01: as cortinas cerradas

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Levantou-se com sede, reparando que as cortinas da casa vizinha estavam abertas novamente, e podia ver as pernas do outro deitado no chão. Imaginou o que estaria lendo ou se estaria em alguma rede social no celular. Com Sávio, o alto vizinho da janela em frente, sempre brincara junto quando mais jovens, estando alguns anos escolares avançados não tardaria para que não tivesse mais a companhia para ir e voltar do colégio.

O que não aconteceu quando o outro perdeu a mãe e com isso o ano escolar, antecipando a separação. Desde então o outro se afastara mais e mais, sem conseguir voltar ao ritmo escolar quando retornou à sala de aula, passando estudar em casa e fazendo uma prova para que pudesse ingressar na faculdade. Que coincidiu com a sua no ano seguinte, quase dez anos depois.

O loiro desceu para a cozinha lembrando que ainda estavam no primeiro semestre da faculdade, e já o vira faltar dias demais. Estava feliz em vê-lo tentar continuar suas atividades, mesmo que chegasse atrasado ou precisasse sair mais cedo por não sentir-se bem... Retornou ao quarto após preparar o jantar e comer antes de escovar os dentes, ainda tinha muito o que estudar.

O vento chamou a atenção para a cortina da janela novamente, e o antigo amigo ainda estava deitado na mesma posição, então aproximou-se do peitoral da janela, vendo-o tão imóvel quanto antes.

— Sávio? — chamou Heiko. — Sávio!

Intrigado chamou-o mais alto, e aparentemente seu padrasto não estava em casa. Ligou para o celular, que ouviu tocar mostrando que o vizinho não usava os fones de ouvido ou teria percebido. Desceu as escadas novamente, com mais pressa dessa vez e deixando a porta aberta ao sair.

Bateu à porta com certa urgência e antes de usar mais força testou a maçaneta. Fez a volta e, como esperado, a porta dos fundos estava aberta, anunciou-se e relembrou o trajeto para chegar ao quarto.

— Sávio! — chamou.

Aproximou-se esperando acordá-lo, vendo o que a janela não permitiu. O canto da boca estava ferido, e ao pegar sua cabeça viu que a testa, no outro lado, tinha um hematoma.

— Sávio! Sávio, por favor, acorde, vamos! Sávio? Droga, Sávio... Acorda! O que aconteceu?

Percebeu o outro se tornar consciente pouco a pouco, lentamente, e não parou de lhe dizer que estava bem e seguro, até que conseguisse tê-lo desperto. Sentindo-o ainda fraco ao fazer se sentar, com os olhos abatidos que não o encaravam de volta, o apoiou.

— O que houve, Sávio? — questionou Heiko. — Sávio, está machucado! Invadiram a sua casa?

Não havia bagunça ao redor, simulando alguma invasão por roubo. A única coisa fora do lugar era seu amigo.

— Estou bem. Vá embora, Heiko. — pediu Sávio.

— Como pode estar bem? Levanta, vou levá-lo ao médico! — Heiko decidiu.

— Não pode ficar aqui, precisa ir embora.

— Ah, nunca pensei que seria expulso da sua casa... — queixou-se. — Vamos, você precisa de um médico. Parece estar confuso, e sua cabeça esta machucada. Eu o levo. — insistiu por fim.

E o fez. Poderia ir de bicicleta, aproveitando para economizar, porém guiava o amigo que não tinha nenhuma intenção de colaborar e poderiam cair no trajeto. O táxi não demorou a deixá-los na clínica, onde Sávio fora examinado e Heiko teve de explicar a evidente apatia pela depressão que tomara o lugar de sua mãe.

Passado o susto voltaram caminhando, não era tão longe e sabia que o moreno ficaria bem depois de medicado com algo leve.

— Sávio, podemos conversar? — sugeriu Heiko.

O Roubo do SorrisoOnde histórias criam vida. Descubra agora