Onde está o eu de verdade?
Estou perdido e isso me mata por dentro
Estou paralisado.Eu tento entender como tudo chegou no ponto em que está.
Quando eu tinha quatro anos de idade eu sonhava com o futuro, almejava ser adulto ter a minha família, minha profissão dos sonhos, imaginava com uma bela farda vermelha socorrendo vidas, meus pais eram amorosos, sempre me diziam:
" — Natan, nunca perca o amor pelos outros, tem um mundo esperando por você lá fora."
Estou paralisado
Onde estão meus sentimentos?
Eu não sinto as coisas
Eu sei que eu devia.Quando eu tinha seis anos, meus pais me abraçaram e juntos me deram uma notícia que na época eu não entendia muito bem, eles iriam se separar, o motivo até então desconhecido por mim. Ao meu ver nós éramos uma família perfeita.
Estou paralisado.
Quando eu completei sete anos, bem no dia do meu aniversário, 04 de outubro, meu presente foi abraçar a minha mãe enquanto ela vomitava por todo o chão do banheiro.
Eu já sabia o motivo da separação, meu pai a traía e ainda a agredia mas na minha frente nós éramos um exemplo de lar.
Quando me tornei tão frio?
Quando me tornei tão envergonhado (ooh)
Onde está a pessoa que eu conhecia?
Eles devem ter deixado
Eles devem ter deixado
Com toda a minha fé.Com oito anos eu já tinha adquirido conhecimento em algumas coisas, por exemplo, eu sei o que é certo e o que é errado.
Na escola eu tinha apenas uma amiga, Mirela ou como eu a chamava de Mi.
Voltando para a linha de raciocínio, eu fui passar o fim de semana na casa do meu pai, soube que a cada noite ele tinha uma mulher diferente em casa.Lá vou eu com oito anos descobrir que ter laços sanguíneos não faz você, de fato, ter uma família.
E a nova mulher do papai me tocou de uma maneira vergonhosa, ele viu e apenas riu voltando a tomar a sua lata de cerveja.
Estou paralisado
Estou com medo de viver, mas estou com medo de morrer
E se a vida é dor, então eu enterrei a minha a muito tempo atrás
Mas eu continuo vivo.Com dez anos eu já perdi as contas de quantas vezes eu fui abusado, humilhado e agredido.
Saí da escola, meu pai gastava o dinheiro em bebidas e a minha mãe se afundava cada dia mais dentro de seu quarto.
Eu tive que aprender a me virar sozinho, teve dias que eu apenas comia um pouco de farinha misturada com água.
Eu lembrava do que meus pais diziam e os achava egoísta, mesmo sem saber o que significava de fato essa palavra, por que eu deveria amar o próximo se eles já não me amavam ?
Eu quero sentir alguma coisa, estou dormente por dentro
Mas não sinto nada, me pergunto por que.Quando eu tinha doze anos, não via mais sentido em nada.
Encontrei depois de dois anos a Mirela andando na rua e adivinha?
Eu nao senti absolutamente nada! NADA!Ela veio sorrindo na minha direção com seus olhos azuis me fitando em uma expressão que eu consegui identificar como surpresa, ansiosa e animada, mas eu olhei no fundo dos seus olhos e sai como se ela não fosse nada.
Por que era exatamente assim que eu me sentia, apenas sobrevivia um dia após o outro como uma pessoa sem valor.
E na corrida da vida o tempo passa por mim
Olhe
Eu me sento e assisto, com as mãos nos bolsos
As ondas vem quebrando sobre mim, mas eu só as assisto.Nos meus dezesseis anos eu me sustentava sozinho. Sem estudos, sem familia que me apoiasse e sem amor pela vida, vocês ja devem imaginar como.
Me envolvi com as drogas e a minha mãe morreu de depressão.
Eu não sinto, no seu enterro meu rosto era o mesmo.
Quando fui "morar" com o meu pai, o meu rosto continuava o mesmo.
Mas quando eu pego a LSD o meu mundo muda, eu sinto tudo.As cores vibram, a música parece dançar em volta do meu corpo mas como se fosse um castigo com alguém falando:
"— Natan, você não merece ser feliz."
Tudo desaba e eu tenho uma crise de pânico, ficando na agonia até o efeito da droga passar.
Esse é o único jeito que eu consigo por para fora toda dor.
Estou debaixo da água, mas me sinto como se estivesse acima dela
Estou no fundo e não sei qual é o problema
Estou numa caixa
Mas eu sou aquele que me trancou lá
Sufocando e ficando sem oxigênio.Atualmente tenho dezenove anos e me encontro bêbado, com os pés na areia, sim, estou na praia e só penso em pular na água e deixar as ondas me levar.
Não perco tempo, com um último gole da minha bebida, corro para a água desejando ser levado.
O primeiro impacto da água no meu corpo me deu calafrios mas não parei, continuei nadando para mais fundo.
Já não sentia meus pés..
Estou paralisado (sim, eu estou tão paralisado)
Onde estão meus sentimentos? (sim, estou tão paralisado)
Eu não sinto coisas (eu não tenho sentimentos).Eu achava que toda dor ia embora junto com a água mas estou paralisado, no meio daquele mar, pela primeira vez eu chorei e não foi por alívio.
— NÃO...
Meu grito sai arrastado, dolorido.
Uma onda quebra em cima de mim, me afundando e eu só conseguia engolir aquela água salgada que entrava pela minha boca e nariz.
Eu não deveria, mas toda a minha infância passou pelo meu rosto, parecendo um clichê de filme.
E mesmo em meio a todos os traumas e sofrimento, no meio daquele mar sufocando, eu percebi que meu corpo lutava pela vida.
E eu soube que não queria morrer mas já era tarde demais...
Que sei que devia sentir (oh, como pode ser que eu não esteja me movendo. Por que você não está se movendo? Ah, sim)
Estou paralisado
Onde está o eu verdadeiro (onde está o eu verdadeiro?)
Estou perdido e isso me mata por dentro (estou paralisado, estou paralisado).Meus olhos se fecharam e eu não vi mais nada.
Música do capitulo acima.
NF- paralyzedDeixem um feedback 😚
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Melopeia
Short Story[ aviso de Gatilhos na obra ] A música incendeia, acalenta...uma mistura de emoções, reações e sentimentos. Não se difere de nós, seres altamente sensitível. Como uma boa melodia ou não tão benévola, construímos a nossa vida, a cada passo a cada ve...