Capítulo I • Splendor

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A placa verde e pérola fincada no chão avisa que cheguei ao meu lastimoso destino: Splendor - uma pequena cidade a oeste de Washington. O céu aqui é quase constantemente coberto por nuvens e chove mais do que qualquer outro lugar do país. Foi nessa cidadezinha encharcada que eu nasci. E era nela agora que eu me exilava. Uma decisão tomada às pressas e sem muita consciência. Eu odiava Splendor.

Odiava o clima, a umidade e o fato de praticamente todos se conhecerem.
Mas odiava principalmente a falta de lembranças que ela me trazia.
Mamãe me levou embora daqui com apenas um ano de vida. O casamento entre ela e meu pai não durou. Acho que isso explica tudo.

Aprendi, desde então, a amar o calor escandante e os dias de sol que Tucson proporcionava. O que me fazia compreender perfeitamente a confusão de meus pais com minha decisão. Eu nunca escondi que não gostava de Splendor.

As férias de verão costumavam ser uma tortura. Enquanto minhas amigas se alegravam em exibir o bronzeado adquirido na praia, eu fingia não me importar com o fato de voltar parecendo uma boneca de cera, pálida e infeliz. Cansada disso, aos catorze anos bati o pé e me neguei a voltar. Foi quando Mark passou a ir me visitar.

Ironia do destino, talvez, agora morarei na cidade que detesto por vontade própria e tempo indeterminado. Parece uma daquelas piadas ruins contadas fora de hora.

Mark, meu pai, estava me esperando no Aeroporto Internacional de Seattle-Tacoma, na cidade vizinha. Ele me deu um abraço meio desajeitado quando saí do avião, disse que eu não havia mudado quase nada desde o último verão e me perguntou como havia sido o vôo. Eu disse que tudo bem e sorri. Nós não somos nenhum exemplo de intimidade, mas foi uma boa recepção.

Mark está sendo bem legal em relação a toda essa história. Parece genuinamente feliz que eu vou morar com ele quase que permanentemente pela primeira vez. Ele já até me matriculou na nova escola.

Agora, estamos a caminho de sua casa, dentro da Chevrolet D-10, vermelha escarlate, barulhenta e com uma grande cabine confortável. Eu não sei explicar, mas me senti muito bem durante o trajeto. Algo como um bom presságio.

— E então, como vai Jane?

— Mamãe está bem. Mandou lembranças a você.

— Muito gentil da parte dela. — Ele sorri fracamente. Depois, sintoniza algo no rádio, uma música antiga que não reconheço, mas gosto da melodia. — É bom ter você aqui, Sum. Eu fiz algumas mudanças no seu quarto, acho que você vai gostar.

— Não precisava se incomodar, pai.

— Ora, é claro que precisava.

Sorrio.

— A chuva tem sido menos frequente, ultimamente, sabe? Chegou a fazer uma semana inteira de sol no mês passado.

— Isso é bom. Realmente bom.

Mark sabe que eu não gosto do clima daqui. Justificar a chuva foi amável.

Me ajeito no banco de couro preto e fico olhando pela janela em silêncio.
Do aeroporto para a casa de Mark leva quase três horas. Somando com mais três de viagem no avião, são quase seis horas em transição. Eu estou definitivamente exausta.

Com a cabeça encostada no vidro embaçado, contemplo Splendor. Mesmo debaixo de chuva, ela é linda. Isso é inegável. Tudo aqui parece ser verde: as árvores, os galhos pendurados e tecidos, formando um toldo gigantesco, o chão coberto por grama. É quase uma cidade alienígena.

Finalmente Mark estaciona em sua porta. Ele ainda mora na mesma pequena e charmosa casa de dois quartos que comprou com minha mãe logo que se casaram.

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