CAPÍTULO 2

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                    Bem-vinda a Wests

    GELADO. Com certeza é a palavra mais apropriada para descrever esse palácio. Todas as paredes do seu interior são brancas. Há quadros e esculturas por todos os lados. Quando olho para cima perco totalmente o fôlego: há desenhos espalhados pelo teto, todos trabalhados em tons dourados que reluzem como ouro, um lustre enorme emoldura seu centro.
“Estava ansioso para te encontrar” diz uma voz rouca e potente bem atrás de mim. Viro rapidamente e me deparo com um homem alto, com cabelos extremamente escuros, olhos azuis escuros intensos e pele bronzeada. Ele não deve ter mais de quarenta anos. Não preciso perguntar quem ele é, só basta olhar em seus olhos porque são os mesmos que eu vejo todos os dias quando me levanto na frente do espelho. Callum, o doador de esperma.
“Nossa!!! Posso até imaginar, já que foram necessários  dezessete anos para você ter coragem suficiente para se lembrar que tem a porra de um filha nesse mundo. Mas acho que essa coragem na verdade soa mais como uma obrigação dada ás circunstâncias que me fizeram vim pra cá” minha voz sai em um tom exaltado e irônico.
    Callum não responde minhas palavras, apenas me analisa de cima a baixo, não há como existir dúvidas sobre a paternidade. A semelhança é imensa, herdei seus cabelos escuros e lisos, os mesmos olhos e os mesmos traços marcantes do seu rosto. A única diferença é no tom de pele e na minha altura, sou extremante branca, quase transparente e bem baixinha, tenho apenas 1,57m de altura. Também não sou magrinha, tenho bastante curvas, traços estes herdados da minha mãe. 
“Realmente você é minha filha Noora e não digo isso somente pela enorme semelhança física, com poucas palavras posso ver que temos a mesma personalidade, você não tem medo e nem se deixa abalar pela mudança. Gostei de você filha” diz Callum com a insinuação de um pequeno sorriso se formando em seu rosto.
   Neste momento meu sangue ferve. Como ele tem coragem de me chamar de filha? Será que esse cara acha mesmo que vou chegar aqui, esquecer tudo e construir uma relação de pai e filha com ele? 
“Filha? Acho mesmo que existe a hipótese de algum dia eu te chamar de pai? Só estou aqui porque a minha mãe está morta e não tive saída, porque ainda sou de menor e não tinha dinheiro pra fugir. Este é o único motivo. Mas depois que fizer dezoito anos vou dar o fora daqui. Você nunca vai deixar de ser um estranho pra mim, não gosto de você e não faço questão alguma de mudar isso” digo lentamente para ver se ele entende.
“Olha Noora eu entendo tudo o que você sente, principalmente em relação a mim. Sei que mereço tudo isso, mas quero que saiba que em todos esses anos eu sempre pensei em você, sempre quis te conhecer mas fui covarde e tive medo por tudo o que fiz. Sei que os motivos que te fizeram vir morar comigo não são bons e queria sinceramente que não fosse desse jeito, mas não serei sínico em dizer que não aproveitarei a única oportunidade que tive para tentar me aproximar. Mas pode ficar tranquila, vou te dar espaço e deixar que se acostume com a mudança, não vou forçar nada. Só saiba que estou diferente e não sou o mesmo homem que sua mãe conheceu” diz Callum.
“Callum não perca seu tempo, talvez seja melhor gastar mais seu dinheiro com tratamentos com sua esposa para ver se ela consegue te dar um filho e assim você possa brincar de ser pai e me deixar em paz. Não me importa se você mudou, se está arrependido, nada importa, porque para mim você não é nada, na verdade, você é menos que nada” digo inclinando o rosto para olhar desafiadoramente dentro de seus olhos.
