Capítulo 1 - Lembranças

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Lembranças

Ela é uma palavra muito engraçada, é uma palavra que sempre vai viver em nós desde que nascemos, mas ela é mutável.

Por mais que a lembrança seja feliz, dependendo do seu estado de espírito, você no máximo vai sorrir amargamente.

Me chamo Annie e minhas lembranças não são felizes.

Decidi escrever sobre elas, pois talvez, com algum milagre, elas fiquem gravadas nesse pequeno papel e me deixem em paz, mas eu sei que minha esperança é tola, contudo, não custa desabafar.

Primeira lembrança

Desde pequena morei em um orfanato, não me lembrava dos meus pais ou que algum dia eu tivesse ido uma família antes deles, mas uma coisa eu posso te dizer, nem todos os orfanatos são bons, nem todos gostam de crianças e nem todos te adotam por amor. Meu caso foi o pior, mas se eu for otimista (coisa que geralmente não sou), posso dizer que ser adotada por bandidos é melhor do que viver em um lar que não conseguem manter.

Nunca fui aquela criança dada e cheia de amigos, sempre preferi um cantinho sossegado e livros. Eles te teletransportam para um mundo onde a dor passa, problemas são resolvidos e o amor vence. É claro que nem sempre é assim.  Eu tinha apenas dois amigos, Felix e Flint, eles eram irmãos gêmeos e por algum motivo acharam que eu podia ser irmã deles. Flint era engraçado e fofo, Felix tinha uma cara brava. Cada um tinha sua peculiaridade, mas depois de um tempo, descobri  que esses aspectos eram armas de defesa, não que eles tenham deixado de tê-las, mas com o tempo você aprende que é matar ou morrer.

Crianças solitárias nem sempre se tornam adultos felizes, há suas exceções, mas as regras são tristes, elas acabam se tornando más, e no orfanato ninguém se matava, mas sempre tínhamos um hematoma ou dois. Então, cada um se virava como podia. Os gêmeos eram dois anos mais velhos que eu, mas eu não precisei de muito tempo para aprender a me defender. Nossa amizade era boa e tinha respeito, se alguém nos atacasse, teria que enfrentar a fúria dos três.  

Era a lei da selva, cada um por si ou por sua família, eu era por esses dois, como eles eram por mim. E foi nesse momento que os gêmeos foram requisitados para serem adotados, eu apareci na sala de reunião e derrubei dois seguranças. Me lembro de arranhar, morder e chutar, acho que eles nunca viram uma criança tão furiosa, mas eu não podia perde-los.

A diretora megera não ficou nada feliz, mas Arlow ficou, ele disse que apesar de eu ter apenas 11 anos, eu tinha um dom. Eu não sabia o que era dom e nem sabia o que significava aquele olhar louco que ele tinha, mas eu faria de tudo para ficar perto dos meus irmãos.

Nesse mesmo dia, eu descobri o que era uma arma e como se inicia no crime e não me orgulho disso.

Segunda lembrança

Se você me perguntar do que eu me lembro dos 11 aos 15 anos, te responderei com uma palavra: sobrevivência.

Arlow era um homem na casa de seus 30 anos quando nos adotou, ele nos deu um quarto, neste  continha uma beliche, uma cama de solteiro e um guarda-roupa. O quarto não era pequeno e nem grande, mas era muito simples e sem graça para três crianças, mas era tudo o que tinham nos oferecido e só isso era muito melhor do que tínhamos no orfanato.

No dia seguinte de nossa adoção, Arlow explicou para que tinha nos adotado, nós seríamos seus aprendizes, moraríamos com ele, aprenderíamos a lutar e entenderíamos como funcionava  o crime organizado.

1-  Sem infância ou adolescência.

2- Sem brinquedos.

3- Sem amigos.

4- Sem felicidade.

Depois de tudo explicado, ele nos  que concederia um desejo, mas que deveríamos pensar bem, pois essa chance não nos seria dado com muita frequência.

- Quero ir para escola – falei. Ele sorriu e falou:

- Bandido não frequentam escola – eu podia ter ficado quieta, mas eu era uma criança petulante e como ele tinha prometido cumprir meu desejo, eu o faria cumprir.

- Bandido pode não frequentar, mas aprender a conviver socialmente e se adaptar as situações da vida salva muita gente. A escola é um bom lugar pra aprendermos isso.

- Boa garota- Arlow deu mais um sorriso maníaco e nos permitiu estudar.

Naquela época eu não entendia o porquê daqueles olhos serem tão inquietos e seu sorriso perturbador, mas seu eu tivesse a consciência que tenho hoje, eu teria ficado com medo.

Muitas pessoas vão me achar inteligente quando era pequena, não sei ao certo, mas eu só queria ir a escola, eu queria saber se as crianças de lá eram boas. Grande engano, mas a resposta que dei  a Arlow se concretizou como se fosse uma praga.

Logo quando eu e os meninos começamos a estudar, prontamente entendemos como o sobrenome dos Blaine’s era respeitado, não que fosse motivo de orgulho, muitos nos odiaram logo de vista, mas aprendemos a viver na selva.

Li todos os livros que pude, ensinei o que aprendia aos meninos e mesmo tendo a rotina cheia de lutas e armas, eu me formei em primeiro lugar no ensino médio. Com 15 anos, os meninos já não e davam tanta atenção, viviam na rua fazendo pequenos trabalhos, eu ficava em casa cuidando das coisas, mas Arlow não se descuidou de mim, aproveitou meu interesse por ler e aprender e me ensinou a ser estrategista, a pensar rápido e a montar armadinhas. Eu ajudava muito meus irmãos .

Nos meus quinze anos, ao invés de ter festa e vestido rodado, eu aprendi que nossa cidade era dividida em duas facções, a parte interna, ela era comandada por Adriel Blaine, ele cuidava dos assuntos internos, cuidava da população e dos assuntos que tinha que eram mantidos por aqui. Arlow era se primo e cuidava da parte externa, transações, entregas e os pontos de fora da cidade. A partir daí, comecei a fazer parte das missões, sempre ficava nos carros, monitorava a situação e ajudava-os na fuga, mas com o tempo, para o plano ter mais eficiência, Arlow acho melhor que eu também fosse isca. Isso foi a pior coisa que me aconteceu.

Eu não me preocupava com a minha aparência, mas os gêmeos diziam que eu era bonita, nunca levei suas opiniões a sério, mas com o tempo, fui isca várias vezes, aprendi a me arrumar e a ter charme, beijei muitas vezes, nenhum cara despertou nada parecido com o que diziam nos livros, nada que valesse a pena investigar qual era o sentimento.

Remember meOnde histórias criam vida. Descubra agora