By: Carlos Augusto Pessoa
Letícia olhou irritada para o relógio. Tinha dezessete minutos para realizar tarefas que durariam, no mínimo, trinta e dois. Desde pequena, estava acostumada a planejar seu dia uto por minuto, e sabia qunato demoraria a realizar cada tarefa. Até mesmo seus momentos de preguiça e descanso eram planejados - nenhuma vez na vida ficara sem saber o que fazer. Mais importante de tudo, nenhuma vez na vida se atrasara para algum compromisso. E sua existência era aquela calculada sucessão de compromissos, todos marcados e contados. Sua mãe a chamava de "suíça", em referência aos relógios suíços - quando a sua mãe morrera, Letícia não foi ao funeral porque assim se atrasaria para uma reunião do trabalho.
Cláudio olhou nervosamente para o relógio. Faltavam dezessete minutos para as quatorze horas, horárioque tinha combinado de se encontrar com sua amiga Letícia. Olhou-se no espelho no espelho. Incrivelmente, já estava arrumado e pronto para sair. Normalmente, Cláudio se atrasava para tudo, pois não costumava se importar muito. Dessa vez era um encontro apenas, só ir ao shopping, caminhar, conversar, rir, nada demais... Mas ele se importava. Mesmo assim, querendo demonstrar a informalidade, usava uma bermuda azul e uma camisa polo. Pensou melhor. Polo larecia ser exagero. Melhor uma camiseta qualquer. Provavelmente branca. Trocou-se. Tinha quinze minutos para chegar ao lugar do encontro. Olhou-se novamente. Estava pronto.
Letícia corria freneticamente. Ainda assim, chegaria atrasada. Não havia como evitar. Ela não era nem um pouco lenta, mas seria impossível completar todas as tarefas nos quatorze minutos que tinha. Encheu o tanque do carro co. gasolina aditivada. Uma complicação em seu cartão lhe custou mais dois minutos do que o normal. Precisava estar no shopping em nove minutos. Ficava do outro lado da cidade.
Cláudio cruzou a porta de casa, forçando sua memória ao máximo. Chegaria a tempo, confere. Cabelo arrumado mas não exagerado, confere. Tudo parecia suspeitamente perfeito. Não estava esquecendo de nada? Tinha certeza que não. Pensou em comprar flores, mas notou na mesma hora que seria exagero. Atravessou a rua e entrou no shopping, que ficava na frente de sua casa.
Enquanto isso Letícia enfrentava um enorme engarrafamento. Pegou o celular e, apesar de estar dirigindo, ligou para Cláudio. Chamou, chamou e não atendeu. Letícia desistiu e deu uma longa buzinada. Como sempre, a buzina não fez os outros carros andarem mais rápido.
Cláudio sentou-se na praça de alimentação, em frente a uma lanchonete. Ficou com medo de ficar com cheiro de fritura na roupa e saiu dali. Caminhou até a frente de uma livraria e ficou olhando os livros. Ficou com medo de causar a impressão de ser muito estudioso e também saiu dali. Trocou de lugar mais sete vezes, sem escolher muito bem onde ficar. Ele e Letícia deviam ter combinado um lugar específico para se encontrarem, pensou... Tentou lembrar qual lugar era. Não conseguia.
Letícia já contava cinco minutos de atraso - o primeiro atraso de sua vida - e não parcia haver promessa de melhoras. A única promessa que havia no ar, a única possibilidade, era esperar por mais horas e horas, conforme a fila dr carros se estendia até além de onde sua vista alcançava. Letícia nunca fora muito imaginativa, maa permitiu-se a pergunta: até onde será que aquela tripa de veículos ia? Teria fim?
Cláudio começava a ficar nervoso. Talvez ela não viesse. Talez ela nem se importasse. Talvez ela tenha vindo, ido no lugar combinado e, ao não vê-lo, ido embora. Essa era a pior possibilidade. Para ele, a única coisa pior do que a rejeição era o desencontro, que tinha o mesmo resultado de ser rejeitado, mas vinha acompanhado de uma ironia infinitamente mais dolorida.
Finalmente, os carros começaram a andar, como se a buzina de Letícia tivesse surtido efeito.
Cláudio saiu de onde estava, nervoso, e foi até a lanchonete comprar um sanduíche. No caminho desistiu e saiu em passos rápidos da praça de alimentação, para não ficar com cheiro de fritura na roupa. Pensou em voltar quando sentiu a barriga roncar, mas desistiu. Estava nervoso.
O tráfego fluía. Letícia suspirou aliviada. Engatou a quinta marcha, com planos de não parar até chegar ao shopping. Estava mais de vinte minutos atrasada, e detestava isso profundamente. Nunca se atrasara antes, e a sensação era péssima.
Cláudio finalmente lembrou do lugar onde deveria se encontrar com Letícia. Na frente do relógio. Claro, sempre é na frente do relógio. Decidiu ligar para o celular dela, perguntar se ela já tinha chegado, contar que tinha se esquecido e, quem sabe, inventar alguma história divertida e tudo mais. Assustou-se. O celular não estava com ele.
Mais três quadras e Letícia estaria uma virada à direita de chegar ao shopping.
Apesar de sua péssima memória, Cláudio lembrou-se: tinha deixado o celular em casa.
Letícia fez a curva à direita.
Cláudio saiu correndo do shopping, querendo voltar logo para casa.
Letícia sentiu a roda direita de seu carro passar por cima de alguma coisa.
Cláudio sentiu alguma coisa passar por cima de suas pernas e coluna.
- Foi assim que aconteceu?
- Foi.
- Trágico.
- É.
- E depois?
- Fica ainda mais dramático. O Cláudio nunca mais andou, e teve de passar o resto de sua vida no hospital, no quarto quinhentos e doze.
- E Letícia?
- No geral, até que ela se saiu bem. A hora de visitação do Cláudio começava as oito horas da manhã. Todo dia, exatamente às sete horas e cinquenta e três minutos, a Letícia dstava lá na porta do quargo quinhentos e doze, esperando sete minutos antes de entrar. O que foi uma enorme vitória para a garota: ela nunca mais se atrasou.
VOCÊ ESTÁ LENDO
crônicas de uma adolescente
Novela JuvenilAqui tem crônicas que eu criei e algumas que eu li e que goataria de compartilhar com vcs... detalhe não tem dia certo para atualização mas prometo toda semana, se gostarem claro. Para vocês saberem quem está escrevendo: oi meu nome é Samara (Sa...