11 - O LEÃO RUGE

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Quando finalmente todos estavam acordados, Lúcia contou a história pela quarta vez. Nada podia ser mais desanimador do que o silêncio que se seguiu.

– Não consigo ver nada – declarou Pedro, depois de ter olhado tão fixamente que os olhos lhe doíam. – Está vendo alguma coisa, Su?

– Claro que não! – disse Susana, mal-humorada. – Pois se não há nada para ver! Ela anda é sonhando. É melhor você dormir, Lúcia.

– Só queria que vocês viessem comigo – disse Lúcia, com voz trêmula. – Porque... porque, se não quiserem, terei de ir sozinha.

– Não diga tolice – resmungou Susana. – Você sabe muito bem que não pode ir sozinha.

– Se ela tiver mesmo de ir, eu vou com ela – disse Edmundo. – Da outra vez quem tinha razão era ela.

– Sei disso – replicou Pedro – , e pode até ser que ela estivesse certa também hoje de manhã. A verdade é que aquela idéia do desfiladeiro foi um passo em falso. Mas... a esta hora da noite... E por que Aslam iria ficar invisível para nós? Nunca esteve!... Não é coisa dele! Que diz você, N.C.A.?

– Não digo nada – respondeu o anão. – Se todos forem, também vou. Se se dividirem, fico com o Grande Rei. Só assim poderei cumprir o meu dever para com ele e para com o rei Caspian. Mas, se querem o parecer de um anão ignorante, acho que não há grandes possibilidades de encontrarmos o caminho à noite, uma vez que nem de dia demos com ele. E não gosto nada desses leões milagrosos, que sabem falar mas não falam, que são bons mas não mostram isso, e que, ainda por cima, são enormes e aparecem de repente, e não há quem consiga vê-los. Para mim, isso tudo é lorota – na minha modesta opinião.

– Está batendo com a pata no chão para andarmos depressa – disse Lúcia. – Tenho de ir logo... pelo menos eu vou!

– Você não tem o direito de impor a sua vontade. Afinal, somos três contra um – declarou Susana – e você é a caçula.

– Vamos embora! – disse Edmundo, impaciente. – É claro que temos de ir; enquanto não formos, não ficaremos sossegados.

Estava firmemente decidido a apoiar Lúcia, mas a idéia de perder a noite lhe era incômoda; vingava-se então fazendo tudo com má vontade.

– Então, a caminho! – disse Pedro, com um ar cansado, passando o braço pela correia do escudo e colocando o elmo. Em outra circunstância, não deixaria de dizer a Lúcia uma palavra amável, mesmo porque era sua irmã favorita, e sabia também que ela não tinha culpa do que estava acontecendo. Mas, ao mesmo tempo, não podia deixar de sentir-se um tanto aborrecido com ela. Susana foi a pior.

– E imaginem se agora eu começasse a fazer a mesma coisa que Lúcia! Podia ameaçar de ficar aqui, mesmo que todos fossem embora. Acho até que vou fazer isso.

– Obedeça ao Grande Rei, Real Senhora, e vamos partir – disse Trumpkin. – Já que não me deixam dormir, tanto faz caminhar como ficar aqui conversando.

Puseram-se a caminho. Lúcia ia à frente, mordendo os lábios, dominando-se para não dizer a Susana tudo o que pensava dela. Mas, logo que encontrou o olhar de Aslam, foi-se a irritação. Ele avançava uns trinta metros à frente deles. Os outros tinham de guiar-se apenas pelas indicações de Lúcia, porque não ouviam nem viam Aslam. Suas grandes patas aveludadas pousavam na relva sem o menor barulho.

Aslam levou-os direitinho às árvores dançantes (se dançavam naquele momento é que ninguém sabe, pois Lúcia não tirava os olhos do Leão, e os outros não tiravam os olhos dela) e seguiu em direção ao desfiladeiro.

– Com mil bombas! – resmungou Trumpkin. – Espero que essa brincadeira toda não vá acabar numa escalada ao luar, com pernas e braços quebrados.

Príncipe Caspian | As Crônicas de Nárnia IV (1951)Onde histórias criam vida. Descubra agora