Madeixas ao Chão

23 0 0
                                    

- Nós vamos sair daqui... – Jennifer murmurou, arrastando os dedos úmidos pela a porta fechada enquanto os seus fios encaracolados inesperadamente despencavam da cabeça.

O cômodo era completamente fechado e empoeirado. Suas paredes, feitas de madeira, encontravam-se tomadas por arranhões e marcas rubras. Era como se uma história ressoasse através daquelas linhas incrustadas. Ao se esforçar, a jovem acreditava ouvir os lamentos das pobres almas que por ali haviam passado.

Jennifer estava cansada. Esgotada de arranhar a garganta a cada xingamento que expurgava aos berros. A dor em seu pulso aumentava com o discorrer dos minutos. Fora apenas uma mordida superficial, os dentes daquele homem mal chegaram a dilacerar sua carne. Entretanto, os arredores da marca estavam sendo tomados por uma mancha sombria.

Ela socou novamente a porta. Queria simplesmente desistir e deixar-se levar pela a impotência que a confinava naquele maldito quarto. Porém, ela estava proibida de sucumbir à loucura.

Olhando sobre o ombro Jennifer fitou duas crianças. Rafaela, uma menina de 09 anos que ostentava madeixas castanhas e aneladas, e um garotinho de 11 com fios ruivos e vibrantes, que se chamava Tales.

Eles a olhavam com preocupação e pânico. Abraçados, mantinham-se sentados em um colchão mofado. Jennifer tentou sorrir e transparecer quaisquer traços de esperança, mas a aquela altura, mesmo com a inocência de seus corações, os pequeninos compreendiam a gravidade de toda aquela situação.

Com passos lentos Jennifer arrastou-se até as crianças, notando que à medida que se aproximava uma parte de seu interior latejava. Não era o pulsar de seu coração horrorizado, mas sim algo diferente.

Ela ajoelhou-se diante da menina e tomou-lhe as mãos tremulas, colocando-as em seu rosto num afago desejado.

- Vai dar tudo certo, okay? – disse ela, reunindo os resquícios de calma que lhe habitavam. Os orbes de Rafaela miraram a face da irmã, apesar do medo, a pequena também se esforçava para manter-se sã – Nós vamos sair daqui e depois vamos comprar aquele pote de sorvete que combinamos, pode ser? Tudo isso vai passar....

A última frase despencou dos lábios da jovem como uma prece. Um encanto que poderia milagrosamente levar tudo embora, trazendo a normalidade do mundo de volta. Estaria o mundo girando normalmente desde que haviam sido confinados naquele quarto?

Jennifer sequer fazia ideia de onde estavam. Só conseguia distinguir o tempo através das frestas das tábuas que a prendiam. Possivelmente estavam desparecidos há dois dias. Em silêncio ela ansiava pela a esperança de alguém estar atrás deles.

Eram vitimas de um conto policial, duma história clichê que figurava em infinitos boletins. Ela fora enganada, levada a crer que estava embarcando em um simplório encontro. E por sadismo do destino, tivera que cuidar dos caçulas no dia. Levando-nos consigo apesar de todos os avisos de sua consciência.

Rafaela puxou as mãos de volta e respirou fundo, olhando de esgueira para Tales. O garotinho apoiava-se em seu ombro num aperto a beira do doloroso. Como se a mínima distância entre eles pudesse coloca-lo em perigo.

- Eu...eu sei que vai – respondeu Rafaela. A sua entonação era fina e ligeiramente rouca, cercada por uma maturidade surpreendente.

Ela abaixou os olhos e envolveu o irmão em seu colo, afagando os seus fios enquanto desejava secretamente que Jennifer desaparecesse.

Mais dois cachos ao chão. A jovem afastou-se das crianças e caminhou melancolicamente até a porta, olhando aos arredores em busca de respostas para o inexplicável.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Dec 10, 2018 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Conto de Terror: Madeixas ao ChãoWhere stories live. Discover now