Parte 1 - Ellen

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Enquanto seguia o caminho que já me acostumava fazer para empresa, permiti que meus pensamentos passeassem, saindo dos dias atuais, até uma infância em que eu não estava sozinha, que tinha alguém para cuidar de mim. Não poderia dizer que não sentia falta, especialmente quando estava em casa, após fechar as portas, era como me confinar numa gaiola.

Voltei a realidade quando cheguei ao prédio, observei a fachada deste. Eu amava arquitetura, as varandas saindo do prédio sempre me faziam suspirar, as imensas janelas de vidro davam a lugar uma sofisticação que eu amava. Me apressei a entrar e subir para o escritório.

— Japa? — A voz do meu amigo me chamou empolgada.

Nunca vou entender a razão pela qual as pessoas chamam qualquer um com olhos puxados de "Japa".

— Oi Elton — respondi sem o seu bom humor.

— Quer sair após o trabalho? É sexta à noite e sinto que este dia não será comum, todos precisaremos de uma bebida no final.

— Por que diz isso? — Ele não teve tempo de me responder.

— Ele chegou! — Disse alguém e todos ficaram de pé, sem entender exatamente o que estava acontecendo, permaneci arrumando minha mesa.

— Bom dia Sr. Jordan! — Ao ouvir o sobrenome, arrependi-me de não ter virado antes.

O CEO viera a nossa sede pela primeira vez, desde que comecei a trabalhar ali um mês antes. Eu nunca o tinha visto e agora sentia que o silêncio que preenchia a sala era minha deixa para virar-me.

Quando o fiz, notei que ele me encarava. Meu coração acelerou com o nervosismo de estar sob aquele olhar.

Era um homem bonito, pele escura, cabeça completamente raspada, tinha ombros largos e seus olhos me estudavam de cima a baixo.

— Qual é o seu nome? — A voz dele soou baixa e eu não saberia dizer se estava irritado ou apenas tentava parecer um chefe ameaçador.

— Ellen.

— Ellen, conhece as regras da empresa?! Que tipo de funcionária vem para um trabalho como este, usando sapatilhas e jeans? Certamente demonstra que você não liga para o seu emprego — ele tinha um sotaque estranho que eu não consegui identificar.

— Não vai mais acontecer! — Avisei quando o silêncio se tornou insuportável.

Eu não iria dizer que, dias antes, tinha torcido o tornozelo e que por isso não poderia usar salto, afinal, não era da conta dele os meus problemas. Ergui uma sobrancelha questionando silenciosamente se havia mais alguma coisa que queria me dizer.

O homem seguiu para sua sala e fechou a porta atrás de si. O alívio foi evidente em todos após a saída dele, Elton questionou se eu estava bem e assenti, apesar de sentir um ódio terrível correndo-me os ossos. Sentei pesadamente na cadeira, o que me levou a receber diversos olhares da equipe em volta.

Voltei à planta que deixei semipronta no dia anterior, prendi meus cabelos para trás os tirando dos meus olhos. Não havia nada que eu pudesse fazer ali além do meu trabalho, com certeza não poderia esganar o meu chefe.

Deixei minha mente mergulhar no trabalho, sem me importar com o burburinho de mulheres dando risos baixos próximas demais a mim, minhas costas reclamavam da posição curvada que eu estava usando e sentei reta por um instante, encarei o relógio na parede, eu estava trabalhando há horas. Estava perto do horário de almoço e meu estômago rugia como um leão furioso.

Não consegui me concentrar no trabalho nos minutos que se seguiram, olhava sempre para o relógio, implorando aos ponteiros que girassem mais rápido. Quando meio-dia chegou eu quase pulei da cadeira, mas a secretária bonitona do nosso chefe me mandou apresentar o projeto ao "Sr. Jordan", a voz empolgada da mulher apenas me deixou mais irritada.

Ela é o Diabo (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora