O frio do inverno acariciava a nuca da jovem criança, e apesar de estar devidamente protegido pela capa com as cores de Valáquia sobre suas costas, a sensação ainda causava arrepios em Vlad enquanto permanecia imóvel ao lado de seu pai e sua mãe, entre seu irmão mais velho, Mircea, e o caçula Radu. Mas talvez os arrepios tivessem outra causa, talvez a sensação fosse causada pela ansiedade de estar junto à sua família esperando a visita hostil de uma hoste de cavaleiros de uma terra vizinha que, como bem sabia por causa de sua boa educação na corte, tinham um grande interesse em governar o reino em que seu pai era líder.
A família seguia o protocolo e estavam enfileirados aos pés da fortaleza de Poenari onde Vlad viveu todos os seus 12 anos, cercado de criados, de homens de armas (alguns haviam lutado nas cruzadas), dos mestres mais eruditos de Praga e toda a sorte de bardos e intelectuais provenientes de seu reino ou das longínquas terras do Sacro Império.
Vlad percebeu que Radu provavelmente estava com a mesma sensação que ele, já que quando olhou para o lado percebeu que seu irmão tremia levemente as mãos. Virou a cabeça e viu Mircea, com seus quinze anos, de peito estufado tentando a todo custo ter o mesmo porte altivo de seu pai. Sua mãe, Maria, repousava gentil e suavemente uma de suas mãos no ombro de seu marido, com uma graça que poucas mulheres poderiam exibir, mesmo as que faziam parte da realeza.
Então, viu ao longe, andando pela via principal em sua direção, algumas imagens a cavalo que refletiam a luz da manhã de uma superfície prateada.
Conforme os homens de armaduras reluzentes se aproximavam cruzando a cidade, os cidadãos interrompiam seus afazeres e entravam em suas casas, apreensivos, pensando no que aconteceria às suas vidas após aquele dia. Baldes cheios de água ficaram nos poços, lingotes de aço ainda incandescentes repousados sobre bigornas, carrinhos de frutas e peixes foram abandonados ao léu.
O homem que seguia à frente parou poucos centímetros de seu pai e desceu do cavalo: brandia uma grande espada curva, de suas costas pendia um escudo redondo, em sua cabeça um brilhante elmo pontudo; a forma com que se aproximou o jovem não conseguiu desvendar se era com agressividade ou algum tipo de empolgação, e mais do que nunca sentia vontade de sair correndo com sua mãe, entrar em seus aposentos e não ouvir nada, esperar pelo melhor.
Antes de se aproximar ainda maisd a família, o cavaleiro retirou seu elmo com bastante familiaridade, revelando sua cabeça calva, sua pele branca e um cavanhaque preto. Seu rosto exprimia a mais falsa sensação de camaradagem e simpatia, mas a espada continuava em sua cintura, portanto, nada poderia ser feito, não sem que a honra dos Tepes fosse maculada pela eternidade.
Oferecendo sua mão ao pai do rapaz, disse:
-Estamos, em fim frente a frente Voivoda Vlad II, permita-me cumprimentar o senhor e sua bela família.
O garoto sempre sentia um orgulho oculto quando diziam o nome de seu pai, já que recebera um igual. Para uma criança isso era uma verdadeira honra, e quando alguém se dirigia ao seu pai com as honras devidas a um governante, Vlad gostava de fingir que era com ele.
-Hunyadi Corvino, servo, escravo dos Turcos e governante da Hungria, não penses que não sei que carregas um exército atrás de ti, não penses que desacredito que és um usurpador e que pretendes governar Valáquia em meu lugar em nome de hereges e muçulmanos.
Seu pai nunca teve paciência para os longos protocolos de educação em conversas com nobres e governantes, achava uma grande perda de tempo, ainda mais quando falava com homens que claramente queriam ver sua ruína e de sua família, geralmente por um punhado de moedas ou uma posição em alguma ordem religiosa.
O sorriso amarelo que estava estampado no rosto de Corvino de converteu em uma expressão falsa de ofendido:
-Pouca confiança tens em mim meu senhor, admito que aqui estou para governar, meu exército aguarda atrás de vossas muralhas, mas saiba que não pretendo vosso lugar santo por direito, pois somos irmãos, Vlad Dracul, obedecemos à mesma Ordem.
Corvino, então, enfiou a mão coberta por uma manopla dentro da armadura e tirou de uma medalha de prata grafada em alto relevo com a figura de um dragão mordendo a própria cauda.
O menino viu o semblante de seu pai estremecer e se decepcionar, viu convidar os invasores a adentrar em sua residência, sua sagrada casa onde vivera toda a sua vida na companhia de sua família.
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O néctar mais doce
Historical FictionCom alguma veracidade histórica, este conto aborda a origem de um dos mais importantes personagens da história e da ficção, Vlad Tepes, O Empalador, Drácula das histórias de vampiro. O século XV foi marcado por disputas territoriais e guerras religi...