Estaciono na pequena área reservada ao embarque e desembarque e aciono o pisca alerta, deixando o motor do carro ligado. Pego o celular para avisar Nicolas que estou ali, e ainda com a cabeça abaixada, levanto o olhar na direção da porta de saída, avistando ele vindo em minha direção. Um sorriso nasce em seu rosto assim que ele me vê, mas ele não sabe que eu o estou observando, então quando levanto minha cabeça e encaro seus olhos, o sorriso desaparece como se nunca tivesse estado ali. Desvio meu olhar do seu e me esqueço de respirar quando percebo o quão lindo ele está, usando uma calça jeans, uma blusa azul clara de capuz e uma jaqueta preta de couro. Ele abre a porta e entra no carro, e seu cheiro se espalha pelo local, me envolvendo por completo. Sinto como se houvesse milhões de borboletas pelo meu estômago. Ele se vira para mim e meu coração perde uma batida, e eu preciso me controlar para que ele não note a minha decepção quando percebo que ele se virou somente para poder colocar sua mochila no banco de trás.Acelero o carro na direção da saída e agradeço ao barulho do vento que entra pelas janelas semiabertas, evitando o silêncio total e incômodo. Percebo durante o trajeto que ele se vira algumas vezes, abrindo sua boca como se fosse iniciar uma conversa, mas sempre balança a cabeça e volta a olhar para frente, desistindo. Em um certo momento, com a desculpa de checar o retrovisor lateral, olho para ele no exato instante que ele me olha, e noto seus olhos fundos e um pouco inchados, olhos de quem, assim como eu, não dormiu nada a noite passada. É a minha vez de balançar a cabeça. Se eu tivesse me ouvido, se tivesse cortado tudo desde o início, não estaríamos aqui hoje, eu não estaria sofrendo, tampouco ele. Mas eu não resisti em não resistir à ele. Não foi como nada que eu já senti em minha vida, de forma alguma. Com Nicolas era tudo muito intenso, muito inteiro, muito entregue. Era como se tudo que vivemos até aquele dia da leitura dos textos, tivesse acontecido exatamente para que pudéssemos nos encontrar. Mas então, porque era tão difícil?
Me perco nesses pensamentos até chegarmos em seu condomínio, onde estaciono logo na entrada de pedestres, esperando ele descer. Ele me olha incrédulo, mas me mantenho firme, não serei eu a ceder. Ele se vira novamente em minha direção para alcançar sua mochila, seu corpo tão próximo ao meu que sinto sua jaqueta roçar em meus braços nus, e minhas pernas perdem a força.
- Você não vai subir? - Ele me pergunta, como se eu tivesse fugido à resposta óbvia.
- Acho melhor não, Nicolas. - Digo sem olhar para ele, sei que qualquer contato de meus olhos com os dele me faria desistir. Ele não insiste, simplesmente se vira para descer do carro, porém antes que seu corpo esteja totalmente do lado de fora, ele entra novamente, fecha a porta e me olha, e eu me perco em sua imensidão.
- Juliana, por favor.
- Nicolas, eu não quero brigar.
- Nem eu, mas também não quero ficar brigado. Por favor, eu até conversaria aqui, mas preciso de um banho. Eu prometo que você pode finalizar tudo a hora que quiser e ir embora, só, por favor, vamos conversar?
Eu não respondo, mas de repente estou conduzindo o carro até a entrada da garagem. Ele respira aliviado ao meu lado, e minha cabeça ferve com milhões de pensamentos. Eu não deveria ter cedido, deveria ter ido embora. Mas eu também não queria ficar brigada com ele. Por nós, claro, mas por nossa parceria em cena. Só nós sabemos como as cenas não ficam exatas quando não estamos bem ou totalmente conectados. Estaciono na vaga destinada e descemos juntos. O trajeto até o elevador e do elevador até o apartamento é esquisito, é como se não soubessemos como agir um com o outro, como se houvesse tanto a se falar que nada ousasse ser dito. Ele abre a porta e, como sempre, se afasta para que eu entre primeiro. Deixo minha bolsa em cima de uma cadeira e fico de pé, não sei o que fazer, como agir, não é exatamente uma situação confortável estar aqui depois do que houve ontem a noite.
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I See Fire
RomanceEsse conto se passa após a participação do Nicolas no programa Domingão do Faustão no dia 25 de Novembro de 2018 e no dia seguinte, onde Juliana e Nicolas foram ao jogo do Botafogo.