O último olhar da Locomotiva

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O último olhar da locomotiva

Uma passagem só de ida.

José Maria S. Jorge


         ... Despiu-se os olhos, fitando o exuberante trem das 18h., que apontara uma hora mais cedo ao pôr do sol, sobre as encostas ribeirinhas do rio Amazonas onde ela que de tão ansiosa, já estava a espera desde as três da tarde. Cheio de cores e minuciosos detalhes, Crisbela esquece-se por alguns momentos do seu amado amigo companheiro de longas datas e conversas, só paravam quando o assunto era: solteira? Sozinha? Casar um dia? ... Pretendente. Plantado enquanto vigiava as bagagens, e só observando o encantamento de Crisbela pelos trilhos, inclusive pelos trilhos da vida. Quem dera ao menos poder imaginar que era o último olhar em uma despedida fria e calculista com passagem só de ida. Pressentiu na hora que algo já estava acontecendo, e que era tarde demais para tentar remediar e dizer: - Não vá; se for me leve junto por completo, porque meu coração foi o primeiro a embarcar no assento do lado esquerdo da locomotiva. As malas amontoadas à espera das etiquetas, era um colorido só, que chamavam a atenção da multidão no entorno, tirando a parte em que as malas se disfarçavam entre si, tramando um plano, com intuito de que, se por acaso o trem não quebrasse ou então que faltasse para trás uma sacola colorida cheia de potes e ervas misteriosas da viajante para que pudesse atrasar a viagem pelos menos por um dia e, seria o suficiente para se colocar as coisas em dia. Pensando alto, Alcino soltou sem querer as palavras, "boa", logo noite... Se foi". Os passageiros se impressionaram e entenderam "noiva ", futura esposa... E aproveitaram para alcovitar, pois a cena era penosa, e deram um apoio moral e retrucaram dizendo, que o que vale é o amor e, a perfeição da beleza depende da aceitação de quem ver e do coração. Vá em frente, o lance da vida é deixar as borboletas voarem e aguardar que elas voltem, pois quem ama libera o amor... Suporta as partidas apesar do excesso de bagagem.

           Crisbela tinha a fama de não se apaixonar a cada estação, mas sim a cada cidade que passava, criava um amor, fazendo uma presa desse e, refém aos seus encantos pelos adereços sensuais e avantajadas silhuetas corporais em forma de ampulheta do tempo, de um metro e setenta, além de gostar de se exibir, sempre prometia residência fixa onde chegava, e dedicação ao primeiro e único amor à primeira vista, e sendo assim, quem resistiria a seus caprichos, ainda mais quando se tratava de um antigo amor da adolescência e único selinho nunca esquecido por Alcino. As cidades ribeirinhas do rio Amazonas e até ao outro lado, no encontro do Tocantins, circunflexuavam acontecimentos intrigantes e fabulosos, que eram muito mais do que história de pescador, conheciam a estória de uma lenda sobre uma mulher viajante nas embarcações, que nunca ninguém se dava conta, diziam que só notavam quando ela chegava com uma "boroca" toda vistosa, e logo tirava uma garrafa e oferecia uma bebida aromática, falava que fazia bem pra viagem, mas, no final, ninguém se lembrava pra onde ela tinha ido, só o rastro por onde passava em cada cidade ribeirinha das vítimas. Os homens é que se cuidem.


