Arkaloth parou de escrever no pergaminho de couro enegrecido quando ouviu um grito que se distinguia dos demais, tão frequentes naquele lugar. Era o grito de morte de Terdoff, o demônio que guardava a porta de sua capela. O necromante fitou a entrada com descrença de que alguém tivesse mesmo ousado invadir seus domínios de maneira tão direta. A porta se abriu lentamente e por ela entrou um gato branco e em seguida foi possível distinguir a figura da jovem.
- O que faz aqui bruxa? Sabe que não é bem vinda!
- Raros são os lugares em que sou bem vinda, Askaroth - respondeu Lírio – Entretanto precisamos conversar.
- Não temos nada a dizer...
- Você quebrou o maldito acordo, demônio!
Ele calou-se.
- Três de seus lacaios foram sentidos no reino humano da Terra.
- Não pode provar isto! Suas sentinelas sensitivas já erraram antes.
- Sim, é verdade, mas graças a um artifício que ainda vamos desvendar, só que desta vez era real.
- E como pode ter tanta certeza?
A jovem bruxa enfiou a mão na bolsa que trazia a tiracolo e retirou de lá uma garrafa.
- Aqui está minha certeza.
O demônio necromante não conseguiu disfarçar sua surpresa ao perceber que dentro da garrafa havia dois seres semelhantes a uma versão maligna das fadas, demônios miniaturizados voando em círculos tentando inutilmente quebrar o vidro mágico e se libertar.
- Desculpe-me pela indelicadeza de não trazer os três, mas o último não quis mesmo colaborar então tive de matá-lo.
As veias do pescoço do demônio saltaram imediatamente. Estava prestes a explodir de ódio por tamanha afronta daquela que ele considerava a maior das aberrações dos novos tempos, a bruxa dos sonhos.
- Ora, sua fedelha, escuta aqui...
- Não! Escute você, velhaco: este é o último aviso. Se tentar expor o manto mais uma vez eu não virei sozinha até aqui. Trarei meu coven inteiro e daí não vai adiantar colocar capangas e guardas mais fortes para proteger sua capela, pois mesmo seu mais poderoso santuário não resistirá a força de nossa magia, está entendendo? Já mostrei mais de uma vez que demônios também podem sonhar e uma vez que sonhem, posso me tornar seu pesadelo.
- Você é muito petulante achando que pode vir até aqui me ameaçar e achar que isso ficará sem retaliação!
- Errou de novo, velhaco. Estou torcendo que faça isso mesmo. Preciso apenas de um motivo.
- Sua vadia, toma aqui seu motivo!
Askaroth fez surgir em suas mãos duas esferas de fogo vermelho e as disparou contra a menina e o gato, mas ao mesmo tempo Lírio sacou da bolsa uma varinha e a girou entre os dedos fazendo deste modo com que as esferas voltassem rapidamente para seu lançador. Askaroth foi atingido com violência por seu próprio poder e lançado contra a parede dos fundos da capela. Ao abrir os olhos estava debruçado sobre o pergaminho de couro negro no qual trabalhava. A porta estava fechada, suas roupas intactas e nem sinal da bruxa e daquele gato detestável. Foi então que o demônio se deu conta de ter tido seu primeiro sonho em toda sua existência de nove séculos. Agora não tinha mais volta, ela poderia sim enfrentá-lo de igual para igual no mundo dos sonhos! Ele precisava acabar com Lírio antes que ela descobrisse a extensão de seus poderes.
Alguém bateu na porta. O guarda entrou segurando algo que fez Askaroth gritar de ódio.
Uma garrafa com dois demônios aprisionados nela.
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LÍRIOS NO ABISMO
FantasyUma adolescente descobre o motivo mágico por ter nascido de cabelos brancos que tinta alguma conseguem esconder. Uma jornada por vários mundos em busca de conhecimento começa.