“Chega Noora. Posso não ser o pai que você queria mas sou o único que você tem, na verdade sou a única pessoa que você tem porque todas as outras pessoas da sua vida estão mortas. Uma hora ou outra vai ter que aceitar. Queria poder te mostrar seu quarto mas acho que você não quer muito ficar na minha presença, por hora vou aceitar. Pode ficar à vontade e olhar tudo aqui embaixo, enquanto isso vou chamar uma das empregadas para te mostrar a casa e seu quarto” diz Callum e após me dar uma última olhada sai em direção a uma porta lateral.
“Na verdade sou a única pessoa que você tem porque todas as outras pessoas da sua vida estão mortas”. Suas palavras martelam em minha cabeça como o som de uma música que vicia, mas ao contrário das letras de música essas são reais e causam muita dor. Este homem é arrogante, prepotente e gosta de mandar. Acha que sou obrigada a gostar dele e esquecer tudo. Um ano vai demorar muito para passar, viver aqui vai ser um inferno em terra.
“Sr. Noora muito prazer. Meu nome é Martha, trabalho na residência do Sr. Callum há muitos anos, estava ansiosa para te conhecer. Sua vinda era aguardada há muito tempo, estou feliz em te conhecer. O patrão me pediu para te mostrar a casa e seu quarto”. Uma mulher mais velha, bem gordinha e com cabelos brancos diz ao mesmo tempo em que estende sua mão para mim. Minha vontade era ignorar a presença dessa estranha na minha frente, mas então percebo que ela não tem culpa de nada e quanto mais tempo ela fizer isso mais rápido vou me livrar disso tudo e poder me trancar no quarto e ficar sozinha. Somente por esse motivo estendo minha mão e forço um sorriso falso no rosto.
“Olá Martha, estou feliz de você fazer isso e não aquele homem que estava aqui minutos antes, mas por favor me chame somente de Noora, sou muito nova pra ser chamada de Senhora. Vamos então? Estou muito cansada e gostaria de poder tomar um banho e dormir” digo quando pego na mão da mulher a minha frente.
  Sinto que ela fica desconfortável quando me refiro de um modo não muito agradável a seu patrão, mas ela não diz nada, apenas me retribui o sorriso e sem dizer mais uma palavra começa a me guiar por toda a casa e mostrar cada canto. Cerca de trinta minutos depois posso confirmar o que já havia dito: isto é mesmo um palácio, daqueles do tipo que você consegue se perder, tem uma sala de jantar, uma sala de visitas, sala de descanso, sala de jogos, uma cozinha daquelas que vemos em programas gastronômicos na televisão, uma biblioteca enorme, um escritório, isto tudo somente no andar debaixo. O andar superior é acessado por uma escadaria imensa, lá encima estão os quartos, pelas minhas contas esta casa tem mais de quinze quartos e cada um deles é uma suíte para constar. O que seria o meu quarto fica no final do segundo corretor, seu interior é todo bege, uma cama king ocupa seu centro, ela está coberta por um conjunto de lençóis roxos de seda, em cada lado da cama a uma cômoda, em uma delas há um abajur e na outra uma escultura de enfeite. No outro lado do quarto há uma escrivaninha contendo um daqueles notebook fininhos caríssimos, acima dela tem uma prateleira cheio de livros novos, do lado esquerdo há um banheiro em tom azul bebê que contem até hidromassagem, do lado oposto tem a porta de um imenso closet que ainda está vazio. O chão é todo coberto por um tapete bege bem peludo. Mas o que me chama atenção são as janelas, elas são imensas e vão do chão até o teto, do outro lado há uma sacada com vista para a parte de trás da casa, daqui posso ver uma enorme piscina, uma quadra de tênis, outra de basquete, uma área para fazer churrasco e bem lá no fundo posso ver o início do bosque. LINDO. Volto meu olhar para o interior do quaro e noto as cortinas que são de um tom cinza.
“Então Noora se não tiver gostado de algo é só me avisar que vamos mudar o mais rápido possível. Depois que descansar fique à vontade para explorar. Agora vou te deixar sozinha para descansar. Tudo bem?” A voz de Martha interrompe minha análise pelo quarto, mas as palavras que ela disse me deixaram feliz. Finalmente sozinha.
