Além da vida

Megh

                      

Megh estava sentada na cama com os fones de ouvido enquanto sua mãe batia na porta freneticamente. Não que os fones estivessem no volume máximo. Ela conseguia ouvi-la bem de longe, a voz em contraste com  o solo de guitarra de Zack Wylde. Mas estava ignorando na esperança de que sua mãe se cansasse.
__Marjorie, filha, acorda. Você vai se atrasar!
Já faziam alguns minutos que ela estava lá se "esguelando".Sua mãe não desistiria fácil. Nunca desistiu. Pelo menos quando o assunto era tornar seu dia mais chato do que o normal.
__Marjorie. Meu Deus! Roger, sobe aqui.
Pronto, começou a chamar pelo seu irmão mais velho. Se ele chegasse lá a porta seria arrombada, com certeza. Da última vez foi assim. Megh não respondia, então a saída que sua mãe encontrou foi chamar o Roger. Quando ele arrombou a porta, Megh estava desmaiada no chão com  os pulsos cortados. Ela tinha sangrado muito mas foi levada para o hospital à tempo.
Infelizmente.
O tempo parecia nunca estar do seu lado. Se seu irmão não tivesse voltado para pegar o celular que ele havia esquecido,  o plano dela teria dado certo e hoje estaria sepultada ao lado de sua vó Lia. (Que saudades daquela velhinha de um metro e meio que lhe dava dinheiro como se estivesse passando droga).Mas, graças ao cabeça oca do Roger, hoje ela tem uma consulta com o psiquiatra pela manhã (quem esqueceria o celular em plena era digital? !)
__ROGERR! Filho, você já foi trabalhar?
__Fui , mãe, mas meu espírito ficou em casa. O que você quer?-Roger gritou lá da sala. Quando seu irmão está sarcástico assim é porque o bom humor passou bem longe dele.
__Sua irmã não quer abrir a ...---antes que ela terminasse, Megh girou a maçaneta---Filha, você não me ouviu? Estou te chamando à um tempão.
__Foi mal. Não deu para ouvir (mentira).Eu estava ouvindo Ozzy e tava no último volume (a parte do volume...outra mentira).
__Sabe que isso faz mal para sua audição? (E daí? Quem se importa? ).
Qualquer dia desses você vai ficar surda.
Megh continuou parada na porta olhando para sua mãe e batendo o pé no chão. Ela fazia isso quando queria que a pessoa fosse direto ao assunto, com o porquê de tê-la tirado da cama, interrompendo seu momento sagrado com Ozzy Osbourne. Sua mãe já havia entendido os sinais.
__Vim te chamar porque sua consulta com o DR .Corrêa é daqui a uma hora.
__Já estou pronta.
__Vai com essa camiseta do Slipknot de novo?
"Não encontrei a camisa de força".Apenas pensou em dizer. Achava que deveria dizer. Queria muito dizer. Mas se fizesse isso,  sua mãe começaria uma conversa com aqueles conselhos (todos repetitivos e com "tem gente em pior situação do que você"), negaria que ela estava louca (mesmo que pensasse o contrário), citaria exemplos de superação (sabia todos de cor)  e bla bla bla.
Então limitou-se a uma resposta calma e seca:
__Sim.
Sua mãe, após olhar de novo para ela da cabeça aos pés, respirou fundo.
__Tudo bem, filha.Sem problemas.
Ela também não queria bla bla bla. Menos mal.
Deu um beijo em sua testa e ia saindo quando, antes de cruzar o corredor, lembrou-se de algo:
__Leve sua mochila. De lá vamos para sua nova escola.
Ah que ótimo! Era o dia das notícias chatas e ninguém a avisou antes para ela anotar no calendário dos desastres.
Aff!