Parte III

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CONFORME MORTEN A AJUDAVA A DESCER PELO PORTAL, O colorido presente em Claire e em suas vestes, aos poucos, se esvaia. A impressão que dava era que as cores escorriam pelo seu corpo, como quando a tinta escorre pela parede sempre que é jogada em grande quantidade contra ela, deixando um rastro preto e branco e transformando-a em mais um personagem da história que, até a um instante, estava lendo.

A sensação que lhe acometia era estranha e seria amedrontadora se as mãos fortes que envolviam gentilmente sua cintura não lhe transmitissem segurança. O calor que emanava de Morten fazia com que o coração de Claire batesse mais forte do que o normal.

Só que ainda havia um resquício de medo em si por estar, literalmente, dentro de uma revista em quadrinhos, mas, contraditoriamente, ela também se sentia maravilhada. Era como se estivesse realmente no Watkins Glen International.

— Isso é incrível! — exclamou ela, levemente atordoada. — É como se estivéssemos... sei lá... em um tempo paralelo. De certa forma, são duas Nova Iorques idênticas, contudo...

— São completamente diferentes entre si — completou Harket.

— Como isso é possível? — indagou ela, parando ao lado da moto dele, em uma curva. A reta que se seguia a sua frente levava a um túnel precariamente iluminado.

— Não faço ideia — confessou ele, encostando-se na moto e cruzando os braços sobre o peito. — É como se esta Nova Iorque estivesse em um espaço-tempo paralelo à sua. Acho que a única ligação que há entre as duas Nova Iorques, a sua e a minha, são os portais espalhados por ela. — Ele fez um gesto com a cabeça indicando a cerca de segurança ao lado da entrada do túnel a poucos metros de onde estavam. Entre as telas havia uma espécie de espelho. A impressão que dava era que os vidros se fundiam as telas, tornando-se um só. — Alguns portais são mais fáceis de serem identificados do que outros. E eles só abrem passagem para a sua cidade quando querem. É como se... possuíssem vontade própria — explicou ele ante o cenho franzido de Claire.

Harket sabia perfeitamente que havia pessoas que não acreditavam nos portais espalhados pela cidade e nem que ela estava em um espaço-tempo paralelo. A descrença dessas pessoas exasperava-o. Como não enxergavam algo que estava bem na frente delas?

— Você pode passar para o outro lado? — perguntou Claire, analisando de perto o portal. Ele lembrava-lhe os vitrais espalhados pelo Museu, só que, ao invés de possuírem cores e formarem desenhos, eles eram desprovidos de qualquer cor e ilustração.

— Não sei — respondeu Morten, aproximando-se. — Talvez sim, talvez não. Quem sabe? — Ele deu de ombros.

Claire voltou a analisar o portal com o cenho levemente franzido. Ele lhe passava a impressão de que era um espelho fundido à tela de segurança. Só que um espelho foi criado para refletir as coisas, e aquele não refletia absolutamente nada. Era difícil até mesmo de acreditar que ela chegara através dele.

— Tente o outro lado — sussurrou Harket.

A voz baixa e rouca em seu ouvido fez com que um arrepio de deleite percorresse seu corpo. Claire também sentiu um calor subir pelo seu rosto; sabia que havia ruborizado. E, enquanto passava pelo buraco aberto na cerca, com a ajuda de Morten, ela agradeceu aos Céus por ter se tornado mais um dos rabiscos da revista em quadrinhos, totalmente desprovida de cor, assim Harket não poderia ver o que ele fazia com ela.

Ao parar em frente ao portal, não foi o fato de Morten parecer extremamente sexy com os braços cruzados sobre o peito largo ou o sorriso torto que se formou em seus lábios que fez com que Claire arfasse, e, sim, o fato de ele possuir cores. Assim como ela possuía antes de chegar ali.

— Você...? Como...?

O sorriso de Harket se alargou e fez com que, por um breve momento, o coração de Claire perdesse o descompasso.

— O portal não é somente uma passagem no espaço-tempo que liga nossos mundos.

Claire sorriu encantada com a visão de Morten. Seus cabelos eram castanhos escuros como uma barra de chocolate meio amargo; seus olhos eram azuis como o manto do céu noturno e possuíam um brilho indescritível. Ele era lindo!

De certa forma, a visão de Morten lembrou-lhe de uma pintura que restaurara há alguns meses, onde um jovem cavalheiro se despedia de sua amada, pois fora convocado para o exército de sua majestade. O quadro, cujo autor era desconhecido, fazia menção a uma lenda da antiga Escócia, e era uma de suas histórias favoritas.

— Você está bem? — perguntou ele.

Claire teve um pequeno sobressalto. Não percebera que mais uma vez devaneara e, muito menos, notara a aproximação de Harket.

— E-Estou — respondeu ela, encabulada, colocando uma mecha de seu cabelo atrás da orelha.

— Você é linda, sabia?! — declarou ele sem se conter.

Ele estava perto. Tão perto que Claire sentia seu aroma, uma mistura de seu perfume levemente almiscarado, graxa e algo só dele.

Morten tocou o queixo dela e, gentilmente, levantou seu rosto. Queria olhar nos olhos dela e se perder em sua profundidade.

— Eu preciso ir — sussurrou ela. Não conseguia desviar seus olhos dos dele, do mesmo jeito que não conseguia acalmar as batidas descompassadas de seu agitado coração.

— Não, não precisa — contestou Harket, acariciando os lábios dela com o polegar.

— Vão sentir minha falta.

— Fica — pediu ele, roçando seus lábios nos dela. — Fica comigo.

E pela primeira vez em anos, Claire não conjecturou ou pensou nos prós e contras e nas consequências que sua decisão causaria.

Ela ficou.

  🏁 🏁 🏁  

A CAFETERIA NÃO ESTAVA TÃO CHEIA NAQUELA NOITE FRIA DE outono, mas também não estava vazia. Algumas poucas pessoas decidiram se refugiar ali para tomar uma xícara de café quente e comer alguma coisa, enquanto esperavam a garoa fina e gelada passar.

Rose, a dona do café, estava acostumada a atender todo o tipo de cliente: desde os mais... normais até os mais exóticos, indo dos mais simpáticos até os mais rabugentos. Contudo, o que a tirava do sério era quando um cliente dava uma de sabichão e ia embora sem pagar a conta.

Rose ficou possessa quando reparou que a loira — cujas mãos estavam manchadas de tinta — fora embora sem pagar a conta.

― Isso é um ultraje! ― exclamou ela, tremendo de nervoso. ― Onde já se viu...?!

Rose amassou a revista em quadrinhos que a jovem estava lendo e a jogou na lixeira, atrás do balcão.

  🏁 🏁 🏁  

Oi, pessoas!

Peço mil desculpas pela demora com a publicação da parte três. Meu pai fez aniversário esses dias e a gente estava se ajeitando aqui em casa para fazer alguma coisa para ele. Além do mais, ele também decidiu ir pescar, e mamis quis aproveitar a deixa que iríamos ficar sem homem em casa para fazer aquela faxina. Passei dois dias com dor no corpo haha

Mas, como vocês já sabem, antes tarde do que nunca \o/

E aí, o que acharam dessa terceira parte? Confesso que tive um pequeno surto com esse primeiro encontro deles  ♥.♥

A parte quatro sai logo logo. E aconselho a prepararem seus coraçõezinhos, teremos briga...

Take On MeOnde histórias criam vida. Descubra agora