Desta vez, ela resolveu inovar e pegou um trem. Na cidade onde morava, andava sempre com uma sacola a tira colo, visitando algumas casas sempre a boquinha da noite, e depois de duas horas de conversas, tratava de deixar um convite em aberto para uma visita a sua casa, mas só ia mesmo aquele que ela queria. Alcino um " homezarrão", forte e difícil, de um metro e quarenta e cinco, caiu na rede e aceitou o convite, homem de opinião certeira, não se deixava levar por certas conversas, dizia ele aos amigos e, que mulher nenhuma domara seu coração, mas aceitou o convite só pra testar a falácia do povo sobre aquela suposta mulher. A primeira que ele a conheceu, estava pescando nas beiras com um amigo, que foi embora mais cedo, pois tinha os filhos para criar, mas ele resolveu ficar e virar a noite, já que a lua estava bonita, só com um tom meio cinzento e azulado ao mesmo tempo, e um céu claro. Nesse dia, Alcino chegou por volta do meio-dia; no outro dia, a população já estava preparando a busca quando meteu a cara. Não trouxe nenhum pescado, mas pela cara sorridente a pescança tinha sido boa assim mesmo, os olhos avermelhados e sempre risonho meio cambaleando as pernas, disse que tinha deixado o barco no lugar da espera, e que voltara lá depois para buscar. A partir daí, toda semana, Alcino tinha uma pescaria secreta, saía às escondidas ou de manhã ou de tardinha. Retornando ao fato anterior, quando chegou na casa dela, a única casa afastada, logo ela pegou um frasco e deu uma borrifada no ambiente com um aroma sedutor inalante, mas ponderado, feita de uma essência por ela mesma e depois o chá. Alcino recusou, mas ao se aproximar não resistiu e bebeu a bebida gosmenta de cor azulada e vermelha por baixo. 

 Em uma tarde onde ocorreu uma festa entre amigos, resolveram brincar das brincadeiras da juventude e logo começaram a dizer; "Quem ficar por último é mulher do padre...Quem cair na rede, é peixe". Tentando alertar Alcino, porém, já era tarde, pois ele já estava enfeitiçado pela única moça na roda que apareceu na festa. Logo,ela foi embora e, em seguida, apareceu Crizantina e uma amiga. Crizantina era uma viúva cheia de joias, que andava sempre viajando e gastando a fortuna... Contam que nunca souberam ao certo quem era essa mulher que se dizia viúva, pois nunca mostrava as provas, e pra uma cidade pequena nunca estavam as duas juntas, ou dizia uma que ia viajar com uma amiga com tais características. O fato é que as semelhanças indicavam a mesma pessoa, pois a lenda diz que Crisbela se transformava em duas, para não haver descobertas, mas como ninguém nunca conseguia provar nada, assim ficava, o único que podia dizer alguma coisa já tinha morrido de desaparecimento, era o senhor Florêncio que morava bem à beira da encruzilhada dos dois rios, num ranchinho feito de palha seca de bananeira. Voltando em si de um pileque sobre as malas, com a voz doce de Crisbela em seus ouvidos, escutou abuzinada do trem chamando o povo para entrar, Alcino ficou confuso e pensou que aquela mulher nunca existira afinal, mas olhava para ela e se sentia encantado, era uma fada em forma de anjo demoníaco, de mistura indígena com sulista, era uma ruiva esbranquiçada de olhos azuis hipnotizantes, e cabelos pretos que não negava a raça. Alcino pegou as malas e colocou no bagageiro, enquanto ela tirou uma das passagens, a da volta, e rasgou... Soltou no chão de propósito. Quando Alcino virou, ela já foi lhe abraçando e dizendo: – Você tem sido um anjo, merece um beijo e, tacou-lhe que não deu tempo de nenhuma reação. Não acreditando, ficou pasmo e sem palavras, deu um salto para cima de braços abertos e desceu abraçando a si mesmo, e um grito assustando a todos. Olharam para ele e não entenderam. Ela disse que tinha mais uma mala. Quando ele colocou que virou, ela já estava dentro do trem, lhe acenando nas últimas buzinadas do trem. Ele então lhe deu com a mão com ar de felicidade e ao dar três passos virando a caminho de casa, deu de cara com a passagem rasgada... Suspirou e olhou de volta para a janela do trem partindo, e não a viu mais, piscou os olhos e retornou o caminho sacudindo a cabeça como quem não acreditava no que estava acontecendo, mas se sentia enfeitiçado e cantarolava, deu o último olhar com vistas já escuras, e não viu mais nem o trem e nem os trilhos da locomotiva... A noite calou-se, os ventos pararam, a lua subia, não se ouvia nem um pio de nada, nem o chiado do rio. Alcino começava a cair na real de uma tristeza profunda, e pensou porque não se ajeitou pra ir junto, ou seria melhor acabar logo de uma vez com a aquela suposta ilusão que já não teria certeza se era de verdade. Olhou para o chão, pegou a passagem, colocou no bolso pra recordar de lembrança e fiou o caminho de casa... 










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⏰ Last updated: Oct 18, 2019 ⏰

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