Olho através da pele de vidro que recobre o edifício em que moro sentado em uma banqueta preta a tomar meu café matinal; contemplo o amanhecer da cidade em raios alaranjados que tornam ouro aquilo que toca com sua gentil luminosidade. A visão privilegiada do oceano, tímido, escondido por detrás das montanhas que formam a Serra do Mar, transpassa-me uma sensação de tranquilidade e quietude, assim como suas calmas ondas nesta manhã ensolarada pintada em tons quentes do início do dia.
Abaixo a xícara e a coloco sobre a bancada que faz a divisória entre a sala e a cozinha do loft. Uma baforada de ar quente é expelida pela boca do recipiente e atinge meu rosto com o leve cheiro ludibriante de café energizante. A luz natural do sol matutino ilumina o recinto, dando-lhe um aspecto quase divino.
Levanto-me e retiro o waffle da máquina que deixara assando, coloco-o em um prato branco quadrado, juntamente com uma fina camada de mel por cima. Sinto o tecido macio do roupão preto sobre minha pele enquanto realizo os movimentos, as garfadas deliciosas do alimento acompanhadas por uma leve sensação de coscas.
Enfio o restante do waffle em minha boca enquanto me dirijo à sala e me sento no tapete em frente à TV, ligando-a aleatoriamente em um canal de notícias. Admiro a serenidade da manhã e a sua tranquilidade enquanto relaxo entre goles da bebida quente em minhas mãos, preparando-me psicologicamente para a longa sessão de aulas ainda por virem.
O noticiário rodava em torno de outra declaração polêmica do presidente. Eleito. Democraticamente. Para um governo que beira ao fascismo. Desligo para me manter sã.
Subo as escadas pretas em caracol rapidamente para o segundo andar do loft com toque industrial onde se encontra o quarto. Retiro a peça única que cobria meu corpo e a jogo em cima da cama com lençóis brancos; totalmente despido de frente para o espelho, reflito sobre que roupa usarei. Passo os dedos por entre o emaranhado de cabelo molhado enquanto algumas gotículas de água prendem-se em minha pele.
Entro no closet e recolho da pilha de roupas uma calça jeans clara destroyed cropped, vestindo-a gentilmente com a morosidade do sono em minhas pernas. Cobrindo meu abdome definido, uso uma camiseta branca básica da Calvin Klein, por baixo de uma jaqueta jeans clara com puídos.
Abro uma caixa da Adidas que comprara no dia anterior e retiro de dentro o tênis superstar retrô para completar o outfit. As roupas servem perfeitamente em meu corpo esbelto, transpassando um sentimento de pureza e prudência, que, diga-se de passagem, são dois adjetivos que não me representam muito bem.
Olho-me no espelho gigante que recobre uma parede inteira do closet, admirando a sintonia das peças entre si. É quando percebo o pequeno vão entre a parede e a peça refletora.
Não devo ter trancado direito noite passada, penso.
Por garantia, aproximo-me e abro completamente a passagem criada logo após a reforma no apartamento quando o comprei. Ligo as luzes neon no interruptor na parede e bisbilhoto ao redor do quartinho, agora em várias cores alucinantes, revelando-me um enorme divã pink sob um tapete de veludo. Logo a frente, uma TV de tela plana enorme pairava em um suporte móvel, no qual também se prendia uma câmera de boa qualidade.
Sem alguma janela, as paredes eram recobertas por uma cortina de tecido prateado que emanava certo brilho conforme a luminosidade do local. Em outro canto, uma penteadeira branca com diferentes utensílios se encontrava abaixo de um espelho com diversas lâmpadas ao seu redor. Ao lado, uma arara de roupas guardava diversas fantasias ou plumagens coloridas.
Não tendo nada ali, desligo novamente as luzes e fecho devidamente a passagem. Desespero-me ao ver o horário em meu iPhone, já que ainda me resta pouco tempo para chegar ao colégio. Com gestos rápidos, jogo a mochila preta de couro sintético nas costas e agarro as chaves do carro e do loft.
Aperto impacientemente o botão do elevador, batendo os pés no chão em um ato de pura ansiedade. Com um tinido, as portas se abrem em meu andar com um vivente dentro. Um vivente bonito.
- Bom dia - um sorriso forçado se esboça em meu rosto. Ser educado de vez em quando não faz mal a ninguém.
- Bom dia - o garoto gentilmente retribui a delicadeza.
Segundos agonizantes de silêncio se estendem enquanto o elevador desce em direção ao estacionamento. O menino carrega uma mochila consigo, vestido de forma casual e despojado. Não pude deixar de notar o maxilar marcado e o rosto angular; as maçãs do rosto realçando-lhe a beleza.
- Lobato? - digo ao perceber o chaveiro preso à sua mochila.
- Oi?
- O Colégio... Lobato, sabe? - respondo em ar interrogativo.
Com um aceno de cabeça, aponto para sua mochila o chaveiro do símbolo do colégio, ao perceber o ar de surpresa dele. Arranco um pequeno sorriso envergonhado que se sobressai no rosto do garoto.
- Sim, estudo lá.
- Pois é, eu também - faço um movimento com os ombros - ironia do destino.
- O que quer dizer?
- Tem carona para o Colégio? - pergunto, ignorando-o propositalmente.
- Na realidade, iria pedir por um Uber.
- Olha... - franzo a testa, encorajando-o a falar seu nome.
- Pietro.
- Olha, Pietro, neste horário você não consegue uma corrida de jeito algum - falo compadecidamente - ou se conseguir, chegará um tanto atrasado para as aulas.
Ergo as chaves de meu carro, balançando-as com um pequeno ruído.
- Quer uma carona?
Pietro reflete por um momento, em uma tentativa em vão de demonstrar ter escolha.
- Claro, se não for incomodar - fala, por fim.
- Incomodar? Que isso! Aliás, prazer, sou Davi.
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Private Show
Teen FictionPor detrás de um olhar sereno, calmo, beirando o angelical e inocente, da eloquência persuasiva da expressividade enganadora e perigosa, tão linda quanto uma rosa, tão espinhenta quanto. O sutil fervor da noite, transformando-se em fogo ardente, e...