Capítulo I - Belmore

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-Nem tudo é um problema de verdade - eu dizia enquanto caminhava de um lado para o outro em minha sala aquecida pela lareira crepitante, olhando, as vezes, para a estranha moça  de cabelos ondulados, em cor de ébano dos quais alcançavam a altura do quadril - não é daqui, certo?
A moça ergueu os olhos escuros como noite em minha direção e respondeu com um aceno com a cabeça, os cabelos longos oscilaram com o movimento breve de concordância e a moça esboçou um sorriso, forçado e triste.
- De onde vem e por que insistiu em entrar em minha casa? - sorri sarcástico - não é nada educado moças invadirem as casas de rapazes a essa hora da madrugada. - apoiei-me no batente do arco que dividia a sala da cozinha. Um rubor manchou suas bochechas por alguns instantes e a garota ficou calada por um tempo antes de dizer com a voz baixa:
- Laxius... - apertou a saia do vestido branco esmaecido como o luar coberto de nuvens. Era diferente do vestido de praxe francês.
- É seu nome?
- É meu lar. - Uma frase inteira saiu de sua garganta, uma voz rouca e suave ao mesmo tempo, era quase relaxante, se seu tom não fosse quase tão triste quanto o de um funeral. - além dos mares humanos, somente as pessoas corajosas podem cruzar o oceano e atracar o navio em nossas terras mas - uma pausa como se lembrasse de algo ruim - a magia que nos protege enfraqueceu e as barreiras caíram.
- "Laxius"... Isso soa como histórias para crianças bobas de vilarejos. - Ri com escárnio e com um pouco de incredulidade, enquanto pegava uma taça e a enchia de vinho tinto.- como são suas terras encantadas e mágicas? - estendi a taça para a garota que a aceitou, as mãos trêmulas.
- Laxius é real. Além do pacífico, além dos continentes que conhecem, é uma ilha que não está nos mapas, uma terra prometida e sagrada, banhada pelo oceano de Aequor. Lá é o um reino de magia, paz, beleza e amor, em Laxius tudo é perfeito de muitas formas.

Soltei uma gargalhada alta, tão alta e extensa que lágrimas formavam em meus olhos. Peguei uma outra taça de vinho e me servi, ainda me recuperando da fala da bela moça.
- A senhorita é hilária, é americana? Com certeza não é francesa. - Seu rosto amigável se tornou uma máscara fria. Estava desconfortável de fato. - Deveria pelo menos dizer o seu nome ou o que faz aqui. Tenho o direito de saber de qual manicômio a senhorita veio. - beberiquei o vinho e girei a taça lentamente algumas vezes. Com o sorriso sarcástico estampado no rosto.

A moça levou alguns segundos, suspirou e fechou os olhos brevemente como uma tentativa de se acalmar. Era bela, não vou negar, mas não cairia em sua possível cilada. A pele era branca em tom saudável, não era pálida demais, os olhos eram escuros e acinzentados, eu jurava que seus olhos mudaram de cor durante nossa conversa. Acho que estava ficando louco também.
- Tudo bem se o senhor, Belmore, não acreditar em mim, mas, por ser um capitão habilidoso, acredito que gostaria de enfrentar novos desafios. - Ela saber meu nome não era grande novidade, todos me conhecem, o incrível Belmore que trabalha sozinho ou ao lado da realeza
Lutei com baleias enormes e venci, atravessamos o oceano, pegamos riquezas em outros continentes e retornavamos para a França em perfeita segurança. Não há outro tripulante que lidere melhor que eu em toda a Europa afinal.
- E o que quer? Que eu cruze o oceano sem um mapa e revindique uma terra que já tem dono? Pelos céus eu sou um marinheiro não um suicida. Além do mais - olhei com sarcasmo para a mesma - eu não acredito em magia.
- É o único que pode salvar Laxius. - pela primeira vez em todos os longos minutos em que ela estivera sentada em minha sala, aumentou o tom de voz. - pode nos salvar do homem que invadiu nossas terras e escraviza o meu povo ao leste. Não quero que tome a terra para si, pelos céus! - algo triste em sua voz quase me fez acreditar. E se fosse uma vigarista? Não era confiável. - precisamos de sua ajuda.
- Então, moça. - me aproximei conforme falava com certo tom de ironia - farei  o que diz, com algumas condições.
- Quais? - uma resposta sem hesitação. Não sei dizer se era corajosa ou ingênua. Se eu fosse outro tipo de homem poderia facilmente me aproveitar dela de outras formas, porém, não jogo sujo.
- Primeiro, o que ganharei se eu concordar em oferecer meus serviços? - parei a menos de um metro da mulher, que não recuou nenhum passo.
- O que quiser. - Ela tinha coragem. Suas vestes não eram tão comportadas como das moças francesas, o vestido em cor de luar terminava na altura dos joelhos, ombros expostos por mangas curtas de tecido transparente, seus cabelos eram selvagens, seu olhar; vezes negro vezes cinza, era fixo e decidido em mim. Algo em meu peito se apertou e pisquei para espantar os pensamentos e a pressão em meu lado esquerdo. 
- Se desejar ouro ou minério, receberá um pagamento bem largo de nosso rei como agradecimento. Qual a outra condição?  - tinha pressa, era perceptível pela rapidez em que rebateu minha pergunta.

Ouro, riqueza, era sedutor de fato, imaginar que receberia um dote grandioso por salvar algumas pessoas de algum homem sangue frio.
Precisava de dinheiro, as expedições que o rei me enviava estavam se tornando cada vez mais raras, cada vez um valor mais baixo de moedas era oferecido por idas até as índias, estava falindo, minha grandiosa casa logo se tornaria um chalé se eu não tivesse mais dinheiro para pagar os criados.... Mas, ainda não era convincente. Eu precisaria de mais provas de que o lugar era real, que magia era real.  Não enfrentaria a possível morte sem certeza absoluta de que aquela mulher não era obra de meu inimigo para terminar de me falir. Precisava de provas.
- Pois bem, eu não farei nada se não puder me provar, aqui e agora, que a sua tal magia é real. - silêncio e depois uma resposta
- Provarei. - e a bela moça até então sem nome se aproximou ainda mais.

LaxiusOnde histórias criam vida. Descubra agora