Naquela manhã Nathan acordou sentindo-se apto a incursionar na literatura. Havia lido um volume bastante razoável sobre animais em risco de extinção, mais ou menos duas metades de artigos em blogs, deixando sua mente em completa profusão. A inspiração esgueirava-se querendo espaço, embora tivesse pouca familiaridade com o Uacari-Branco ou Udu-de-Coroa-Azul, conhecia a predileção de Douglas Adams por bichinhos nessas condições e todo mundo apreciava "O guia do mochileiro das galáxias". Além do mais, vira recentemente dois vídeos longos, quase cinco minutos cada, sobre o Oumuamua e passara a considerar muito plausível, dado as pesquisas em sites conspiratórios extremamente confiáveis, a ideia de tratar-se de um artefato alienígena. Outro sinal divino na direção daquele autor inglês muito alto.
Seus lábios mal terminaram de proferir Barnard, Larissa já percebia-se alheia ao assunto. Por vir, uma enxurrada de referências astronômicas, com datação imprecisa e repleta de detalhes intermináveis. Há tempos pareciam viver distantes, por ironia, em pontos ínfimos do cosmo. Ou da sanidade. Qualquer tentativa de aproximação sucumbia à relatividade. Ou realidade.
A segunda estrela mais próxima da nossa; apenas Alfa Centauro encontra-se entre ambas. Quando criança – prosseguia ele com empolgação – pensava as estrelas de outra maneira, corpos celestes distintos ao sol, aqueles pequenos cubinhos brancos grudados ao céu semelhantes aos desenhos das aulas de artes, com pontas e tudo mais.
— Você tem uma obsessão pelo céu, né. – escolheu as palavras com cuidado – Acredita mesmo ser capaz de compor algo relevante?
— Creio ser uma maneira eficiente de suscitar perspectiva. – refletiu por instantes sobre o questionamento – Qualquer idiota faz ficção hoje em dia.
— Perspectiva sobre?
— A existência de modo geral. O infinito tem o poder de nos jogar às traças. Que significa o homem em escala cósmica? Micróbios?! Então, resta-nos apenas aceitar a insignificância de sermos essa coisa meio amorfa.
— E isso não tornaria todo o resto total perca de tempo?
— Claro.
— E qual a necessidade de escrever sobre animais de estimação voando em naves estelares?
— Surrealismo.
Larissa ameaçou elaborar uma resposta, desistiu. Lembrou-se da frase de sua mãe: com louco não se discute. – O alerta específico de sua progenitora sobre o casamento, de maneira bem peculiar, também, ou principalmente, à escolha do cônjuge, ressoou sobre os tímpanos. Deu de ombros. Afinal, poderia justificar-se; a genialidade corre o risco de descambar algumas vezes. E melhor alguém assim, meio paranoico, porém real, do que o homem perfeito preso dentro de telas. Mais válido alguém observando o céu que bundas alheias. De mais a mais, amanhã a neurose seria outra, ninguém deseja padecer literando, Nathan se meteria na pintura ou escultura. Talvez até pintasse o Uacari-Branco e o Udu-de-Coroa-Azul. Ou aquele cara alto de nariz longo que tinha escrito livros sem enlouquecer por completo.
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NEURA
Short StoryA distinção entre realidade e ficção perdida sobre a neurose de um pseudo-escritor.