Eu usava um vestido longo de um tecido leve que marcava bem a minha cintura. Era um vestido bonito e que combinava bastante comigo, devo admitir. Mas mais importante que a vestimenta em si, era a sua cor. Amarelo. A tradição dizia que as cores que usamos na virada do ano dão o tom do que acontecerá nos próximos 365 dias. Neste réveillon, tudo o que eu mais desejava para o novo ano era mais dinheiro. Dinheiro que me possibilitasse viajar pra onde eu quisesse, comer no restaurante que me satisfizesse e, acima de tudo, esfregar na cara de um certo homem o quanto eu estava bem e realizada.
Entretanto, a cor amarela, apesar de predominante, não reinava sozinha: sandália preta para independência, lingerie rosa para estimular o amor próprio e, finalizando o look, quatro unhas de cada mão pintadas de um roxo bem claro, e as duas restantes de branco. O roxo para purificação espiritual e o branco, paz. Eu parecia a atriz Paolla de Oliveira tentando salvar o mundo da violência com uma unha de cada mão pintada de branco. Além de tudo isso, usava também um colar de ouro e um anel na mão esquerda. Quanto à cor vermelha, dessa eu queria distância. Se vermelho significava amor, eu estava muito bem sozinha. Um novo amor pra quê? Eu bem sabia o estrago que um homem pode fazer na nossa vida.
Enfim, essa era a minha lista de desejos: muito dinheiro, independência, amor próprio, espiritualidade e uma pitada de paz mundial. Só isso. Seria pedir muito?
A campainha tocou. Minha amiga Isabela e seu noivo, Diego, haviam chegado. Eles eram os grandes responsáveis por me fazer sair de casa. Iríamos para a festa de réveillon de um renomado clube da cidade. Tranquei a porta de casa e saí em direção ao carro.
− Como você está linda, Renata!
Eu sorri. Não por acaso Isabela era minha melhor amiga. Ao mesmo tempo em que ela conseguia ser sincera quando necessário, me conhecia bem o suficiente para saber quando eu precisava de um elogio.
− Isso porque 2019 nem chegou ainda - respondi. − Você vai ver o que é beleza quando o amarelo desse vestido me deixar milionária.
O casal riu, assim como eu. Entrei no carro e cumprimentei os dois. Isabela e Diego vestiam branco quase completamente. O branco, eu sabia, seria a cor predominante da festa. A paz mundial como desejo primordial. Muito bonito. Pena que eu não estivesse nessa vibe tão altruísta.
Durante o caminho, conversamos bastante sobre amenidades. Eles não me deixavam sentir deslocada, como se segurasse aquela famosa vela. Começava quase a acreditar que iniciar o novo ano em uma festa pomposa como aquela seria um bom presságio do que estaria por vir.
Chegamos. Saímos do carro e Isabela entregou a chave para o chofer. A fachada do clube estava muito bonita e enfeitada. Ao entrarmos, a beleza interna do espaço superava as nossas expectativas. Isso sem falar na grande e farta mesa de comida. Isso sem falar nas pessoas presentes na festa, todas elegantes e bonitas. Isso sem falar que se ainda estivesse casada, eu provavelmente não estaria lá. Meu ex-marido era tediosamente caseiro. Mas por que estou falando dele pra vocês? Já são águas passadas! Em poucos dias, completaremos um ano de separação, e eu estou bem melhor assim, muito obrigada.
Havia mesas com toalhas brancas para todos. Uma das funcionárias do local nos direcionou gentilmente para a nossa. Lá, pudemos ver pratos, taças, copos, talheres... tudo o que um bom banquete necessita.
− O que desejam para beber? − questionou o garçom. − Temos champanhe, uísque, vinho, suco, cerveja, refrigerante...
− Eu aceito champanhe − pediu Isabela.
− Vou começar na cerveja − falou Diego.
Eu pensei bem. Decidi iniciar de forma leve.
− Eu quero um suco por enquanto.
O garçom anotou e saiu.
− O quê? Desde quando minha amiga Renata diz não para o álcool? − surpreendeu-se Isabela.
− O que posso dizer? Sou uma nova mulher! − respondi.
Ok. Essa foi uma meia verdade. Não bebia há alguns meses. Depois da separação, todas as vezes que ficava alterada por conta do álcool, eu fazia alguma merda monumental. Ou mandava mensagens de texto para o dito cujo pedindo perdão − sendo que foi ele quem me traiu, e não o contrário −, ou mensagens de voz bastante agressivas provando por A mais B o quanto eu estava melhor sem ele. Decidi, então, abandonar a bebida até essa ferida cicatrizar. Pode não parecer, mas às vezes − só às vezes − bate uma saudade daquela época. Você sabe... apesar dele ser um galinha, cinco anos não são apagados facilmente de nossa memória.
Os vários garçons não paravam, indo de uma ponta à outra do salão numa velocidade surpreendente. Equilibravam na bandeja taças e copos dos mais variados tipos de bebidas. Eu ficava impressionada com a prática que eles tinham na arte desse malabarismo. Nossas bebidas chegaram. Conversa vai, conversa vem, ouço uma música que gosto tocando. Há quanto tempo eu não dançava? Já nem lembrava mais. Decidi me jogar.
− Se me dão licença, minhas pernas estão me obrigando a dançar um pouco. Querem ir também?
− Pode ir lá, bailarina − sorriu Isabela. − Você sabe que se tratando de dança, eu tenho dois pés esquerdos.
Deixei o casal de amigos na mesa. Fui para a pista de dança. Dançar é como andar de bicicleta. Não importa há quanto tempo não se pratica, a memória motora dá sempre um jeito de nos relembrar como se faz.
Eu, modéstia à parte, danço bem. Soma-se isso ao fato de que eu era uma das poucas mulheres negras do local, e uma das poucas a usar roupa que não fosse branca. Resultado: fui o destaque da pista de dança. Vi alguns olhares masculinos voltando-se para mim. Atraí a atenção deles, algo nem tão difícil assim. Mas não me importei. Continuei movimentando meu corpo. Uma certa felicidade tomou conta de mim. Há tempos não me sentia assim.
Um homem loiro tentou uma aproximação. Virei para o outro lado. Um outro moreno jogou um sorriso em minha direção. Fingi que não vi. Eu só queria dançar. Girava meu corpo lentamente, numa dança íntima comigo mesma. Enquanto girava, vi outros dois homens com olhares de interesse. Vi os garçons servindo as mesas. Vi Isabela e Diego comendo, sorrindo e conversando. Vi um homem entrando no clube. Ao vê-lo, parei de dançar imediatamente. Não era possível! Esse homem estava acompanhado por uma mulher. Esse homem, que vestia branco pedindo a paz mundial, era o mesmo que havia me deixado no fundo no poço há quase um ano. O mesmo homem que não gostava de sair de casa por ser excessivamente caseiro. O mesmo homem que peguei me traindo na minha cama no segundo dia de 2018. Traindo com a mesma mulher que hoje lhe acompanhava na festa. Filho da puta!
Meu corpo tremia involuntariamente. Saí da pista de dança e caminhei em direção à minha mesa, de cabeça baixa e com o corpo quase encolhido, para evitar que ele me visse. Tudo em vão. Ele me viu. Maldito dia em que decidi colocar o vestido com a cor mais vibrante da festa!

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Vermelho é a cor do Amor
RomanceRenata não quer nem saber de usar vermelho na festa de Réveillon. A cor vermelha atrai amor e isso é o que ela menos quer. Mas o destino parece estar fazendo de tudo para que seu coração dê mais uma chance a esse sentimento. Conseguirá ela superar a...