Prólogo

34 7 3
                                    

"Tome cuidado com contemplações
Eu preferiria estar cuspindo sangue
Do que ter esse silêncio me fodendo"

- The Quiet, Troye Sivan

Ele estava rindo quando acordei. A luz suave vinha diretamente em nossos rostos pela escotilha no teto, seu rosto estava amarelo como o sol e seu cabelo castanho ondulado estava sobre sua face.

Ele ria.

E eu amava seu riso.

Poe tinha um livro de Isaac Asimov na mão e estava com ele apoiado em minhas costas, não senti seu peso até despertar, mas agora que estava atento ao mundo, o detalhe me incomodou. Não fiquei surpreso; nada disso fugia ás minhas expectativas.

− Eu lhe digo que daria para perder a esperança na inteligência da humanidade quando vejo o que a mente dos homens é capaz de conter. − Ele vociferou amenamente, como o sussurro de um vento requentado pelo outono. E então riu mais uma vez, riu da nossa situação porque não tinha nada a fazer além de rir.

− O quê? − Perguntei, sendo contagiado por suas deliciosas gargalhadas.

− Essa citação define totalmente nossa situação.

− E é engraçado?

− Sim, − Poe remexeu o corpo debaixo do meu − um livro de 1950 é capaz de definir exatamente os trogloditas de Nuremberg e sua falta de racionalidade, porém, excesso de ódio.

Ele estava certo. Como sempre. Já era 1994, e em Nuremberg as pessoas insistiam em perseguir cada homossexual como se fosse abominável amar, isto sem citar todo preconceito e xenofobia ainda em abundancia. Já fazia anos do fim da segunda guerra mundial, anos que a Alemanha caiu de seu império governado pelo ódio e mesmo assim, nenhuma revolução era encontrada em nosso estado. Por mais que os países e cidades abatidas pela guerra tenham se reerguido, Nuremberg retrocedeu, tendo o ódio e a intolerância sendo propagada em cada esquina.

E agora estamos aqui, vivendo e sobrevivendo no sótão de nossos amigos porque não podemos sair da cidade, andar pelas ruas, e muito menos viver como pessoas comuns. Os aeroportos estão fechados desde o inicio da guerra civil, a imprensa estrangeira só recebe informações que o governo libera, as ruas estão repletas de oficiais e todo fim de noite gritos e tiros distintos vem dos campos de trabalho.

− Está acordado faz tempo? − Perguntei, desencostando a cabeça de seu peitoral nu e saindo de seus braços para me espreguiçar.

− Mais ou menos. − Confessou − Não consegui dormir com toda a gritaria.

Olhei de relance para ele, que continuava sentado em nosso colchão surrado; As costas apoiadas no travesseiro, o lençol cobrindo-o até a cintura, a mão esquerda segurando o livro pedra no céu e a direita passando gentilmente pelas costelas.

Poe jogou a cabeça para trás, os lábios apertados impedindo o riso, sei que sim.

− Não ouvi nada. – Digo sobre o casal no andar de baixo.

− É de se esperar, você dorme como uma pedra.

Fechei a cara em aversão, embora ele estivesse sendo honesto e eu soubesse que não passava da verdade.

Já era fim de tarde, havíamos perdido o dia dormindo pela manhã. Mesmo que dia para nós fosse ficarmos juntos no quartinho apertado que Charlie proporcionou a nós. Fugindo do governo e tentando sobreviver à maldita poeira.

Sentei-me na borda da cama, de costas para Poe e em silêncio. Os fios ruivos caíram imediatamente em meu rosto, um alerta de que estava na hora de cortar, mesmo que o homem atrás de mim gostasse dele em altura suficiente para puxar e bagunçar. Porque era isso que éramos; Um conjunto de erros e caos sendo sempre puxado para uma bagunça de sentimentos desnorteados.

Eu gostaria de sair deste inferno e explorar o mundo ao lado de Reed, sem correr o risco de morrer por trocar caricias com ele num parque a luz do meio-dia. Segurar sua mão enquanto fazíamos compras em um mercadinho. Ser qualquer coisa que não fosse sinônimo de errado.

Enquanto as lágrimas desferiam meu rosto, sua mão cadenciava minhas costas desnudas. Eu ouvi seus soluços. Mas não tive coragem de virar para vê-lo chorar, por mais que chorar fizesse parte do cotidiano desde 1990. As palpitações agitadas de meu coração estavam ruindo em meu ouvido, me pergunto se ele também as ouvia. Desleixadas e com medo. Como tudo que eu era.

− Desculpe... − Ele disse, gaguejando pelo choro ainda presente − Por amar você. Por ser o motivo que te prende aqui. Por tirar sua vida. Desculpe-me, Dirk. Por favor.

Eu olhei para ele.

E ele olhou para mim.

E eu soube que desculpas não eram o bastante para me fazer desistir dele.

Porque eu o amava.

Porque ele me amava.

E nossa bagunça era perfeita demais para ser limpa.

− Sorriso de raio de sol, suave como gotas de chuva, você me faz apetecer a lua. − Repeti o trecho da canção que me fez cair em seus braços há seis anos, no barzinho em que tocava violão toda sexta-feira. Lugar em que o conheci. Lugar em que me apaixonei.

Afastei os cachos que caiam sobre seu olho e admirei sua beleza em mutismo, passeando os dedos por cada traço de seu rosto, desejando-o com todas as minhas forças.

Haven [+ Obra original ]Where stories live. Discover now