nosso pequeno apartamento, tínhamos algo só nosso, pessoal demais para ser mantido a distância; e quando eu recepcionei a primeira viagem de YoungJae para Seul, que não foi para me ver, e sim para cursar música, soube que não poderia de forma alguma deixá-lo ir embora; deixar que nosso universo particular se resumisse em simples lembrança.
— O que está fazendo acordado? — O timbre rouco de sono soou bem próximo ao meu ouvido. Assim que me virei, encontrei olhos sonolentos e profundos. Tentei fazer silêncio por estar sentado ao lado da cama que partilhamos, mas pelo visto, não havia sido o suficiente para zelar pelo sono de YoungJae.
— Já sabe, não consegui dormir, então vim ver algumas fotografias. Lembra desta? — Ao erguer o papel fotográfico, o mesmo apanhou com cuidado. Creio eu, que ele partilhe comigo aquele apreço por lembranças congeladas.
— Esse dia foi um desastre, o guia da coco partiu duas vezes, e ainda perdemos o metrô.
— Que pessimismo, Jagiya. — Conseguia ver sua expressão descontraída, um sinal de que só estava brincando enquanto analisava seu próprio retrato. Aquele pronome saia naturalmente agora, mas há alguns anos atrás, era difícil não ser afetado pela pronúncia, e pelo significado adorável. — Veja por outro lado, foi uma ótima tarde.
Ah, sim, somando cada natal e aniversário de namoro que passamos juntos, consolidava quase seis, incríveis, anos.
— Comemos muita pipoca, não quis ver milho por muito tempo. — Ajoelhou-se em minha frente, com uma risada baixinha e contivel; recolhendo as fotografias.
— Desculpa por ter lhe acordado, já são... Céus, três e quinze. — Meu espanto foi sincero ao pegar meu celular na cama e verificar o horário, foi difícil ignorar o sentimento de culpa por atrapalhar o sono alheio, principalmente por YoungJae ter que acordar em poucas horas. Ocios da vida adulta.
— Está tudo bem, nunca me importei com isso, bem, vamos arrumar algo para lhe tranquilizar.
O significado por trás daquela frase era óbvio para mim; meus ouvidos foram aperfeiçoados para entender o tom insinuante, porém, quase materno que YoungJae usará; segurando minhas mãos e me tirando do chão. Nossas meias deslizavam um pouco enquanto vagavamos para a cozinha, que só se difundia da sala, por causa do balcão de mármore.
Esticando-se aqui e ali, ele retornou até a pequena mesa de dois lugares, com um par de colheres, uma única tigela amarela e uma caixa com um pelicano decorativo, emblema daquele cereal colorido e açucarado. Aquele era um pequeno ritual entre nós, enquanto YoungJae retornava com outra caixa, essa contendo leite gelado e uma vaquinha mimosa.
— Voilá, existe jantar mais romântico? — Dizia ele ao misturar o cereal com o leite.
Logo estávamos sentados, a luz branca azulada da cozinha sobre nossas cabeças, enquanto ele levava a colher até seus lábios pálidos; o leite aos poucos sorvia a cor dos cereais, tornando-se uma mistura, convenientemente, homogênea em um tom amarronzado, assumo que por um bom tempo, apenas observei-o comer os flocos crocantes, até passar a me alimentar de fato daquele "jantar romântico", preparado pelo mais novo.
Todas as noites seguiam daquela forma, quase um padrão cronometrado e secreto; nos dois desvelados pelo sono, escapamos do calor dos cobertores e no meio do breu infinito, o enlace de dedos se formava ao cruzar as mãos, um arrastando o outro para a cozinha. Mesmo que eu não ficasse sonolento logo após, minha mente estabilizou-se em uma única cena, e ela se repetiu em minha cabeça enquanto voltávamos para a cama, deitados um de frente para o outro.
Cereais coloridos, leite e um pouco de YoungJae melhoravam qualquer madrugada, ao menos valeu a pena ficar acordado até tarde novamente.

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Cereais coloridos e leite.
FanficNão havia nada melhor que cereal, leite e fotografias para uma madrugada de outono. [Yaoi]