capítulo dois

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Então, você voltou.

Apesar dos meus dias serem vazios, demorei para escrever este capítulo porque as horas escapam entre meus dedos, minuto a minuto, me deixando sem tempo livre. Quando você envelhece, passa a ficar muito mais consciente da passagem do tempo. Faço tudo com metade da velocidade que costumava fazer. O simples ato de ir até o meu quintal gritar com as crianças que fazem barulho na rua parece uma viagem até a China.

Mas você não quer saber sobre os resmungos de um velho ranzinza e sim sobre o clube dos jovens quebrados. Os quatro jovens aparentemente sem nada em comum que começaram a construir uma amizade que durou décadas. Eu entendo, eu entendo...

Mas antes, eu quero falar brevemente sobre o Marcelo.

Marcelo era um garoto bonito que estava sentado no banco da praça do seu bairro em plena tarde de quarta-feira. Sua cabeça raspada não suportava o vento gelado que soprava e por isso ele usava o capuz da sua blusa da Adidas. Era possível encontrar fones no seu ouvido que tocavam o melhor do hip-hop anos noventa.

O rapaz levou um susto quando outro garoto um pouco mais novo que ele pulou no espaço vago do banco. O estranho o encarou por alguns segundos antes de falar:

— Mano, tu não lembra de mim? — Parecia entusiasmado.

Marcelo fez o seu melhor, mas nada surgiu em sua mente.

— Cara, foi mal, mas...

— Da escola, véi! Nós ficamos na mesma sala, tipo nas primeiras séries! A gente sentava lado a lado, mano!

— Mesmo? Po, faz tempo!

— Mano, tu não lembra de mim, mas eu conto para todo mundo que sou seu amigo! Os caras da minha quebrada toda sabem que tu é!

Marcelo fez o máximo para agir normalmente.

— Sabem?

— Sim! A sua mixtape fez muito sucesso por lá! Bombou! Os caras andam com o carro rebaixadão bombando seu rap nos alto-falante! BUM, BUM, BUM! Chega treme o chão! Ficou profissa demais!

— Ah, cara — Marcelo gravou algumas rimas no estúdio do seu amigo e disponibilizou no YouTube. Os vídeos tiveram alguma repercussão positiva, chegando até a toca na rádio FM local. — Valeu, mas foram as primeiras paradas que gravei. Ainda tenho que melhorar e...

— Não, mano! Tu mandou bem demais! Só que vai ter que me prometer, não vira esses Poesia Ac;ústica da vida! Tem que se manter raíz, ta ligado? Não pode virar as costas pra quebrada e ficar rimando pra playboy! Isso é traição!

— Mano, fica tranquilo. Nem quero seguir carreira. O rap foi mais na zoeira, mesmo.

— Mas ta chovendo dinheiro, né não?

— Nada, cara. Nada. Não ganhei um centavo.

— Sérião?

— Sérião...

— Vixe, mano. Então tu não pagou o Adauto ainda?

Marcelo sentiu o seu corpo inteiro gelar. Como ele sabia disso?

— Cara, o meu lance com o Adauto está resolvido. Ele sabe que vou pagar assim que tiver a grana! E como é que você sabe disso? Quem te contou?

— Ah, mano. O pessoal comenta, sabe como é.

— Não sei, cara. Agora segue o teu rumo aí. Se quer saber, eu nem lembro se a gente estava na mesma escola mesmo!

— Calma, cara. Não precisa ficar assim!

O CLUBE DOS JOVENS QUEBRADOSOnde histórias criam vida. Descubra agora