Tulipas para segundas feiras. Crisálidas para as quartas. Jaebum organizava seus dias conforme as flores que comprava todos os domingos sem falta na floricultura perto do trabalho. Jinyoung e Mark sempre podiam esperar por grandes buquês cheirosos e coloridos.
“Essa casa cheira a velório” alfinetou Bambam certa vez, ganhando de Jackson um cutucão nas costelas.
Jaebum seguia em frente, enchendo jarras com narcisos e lírios e todos os tipos de flores exuberantes e efêmeras que podia encontrar. A organização meticulosa ameaçava tirar Mark dos eixos sempre que chegava em casa.
Jinyoung, pelo contrário, ria de felicidade toda vez que Jaebum chegava carregando os perfumados presentes. Usava as flores para marcar livros, como enfeites de cabelo e como lembretes espalhados pelos cômodos.
“Vou colocar fogo nesses dentes-de-leão, Im Jaebum!”
Às explosões constantes de Mark, Jaebum replicava com um sorriso de bicho preguiça e seu habitual silêncio com gosto de ferro. E ficavam os três no meio da sala, um quadro pintado com tintas gastas: Mark com flores picadas aos pés, Jinyoung escondendo o rosto molhado atrás de um livro e Jaebum compondo um vaso cheio de terra.
Entre um cacos de porcelana, petúnias sussurrantes e cardo-leiteiros frescos, Jaebum chorava baixinho madrugadas adentro. Pela manhã, saía apressado para que os namorados não pudessem ver seus olhos delatores e as mãos riscadas de espinhos.
“Se eu morrer, vocês serão os últimos a saber” repetia em silêncio, olhos secos e uma carga nociva aninhada no peito.
Pouco a pouco, Jaebum recolhia seus sentimentos com mãos cuidadosas para trancá-los na cavidade mais profunda de sua mísera existência. Embora descuidado, o fazia com paciência e esmero.
Ele evitava pensar no passado, substituindo preocupações incolores pela explosão visual de flores sufocantes. Mergulhava no perfume de lilases e gardênias e azaléias espalhadas pela casa, recalcando lembranças para o fundo da inconsciência.
Jaebum não podia, entretanto, fugir dos sonhos. Eles tomavam formas elegantes embora assustadoras, e sempre aconteciam em preto e branco. Num deles, Mark morria repetidamente congelado em um rio. Noutro, Jinyoung sufocava com rosas, e suas mãos espremiam caules espinhosos.
“Não se preocupe” atalhou Jackson certa vez, fazendo as vezes de analista informal. “São apenas medos inconscientes, nada vai acontecer a vocês”
Jaebum não tinha tanta certeza. Se pegava acordando em horários aleatórios, pensamentos sombrios enchendo sua boca de um sabor desgastado. Observando Mark e Jinyoung dormindo entrelaçados, não conseguia rechaçar as dúvidas que se interpunham entre seus corpos gelados.
O desaparecimento de Jinyoung naquela madrugada difusa de 1979 alterou o delicado cosmos que compunha o relacionamento. Angustiado a princípio, Jaebum fez o que lhe era característico: correu para a floricultura. De volta com as flores, foi recebido com uma parede de xingamentos.
“Como você ousa, seu desgraçado” cuspiu Mark. “Jinyoung desaparece e você sai atrás dessas malditas flores!”
O companheiro parecia não entender, ou ignorar, que as flores ofertavam a Jaebum sua força essencial. Sem elas, se sentia incapaz de sequer pensar em Jinyoung substancialmente. O cheiro púrpura adocicado cobria as mãos que levava aos olhos em orações incoerentes, clamando para que Jinyoung estivesse seguro.
A deterioração interior, contrariando os clichês derramados por Yugyeom, pouco se refletia na casa. Jaebum desenvolvera o hábito irritante, na opinião explosiva de Mark, de manter tudo brilhante até o último átomo, esfregando e espanando e lavando até que as cores se desbotassem e o cheiro de desinfetantes finalmente encobrisse o aroma floral costumeiro.
A mercê na casa limpa e clara com Mark, mãos corroídas por produtos de limpeza e cabelos desgrenhados, Im Jaebum pousava como um retrato melancólico dos hospitais psiquiátricos de idos dos anos 1800. Poderia ser confundido com um pedinte se visto na rua vestindo os trapos descoloridos que chamava de roupas.
E, a despeito dos esforços amorosos de Jackson para puxar o amigo de volta à superfície, o poço asséptico construído pelo próprio Jaebum o mantinha preso com suas paredes escorregadias. Chegara a tal ponto que a simples menção de seu “problema” o colocava em imediato movimento, movendo as mãos freneticamente e deixando as unhas do grupo de amigos em ruínas sangrentas espetaculares.
As preocupações de Mark concernentes ao companheiro poderiam ser tomadas como descuidadas por um observador menos meticuloso. Atento como uma criança desembalando presentes em papel celofane, ele tentava tatear as superfícies mais visíveis e claras de Jaebum.
Estas, no entanto, tornavam-se mais turvas conforme o tempo se esticava como podia e a ausência de Jinyoung era cada vez mais sentida. Muitos de seus inúmeros livros surrados, roupas gastas, sapatos de cores desmaiadas, comidas vencidas na cozinha; tudo gritava o nome do desaparecido.
E Jaebum não aguentava mais. As "paredes de mel" – assim nomeadas por Jinyoung em um momento de estranha inspiração – escorriam para dentro de sua cabeça pesada palavras acusatórias. Ele não havia sido um bom namorado desde o princípio; ignorara os olhos embaçados e os sorrisos elásticos que recebia após cada noite mal dormida; se preocupara mais em preencher os espaços vazios com flores, deixando o amor espremido em cavidades auspiciosas.
Numa manhã cálida e chuvosa de novembro de 1979, Jaebum decidiu que era hora de parar de se culpar e lamentar os erros pregressos. Deixando uma carta perfumada para cada um dos rapazes – incluindo o ausente Jinyoung –, partiu no primeiro trem de volta para a casa materna em Mokpo. Deixou para trás canecas de café com canela, meias listradas e um Mark lutando com sonhos indistinguíveis em meio a lençóis puros.
Sentindo-se livre pela primeira vez em 25 anos, Jaebum jogou fora as flores caprichosas, descalçou os sapatos apertados e correu como o vento.
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nausea 1979
Fanfiction"Já não éramos mais os mesmos há algum tempo agora" Jinyoung, Jaebum e Mark. Entre metáforas confusas, uma casa cheia de flores e dúvidas insuperáveis, os três tecem fios de lágrimas invisíveis no tecido mofado de um relacionamento que não sobrevive...