Olhares por todo lado

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Finalmente o ônibus chegara, teve tempo de passar a mão no cabelo e prendê-lo atrás da orelha antes que ele parasse com a porta quase na sua frente. Sem demora ela subiu e cumprimentou silenciosamente o motorista que nem a olhava, pois havia mais um sujeito atrás e ao motorista interessa apenas quem é o último a embarcar.

Passando pela catraca viu um único banco vazio e ninguém de pé, o motor arrancava e se segurando nos apoios cambaleou até chegar naquele assento, quase caindo numa curva fechada que o carro descrevia, um quarteirão após o ponto em que ela estava.

Esse era um daqueles ônibus sanfonados em que sentavam-se algumas pessoas de costas. O lugar que ela encontrara não era destes, era na janela da direita, um banco em frente a saída, do qual via três destes lugares e aqueles que os ocupavam, uma garota de seus 15 anos com calças jeans esfarrapadas sentava na sua frente, ao seu lado ficava alguém oculto pelo assento normal. Isso do seu lado do ônibus, já na esquerda os bancos invertidos eram ocupados por uma senhora de coque e vestido florido, que olhava a paisagem e ao seu lado um rapaz de cavanhaque que... olhava de volta.

Desviou o próprio olhar, olhou pela janela o próximo ponto se aproximar e subirem duas moças com uniformes de um hospital da região, roupas brancas e colete azul escuro, além de um homem de terno preto e bigode branco. Acompanhando o movimento da moça que vinha mais a frente seus olhos esbarraram novamente no rapaz que antes a olhava e agora fitava algo lá fora. Seu rosto começou a se virar e ela não esperou para saber se seria novamente observada.

Em um instante se arrependeu de ter tirado a mecha de cabelo para trás da orelha, no seguinte pensava do que estava se escondendo tanto. Olhou de novo, mas dessa vez o senhor de terno bloqueava sua visão e foi esse que a olhou dessa vez. Desviaram o olhar ao mesmo tempo.

Passaram-se quatro pontos na avenida e o senhor desceu, desobstruindo sua visão, o que a fez olhar imediatamente para o rapaz. Seu queixo era anguloso e seus cabelos ondulados, magro, mas com músculo, olhos castanhos... que novamente a fitavam, dessa vez observou mais alguns segundos antes de deixar-se olhar para outra coisa. Foi mais forte que ela. O que significa ficar olhando? Por que afastamos o olhar, por que fugimos de ver outra pessoa quando sabemos que essa também nos vê? É como se houvesse um trato social, todos os seres humanos combinaram de não olhar o outro, mas quando dois rompem esse trato desviam o olhar e não contam para ninguém que pegaram alguém burlando as regras.

Seu ponto era o próximo, pediu licença e se levantou, sentia-se observada. Arrumou as costas e tentou fingir uma postura displicente, mirou a dianteira do ônibus na esperança de sua visão periférica lhe revelar o rapaz observando-a, mas não virou a cabeça o suficiente e não queria ser pega olhando para ele novamente. Então, enquanto o ônibus freava, olhou para o lugar vazio que deixara e sentiu algo estranho, mas não soube dizer o quê.

Desceu do ônibus e dois passos mais tarde, ainda pensando no rapaz que a olhara, percebeu que estivera sentada no assento reservado a idosos.

Olhares por todo ladoWhere stories live. Discover now