“Ah é claro, mas está tudo ótimo, muito mais do que eu esperava. Agora só quero descansar”. Dito isso Martha apenas me dá um aceno discreto e sai do quarto me deixando finalmente sozinha.
  Olhando bem agora percebo que todas as minhas coisas foram colocadas em um canto, devem ter trazido enquanto eu conhecia o resto da casa. Abro uma das caixas e pego algumas roupas para vestir depois do banho. Me dirijo para o banheiro, passo pela hidromassagem e vou para o box que dá acesso ao chuveiro, observo que o banheiro já estava todo arrumado para a minha chegada, há toalhas de banho, sabonetes líquidos e cremes para o cabelo que parecem bem caros. Deixo minhas roupas em um canto e então ligo o chuveiro, permito que água quente escorra pela minha pele e me ajude a acalmar a ansiedade e agonia que me ronda desde que cheguei. Fico quase por uma hora no banho, quando vejo que minha pele já está todo enrugada vejo que já é hora de sair. Me seco rapidamente e volto para o quarto, realmente estou cansada, então acabo deitando e durmo rapidamente.
   Quando acordo percebo que já está bem escuro. Quando olho pro lado vejo uma bandeja contendo um sanduiche, suco, café e algumas frutas, deixaram aqui enquanto eu dormia. Meu estômago ronca alto e então resolvo comer porque fiquei o dia inteiro sem comer. Como dormi muito tempo estou sem sono, então resolvo sair do quarto e andar um pouco. Ao chegar no andar debaixo velo que está tudo escuro e não tem ninguém então quando olho para os relógio vejo que são duas horas da manhã, dormi quase oito horas seguidas e fico feliz de ninguém ter me incomodado e me chamado, nem que seja só por hoje. Como dormi até agora sono não é algo que vou sentir tão cedo, então descido sair um pouco da casa e fazer uma caminhada, talvez ir até o bosque que vi pelas janelas do meu quarto mais cedo. Ao sair da casa o clima e a brisa fresca da noite me encobrem gerando pequenos arrepios pelos meus braços descobertos. Apresso os passos para não ser pega por ninguém, dou a volta pela entrada da casa e vou em direção aos fundos onde passo pela piscina e as quadras de esportes, não paro para analisar nada disso, quero chegar logo ao bosque e ficar longe da vista de qualquer um que possa estar acordado e que se me ver vai querer que eu volte para dentro. Ando mais algum tempo e finalmente estou na entrada do bosque, como a lua está cheia consigo ver nitidamente entre as árvores sem nenhuma dificuldade.
  A única coisa que consigo ouvir quando entro cada vez mais por entre as árvores é o barulho de alguns animais. O silêncio que se estende é aconchegante. Devido ao clima quente da Califórnia as folhas das árvores estão bem secas, há muitos galhos secos espalhados pelo chão, não é tão bonito quando os bosques de onde eu morava pois a chuva era sempre uma constante nos nossos dias em Forknigh. Depois de alguns minutos andando entre as árvores percebo que estou me aproximando de algumas ruínas, muros cheios de ervas e sujos se estendem à frente formando uma espécie de labirinto, estas devem ser as ruínas de alguma fabrica ou algo parecido. Minha curiosidade é tão grande que acabo seguindo por uma das entradas para ver como são por dentro, quero saber o porquê dessas ruínas fazerem a cidade de Wests ser tão famosa. Uma beleza rústica domina o local, acho que a história e o mistério sobre o que se passou por aqui associado a curiosidade humana são o porquê de serem tão famosas. Sigo silenciosamente, fazendo algumas curvas e desviando de algumas raízes cada vez mais para dentro das ruínas, acho que acabo ficando perdida.
