Um mundo de cores

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Aviso de gatilho: violência doméstica.

A sociedade tinha suas regras.

Quando um bebê nasce, ele ou nasce rosa, ou azul. E a cor vai determinar como será o resto de sua vida.

São separados logo na maternidade. Azuis para um lado, rosas, para o outro.

Educados separadamente também. Rosas aprendem coisas como cozinha, costura, cuidar da casa e dos filhos.

Azuis aprendem a ser fortes. Eles caçam, constroem casas, descobrem lugares.

Rosas são professores. Azuis policiais. Rosas são psicólogos. Azuis matemáticos.

E todos viviam felizes, executando suas funções.

Certo?

Bem, Ariel, não.

Ele era diferente.

Sempre fora. Logo quando nasceu, todos já notaram. Era um bebê azul, sem dúvida. Porém, havia uma mancha rosa que ia de seu olho esquerdo até a bochecha.

-O que há de errado com ele, doutor?- Perguntou sua mãe azul, assim que o viu pela primeira vez.

-Não sei dizer, senhora- respondeu, parecendo preocupado.

-O que pode ser feito para consertar essa anomalia?- A mulher perguntou, sem saber ao certo como se sentir. Fora lhe dito no pré-natal que ela daria luz a um azul. E esse sempre tinha sido seu sonho, embora seu marido quisesse um rosa.

-Nunca vi um caso assim, mas imagino que se vocês lhe ensinarem os costumes azuis, a mancha possa ir sumindo com o tempo.

E assim seus pais fizeram. Ariel teve a criação mais azul que era possível se ter. Sua mãe o levava para jogar todos os esportes imagináveis. Eles também sempre iam juntos caçar, pescar. Esportes relacionados a luta, como box, judô, karatê, eram os mais incentivados.

Ariel os odiava.

Não todos, é claro. Ele achava futebol até legal, e vôlei era bem divertido. Box, por outro lado, era um completo pesadelo. Os outros azuis sempre ganhavam dele, fazendo-o voltar para casa todo dolorido.

Às vezes, só gostaria de ajudar seu pai rosa na cozinha. Afinal, parecia muito trabalhoso fazer toda aquela comida sozinho, e Ariel pensava que saber fazer sua própria comida era mais útil que caçar.

Uma vez, tentou falar isso ao seus pais. Sua mãe ficou tão brava que bateu nele. Não apenas uma palmada, ela o espancou ao ponto de que mal conseguiu andar no dia seguinte.

Seu pai ficou tão indignado com ela que a denunciou por maltratos infantis. O policial azul não levou-lhe a sério.

-Uma azul batendo no filho para ele deixar de ser rosinha não é nenhum crime, senhor.

-Ela o espancou!

-Bem, aposto que ele aprendeu sua lição.

Um dia depois que sua mãe ficou sabendo do que seu pai tentara fazer, ele aparecera misteriosamente com vários hematomas ao longo do corpo.

Ele dizia a todos que caíra da escada. Mas Ariel sabia a verdade. Ouvira seus gritos.

E também sabia o motivo de tudo aquilo: sua mancha rosa.

Ela era a fonte de todos os seus problemas: seus colegas de escola não gostavam dele por isso, sua mãe não o amava graças à mancha; e agora, seu pai havia se machucado por causa dela.

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