prólogo

170 3 0
                                    

Meu corpo doía, eu escutei passos subindo a escada, mesmo com a porta aberta, não me virei pra ver quem subia.

Eu só queria morrer. Meu pai me odiava, minha mãe e meu irmão mal falavam comigo depois de saberem sobre mim e Xaver.

Eu me lembro de tudo, eles me olharam como se eu fosse uma doença.

A dor no meu peito doía, mais que o meu corpo que foi quase destruído por aquela bomba.

A porta se abre e posso ouvir a voz do meu pai e escuto ele pronunciar o nome de quem eu jurei que nunca mais veria.

Hermann.

Eu tento me virar sozinho mas fracasso totalmente, um resmungo escapa da minha boca e Hermann me ajuda, a sua blusa branca de gola alta está com respingos de sangue e me pergunto o que diabos ele andou aprontando.

- O que você está fazendo aqui? - A minha voz soa falha e rouca, eu não me lembro quando foi a última vez que falei.

- Eu vim ver você, seu idiota. - Ele se senta na minha cama como costumávamos fazer quando éramos crianças.

Antes dele, antes de tudo.

- Saia. Agora. - Raiva me toma, eu viro meu rosto e posso jurar, se eu pudesse daria um soco nele agora mesmo. - Não, você vai me ouvir. - Ele tira um envelope do bolso e coloca em seu colo, meu olhar curioso se fixa no envelope. - Emil, eu nunca vou me perdoar pelo que fiz há três anos atrás, a dor que eu sinto pelo que fiz, não chega nem perto a dor que eu causei nós meus dois melhores amigos por puro egoísmo. - Seus lábios tremiam, eu observo os traços do seu rosto, e engraçado como as pessoas mudam, mas ao mesmo tempo continuam sendo as mesmas pessoas de sempre. - Você é um amigo de merda, você tirou a única coisa que algum dia já me trouxe felicidade, o que você fez não tem perdão, Hermann. Não tem. - As lágrimas já rolavam pelo meu rosto, eu mordo os lábios ao lembrar de Xaver, as noites que eu chorava no Instituto e ele me dizia que eu era uma florzinha sensível, enquanto me abraçava. - Eu sei que não tem, mas eu espero que isso possa mostrar o quanto estou arrependido. Eu sinto muito, Emil. - Ele abre o envelope que contém uma carta dentro, minha boca seca e minhas mãos começam a suar, e Hermann começa a ler, e eu fecho os olhos.

"Querido Emil,Seus pais não nos permitem ver um ao outro. Recorro a esta carta para escrever o que eu nunca fui capaz de lhe dizer. Eu quero que você saiba que eu te amo. Sim, Emil, eu te amo. Eles nos ensinaram que isso não era amor, mas percebi que era sim. O que você e eu tivemos é o amor mais verdadeiro que já senti. É por isso que não quero perder você sem lhe contar. Eu te amo desde o primeiro dia em que entramos no instituto e escapamos para o cemitério para fumar um cigarro. Eu te amo desde o dia em que você aqueceu minhas mãos com a sua respiração porque eu perdi minhas luvas. Eu te amo desde nosso primeiro beijo nos estábulos dos Sander. Eu te amo tanto que a ideia de te ver de novo foi a única coisa que me manteve vivo nas trincheiras sérvias. Seria o suficiente você me olhar nos olhos para entender. Não precisaria palavras. Nos olharíamos e seríamos novamente crianças nos corredores do instituto, antes da morte, antes das bombas, diante dos velhos que transformaram tudo isso em ódio. É por isso que estou debaixo da sua janela há meses, para ver você de novo, mesmo que apenas por um momento. Para o seu sorriso volta a me fazer acreditar que o nosso amor significou tudo e lançou alguma luz neste século que já nasceu morto. Eu te amo e aconteça o que acontecer, eu sempre estarei com você. Seu, Xaver."

Hermann termina de ler a carta, meu rosto coberto de lágrimas, eu me levanto e tento descer da cama às pressas.

Eu preciso olhá-lo nem que seja pela última vez.

Xaver. Xaver. Meu Grande amor.

Eu falho miseravelmente, e caio de cara no chão, meus soluços preenchiam o quarto, minhas pernas estavam fodidas, meu coração estava quebrado e o homem que eu amava não podia ficar comigo. Eu sinto os braços de Hermann me puxarem pra si, ele abraça, eu choro no seu peito, enquanto ele passa à mão pelos meus cabelos.

- Porque Hermann? Por que não podemos ficar com as pessoas que amamos? Porque as pessoas não aceitam que homens podem sim se amarem? Porque meus pais me olham com nojo? Eu quero morrer, se não posso ficar com Xaver, eu não quero viver.

Ele limpa minhas lágrimas e me carrega até a janela, ele me coloca em pé, e me segura com um dos braços, sussurrando logo atrás de mim, quando meu olhar se encontra com o homem que roubou meu coração desde a primeira vez que o vi.

- Porque as pessoas não sabem o que é amar, não sabem que no amor não há regras, Emil. E mesmo que elas tentem fazer de tudo pra que isso não aconteça, é inútil.

Mesmo de longe, eu posso sentir Xaver. A sua barba por fazer, o seu cheiro pelo qual eu sempre fui apaixonado, os seus olhos que enxergam a minha alma e a sua boca que eu tanto amo. Eu aceno pra ele e ele sorri. Ele sabia, ele sempre soube que eu o amava. Mesmo que as palavras nunca foram ditas, o amor não precisa ser dito, precisa ser sentido.

Minhas pernas fraquejam, e eu me xingo, Hermann me puxa e me carrega pra cama, eu soco seu peito e grito que ele me leve pra janela, me leve de volta, me leve para perto da única pessoa que eu me sinto em casa.

Always YouOnde histórias criam vida. Descubra agora