Algumas risadas chamam minha atenção e acabo seguindo o som de seus ecos por entre as paredes. Chego em uma parte aberta das ruínas, o local à minha frente é todo aberto, nesta parte não há labirintos, apenas uma imensa área aberta. Uma fogueira domina seu centro.  Me escondo atrás de um tronco de árvore grosso para poder ter uma melhor visão do local. Sinto um cheiro bem forte de baseado, então este local deve ser usado para as pessoas se drogarem e fazer coisas do tipo sem correrem o risco de serem pegas. Meus olhos recaem sobre um canto mais afastado onde as vozes se tornam mais fortes e o que vejo me assusta.
   Quatro caras mascarados ocupavam aquele lugar. Eram garotos extremamente altos e fortes. Todos os quatro vestiam uma calça de moletom preta e um agasalho preto com o capuz sobre a cabeça. O que diferenciava cada um deles é a máscara. A luz da lua me permite analisar cada uma das máscaras. O mais baixo que estava à esquerda usava uma máscara de aparência metálica cinza com marcas de garras deformando o lado direito de seu rosto. O do meio era mais magro e usava uma máscara branca e preta com uma listra vermelha escorrendo pelo lado esquerdo de seu rosto, que também era rasgada e cinzelada. O da direita tinha uma máscara completamente preta que misturada com seu capaz preto o deixa com um ar mais sinistro ainda. O quarto garoto era o mais alto e forte de todos, ele estava um pouco mais à frente dos outros, ele estava inclinado sobre algo então não pude analisar sua máscara. Tudo ali gritava para que eu corresse e me afastasse antes que eles percebessem minha presença, mas por algum motivo que não consigo explicar meus olhos não conseguiam desviar daqueles caras, meus pés não se movimentavam, um tremor dominou todo meu corpo. Nem o pânico que começou a infligir meu corpo foi o suficiente para me fazer correr.
   O garoto que estava se inclinando sobre algo se afastou um pouco me dando uma boa visão sobre o local que antes ele estava tampando com seu corpo. Enquanto os outros três apenas observavam, o quarto cara estava dando uma surra em um garoto que já estava com a camisa branca toda coberta de sangue, seu rosto estava todo roxo. Mesmo com a situação deplorável que o pobre rapaz se encontrava o cara mascarado não parava, ele lhe deu mais alguns socos e chutes. Seu corpo era como uma máquina para proferir golpes, eles eram precisos e fortes.
“Nunca mais ache que pode brincar conosco Sage, não importa o quão esperto se ache porque nós somos mais. Na próxima vez não vou estragar só esse seu rostinho bonito, vou te colocar direto em uma cova e te deixar pra morrer. Não duvide, você sabe que isto para mim não é nada. Seria como eliminar lixo em um lixão” diz o cara que o estava batendo. Sua voz era rouca, forte e mesmo sendo baixa era potente. Os outros caras não falaram nada, apenas riram e murmuram coisas emboladas que não consegui identificar.
Neste momento seu rosto se virou em direção aos outros garotos e pude analisar sua máscara. Ela era de um vermelha intenso — uma réplica deformada e com cicatrizes das máscaras do jogo de videogame Army of Two. Meus joelhos falharam pelo medo que me inundou, este cara tinha um ar mais sombrio do que o cara da máscara toda preta. Um gemido frustrado sai da minha boca sem que eu poça controlar, era baixo, não era para ter sido nem notado. Os outros caras não notaram, talvez por estrem chapados e rindo entre si, mas os olhos do cara da máscara vermelha seguiram o pequeno ruído até recaírem sobre mim. A luz da fogueira me permitiu analisar seu olhar, era intenso e ficou focado em mim por todo o momento. O cara não falou nada para seus amigos, apenas ficou me analisando fixamente. Acho que isto me deixou com mais medo e aterrorizada. Não esperei mais, virei cuidadosamente e segui em direção a saída, quando consegui me afastar me permiti correr o mais rápido possível. Mas nem o esforço da minha corrida intensa por entre as ruínas para achar a saída fez minha cabeça esquecer aquele olhar que me perfurava através daquela máscara.
Porque ele não avisou os outros? Porque me deixou sair dali sendo que podia ter me pego facilmente?








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